Disco: “I Bet On Sky”, Dinosaur Jr.

/ Por: Cleber Facchi 29/08/2012

Dinosaur Jr.
Alternative Rock/Indie/Rock
http://www.dinosaurjr.com/

Em meados da década de 1960 o médico canadense Elliott Jaques cunhou um termo que até hoje reverbera nos ouvidos de alguns indivíduos com mais de 40 ou 50 anos de vida: a famigerada crise de meia-idade. Com base em padrões observados em uma série de pacientes, o norte-americano constatou que a partir de determinada idade algumas pessoas assumiam uma postura de libertação e reformulação total de suas vidas, reflexo da maior aproximação com a perda de familiares, noção constante de envelhecimento e diversas outras transformações biológicas que involuntariamente acabavam arrastando os homens para esse processo de acertos e incontáveis exageros.

Talvez de forma ainda controlada, mas claramente explícita, ao final de 2005 quando J Mascis, Lou Barlow e Murph resolveram reviver a trajetória do Dinosaur Jr. de forma jovial e intensa, uma pequena dose dessa suposta crise começou a se manifestar. O primeiro resultado dessa crescente transformação veio dois anos depois, com a chegada do sujo e acelerado Beyond, oitavo registro em estúdio da banda e uma prova transparente de que todo o esforço incorporado pelo grupo ao final da década de 1980 e em parte dos anos seguintes estava de volta. Repleto de elementos que passeavam pela crueza instrumental e a densidade dos versos, o disco surgiu como uma espécie de recomeço, firmando uma conexão com o que o grupo havia promovido em clássicos como You’re Living All Over Me e nos preparando para o que viria ali dois anos.

Mais completo registro desde que a banda lançou em fevereiro de 1991 o ruidoso Green Mind, Farm (2009) parecia não apenas (re)introduzir o trio britânico às novas gerações, como garantia a banda de Massachusetts uma sonoridade melhorada, densa e perfumada pela intensa inclusão de guitarras tomadas pela distorção. Percepção que se estendia da abertura sólida de Pieces a construções monumentais como a imensa I Don’t Wanna Go There (com mais de oito minutos de duração), a nova tonalidade assumida pela banda de alguma forma tornavam o trabalho da tríade norte-americana tão relevante quanto fora no passado, assumindo a mesma postura incorporada por grupos como Sonic Youth, Radiohead, R.E.M. e outros artistas que na época ainda mantinham uma produção tão intensa ou até maior do que quando estrearam.

Agora de posse do décimo registro em estúdio, I Bet On Sky (2012, Jagjaguwar), o trio inverte novamente as particularidades instrumentais de outrora, assumindo o lançamento de um disco rápido, verdadeiramente cru e que mais uma vez converte os acertos do passado em algo novo e competente com o que ecoa no cenário alternativo recente. Com um catálogo de referências que ultrapassam os limites de bandas novas como Yuck, Cloud Nothings, Male Bonding e tantas outras que surgiram nos últimos cinco anos, o grupo vai da faixa de abertura ao encerramento percorrendo um caminho de vias tortuosas e sujas, transformando as guitarras sempre versáteis de Mascis uma espécie de linha guia para bem situar os novos e velhos ouvintes dos trabalhos da banda.

Com base nessa sequência de pequenas doses de poluição instrumental, o grupo estabelece a criação de um disco acelerado que em alguma medida soa como um irmão gêmeo “maligno” do que J Mascis produziu no último trabalho solo, o quase angelical Several Shades Of Why (2011). Explodem assim canções como I Know It Oh So Well, Don’t Pretend You Didn’t Know e outras canções mais intensas, faixas que distantes de soar como simples cópias do que o grupo propôs em outras épocas trazem na energia que as conduz um fenômeno necessário de transformação. Sobram ainda traços do disco passado (What Was That), heranças da carreira solo do vocalista (Almost Fare) e até pequenos acréscimos que garantem peso extra ao disco (Watch the Corners). Não é o melhor trabalho do grupo, mas está muito longe de fluir como um projeto descartável, redundante ou que de alguma forma manche a atual fase da banda.

Pela maneira jovial como as guitarras são construídas, as líricas com reflexões que estão longe de assumir a fase adulta e, principalmente, o despojo como o disco é construído fazem do Dinosaur Jr. em sua atual fase um grupo que está longe de soar velho ou minimamente próximo dessa percepção. Por conta dessa necessidade de constante renovação do trio, e até de posicionamentos que tentam ocultar todo possível traço desse envelhecimento, em I Bet On Sky J Mascis e os parceiros de banda revelam uma série de padrões típicos dos categorizados por Elliott Jaques como manifestações lógicas da crise da meia-idade. Entretanto, longe de se anunciar como um erro, a suposta “crise” incorporada pela banda se converte em um lógico acerto que deveria ser repetido não apenas nos próximos discos do trio, mas por todo e qualquer grupo com 20 ou mais anos de carreira.

 

I Bet On Sky (2012, Jagjaguwar)

Nota: 7.9
Para quem gosta de: J Mascis, Sebadoh e Hüsker Dü
Ouça: I Know It Oh So Well e Watch the Corners

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.