Disco: “July”, Marissa Nadler

/ Por: Cleber Facchi 11/02/2014

Marissa Nadler
Folk/Dream Pop/Female Vocalists
http://marissanadler.com/

Por: Cleber Facchi

Marissa Nadler

Dez anos se passaram desde que Ballads of Living and Dying (2004), álbum de estreia da cantora e compositora Marissa Nadler, foi apresentado ao público. Se ao longo da última década pouco se modificou na atmosfera sombria exposta pela artista, em se tratando dos versos instalados em cada composição, Nadler fez do próprio sofrimento um princípio de abastecimento criativo. São obras inteiras consumidas pela atmosfera soturna da artista (Little Hells, 2009), ou mesmo registros que se perdem no lirismo quase onírico da cantora (Songs III: Bird on the Water, 2007). Tratamento que ao alcançar o sexto disco da norte-americana mais uma vez expõe transformação.

Partindo exatamente de onde parou no álbum homônimo de 2011, July (2014, Sacred Bones) é uma imposição segura de tudo o que Nadler vivenciou em seus anos mais recentes. De relacionamentos fracassados (Firecrackers) ao passeio por versos de pura libertação (Was It A Dream), cada peça instalada no disco atravessa o universo particular da cantora de forma a dialogar com as experiências mais amargas do público. Como uma mente atormentada em uma noite de insônia, a cantora utiliza do que há de mais triste nas impressões humanas de forma a manipular as melodias. Uma divisão constante entre o acolhedor e o desespero.

Longe das emanações artesanais que apresentaram a cantora há uma década, July talvez seja a obra mais límpida e conceitualmente bem delineada pela artista. Com produção assinada por Randall Dunn – velho colaborador de grupos de metal como Sunn O))) e Wolves in the Throne Room -, Nadler encontra pelo novo disco um cenário fechado e quase claustrofóbico de tramas instrumentais. Ainda que a comunhão com o Folk sirva como uma guia para o disco, é no relacionamento atento com o Dream Pop que a cantora realmente condensa a base orquestral para a formação do disco.

Posicionada em um plano noturno de forte aproximação com a estética dos anos 1980, Nadler encontra no trabalho de artistas veteranos como This Mortal Coil um princípio de complemento para a própria obra. O resultado está na formação de músicas como Dead City Emily, faixas que se espalham entre vocalizações densas, administradas como um instrumento complementar aos arranjos básicos. Mesmo a sutileza de canções mais compactas, caso de We Are Coming Back, não distanciam a cantora do mesmo universo. Pelo contrário, apenas transportam a artista para um lugar ainda mais distante, trazendo na essência de veteranas como Nico e Joni Mitchell uma atenta interação com o presente.

Ainda que a beleza dos arranjos defina a construção estética do trabalho, cabe aos versos de cada faixa garantir o princípio de direção para o ouvinte. Lidando com o amor e (principalmente) a falta dele durante todos os estágios do disco, Nadler cria uma das obras mais sufocantes da cena recente. Um exercício revelado com atenção em 1923 (“I called you from another century/ To see if the world had been kind and sweet”) e In Holiday (“You have a girl in every state/ I know I’m in the way”), mas que segue dissolvido pelas demais canções do trabalho.

Tratado em uma estrutura crescente, July faz de cada música um complemento para as emanações densas que se acumulam pela obra. Da forma como as vozes se manifestam de forma ecoada, ao exercício cada vez mais carregado dos pianos, cada criação do disco sobrepõe a faixa seguinte, resultando em um melancólico turbilhão em preto e branco. A movimentação iniciada em Drive atravessa Firecrackers, explode em Was It A Dream, e vai se desenrolando até Desire. Uma verdadeira avalanche de detalhes e percepções sombrias que mais uma vez reforçam a capacidade de Marissa Nadler em traduzir musicalmente os mais amargos sentimentos.

 

Marissa Nadler

July (2014, Sacred Bones)

Nota: 8.0
Para quem gosta de:
Ouça: Dead City Emily, Was It A Dream e Firecrackers

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.