Disco: “Le Voyage Dans La Lune”, Air

/ Por: Cleber Facchi 02/02/2012

Air
French/Electronic/Ambient
http://en.aircheology.com/


Por: Cleber Facchi


Era inverno no hemisfério norte quando o primeiro trabalho da dupla francesa Air presenteou o mundo com doses suaves de sintetizadores calorosos e nostálgicos. O resgate dos teclados atmosféricos que marcaram a década de 1970, um fino toque voluptuoso, além do fluxo vanguardista contribuíram para que Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel estabelecessem todas as regras e estratégias para o retrô-futurista Moon Safari, disco que não apenas trouxe uma carga de inovação para o “movimento” ChillOut (estilo muito em voga naquele instante), como serviu para despertar o público sobre o que acontecia na produção musical da França naquele momento.

Oito décadas antes, em 1902, no mesmo epicentro cultural, o cineasta Georges Méliès também revolucionaria – não com música, mas com imagens. Nascido em Paris no ano de 1888, o diretor prenderia o curioso público da época em uma viagem de mais de 14 minutos que aproximaria a Terra da Lua. Através do curta Le Voyage Dans La Lune, Méilès romperia com as barreiras do mundo físico, transportando os espectadores através de um passeio mágico (e carregado de experiências místicas), revelando seres fantásticos, paisagens intralunares e todo um conjunto de formas e referências que além de eternizar o diretor como um dos grandes figurões da sétima arte, acabariam servindo de base para uma infinidade de trabalhos futuros e projetos, inclusive, além dos limites das telas de cinema.

Apaixonados pelas imagens e invenções visuais do cineasta, o duo francês resolveu por meio do sétimo álbum oficial de estúdio não apenas resgatar (mais uma vez) as experiências musicais que deram vida ao som das décadas de 60 e 70, mas pesquisar também as múltiplas referências encontradas na obra Méliès. Chega assim Le Voyage Dans La Lune (o disco), trabalho que passeia pela película histórica do conterrâneo francês, ao mesmo tempo em que derrama sintetizadores volumosos (e hipnóticos) típicos dos trabalhos da dupla, estabelecendo um registro atemporal, uma peça musical que navega através do tempo, das imagens, e da música.

Mais do que um mero diálogo moderno entre um projeto musical do presente com algum material cinematográfico do passado – vide a relação entre o Primal Scream e o filme Vanishing Point, ou tantos outros trabalhos do gênero -, com o atual lançamento o Air além de homenagear o clássico de 1902, acaba garantindo novo sentido à ele. Com exatos 31:21 minutos (mais do que o dobro da película original), o álbum acaba soando como uma rica versão estendida do trabalho, um universo de novas texturas, possibilidades – e talvez até imagens – que nos convidam novamente a embarcar em um imenso canhão, sendo disparados diretamente para a Lua.

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Se antes as imagens propostas por Georges Méliès eram silenciosas – primeiro filme com áudio sincronizado só viria em 1927 -, através das mãos (e teclas) da dupla cada mínima extensão da película surge temperada por inovadores ruídos. Dentro dessa variedade de sons (similares ou em maior número quanto os estranhos habitantes da estilizada Lua) temos uma força musical que ora pende para a tonalidade branda que a dupla vem explorando desde o disco de estreia (algo bem visível em Moon Fever), ora convergindo para para um som grandioso, épico e tão forte quanto a explosão quente de um foguete (Seven Stars).

Dentro desse padrão musical grandioso – que incendeia ainda outras faixas no interior do trabalho – é onde reside justamente toda a inovação ou ineditismo da obra proposta pelo duo. Le Voyage Dans La Lune soa como um ponto máximo de algo que a banda já vem desenvolvendo há bastante tempo. Uma espécie de destino final iniciado em Talkie Walkie (2004), parcialmente perdido em Pocket Symphony (quando em 2007 a dupla buscou por um trabalho mais “orgânico”), reestabelecido em Love 2 (2009) e finalmente concluso. Um tratado extenso (ao mesmo tempo que controlado), mas que distancia os franceses do aspecto comportado (e hermético) de outrora para introduzir uma variedade de sons e novas possibilidades musicais.

Como todo trabalho pensado em cima da produção de uma “trilha sonora alternativa”, o presente disco se divide constantemente entre a ambientação natural do tema e momentos de expansão. Enquanto este primeiro grupo de composições garante a introdução e a aproximação do ouvinte com o centro do trabalho, o segundo nos encaminha para o clímax, ou simples momentos de tensão, rompendo com a morosidade da condução e quebrando bruscamente quaisquer gráficos musicais lineares do trabalho. Dentro desse sistema de subidas e descidas constantes (como a superfície irregular da lua fictícia), a dupla nos arrasta por entre synths, batidas e efeitos cada vez mais empolgantes e complexos, tornando impossível a escapatória da obra.

Talvez o ponto máximo do trabalho esteja na intensa Seven Stars. Comandada pelos vocais mágicos de Victoria Legrand (Beach House), a composição amarra todos os principais elementos do trabalho, transformando a contagem regressiva posicionada no meio da canção como uma espécie de divisória entre a nossa realidade e a proposta pelo disco. É como se aos 2:50 minutos da faixa, passada a contagem (e a explosão musical encaminhada pela dupla) estivéssemos de fato pisando em terreno lunar, obviamente não a nossa Lua – e talvez nem a criada por Méilès -, mas um ambiente novo, inexplorado e tão rico quanto qualquer outro já pensado ou descoberto pelo homem.


Le Voyage Dans La Lune (2012, Astralwerks)


Nota: 8.8
Para quem gosta de: Röyksopp, Zero 7 e Portishead
Ouça: Seven Stars e Sonic Armada

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.