Disco: “Longe De Onde”, Karina Buhr

/ Por: Cleber Facchi 18/10/2011

Karina Buhr
Brazilian/Experimental/Female Vocalists
http://www.karinabuhr.com.br/

 

Por: Cleber Facchi

Desde o princípio Karina Buhr não veio para desenvolver suas canções de forma natural, reverberando uma sonoridade básica ou letras exploradas de maneira convencional. Pelo contrário, tudo se converte em algo excêntrico quando pisamos pela primeira vez no universo particular da artista, como se o mundo literalmente virasse do avesso, transformando o ouvinte em um ser estranho, não suas composições. Foi justamente dentro dessa lógica que a recifense fez de sua estreia em 2010 um dos projetos mais ousados e inventivos dos últimos 10 anos, algo que ela volta a repetir agora, com o lançamento de sua segunda obra em carreira solo.

Distante das pequenas incursões suavizadas e quase românticas que emanavam do espetacular Eu Menti Pra Você, Buhr transforma o recente Longe De Onde em um manancial de ritmos sujos, esquizofrenias descontroladas e, claro, seu fundamental jogo de palavras que mais uma vez hipnotizam qualquer um que se aventura em suas canções. Das guitarras viscerais de Cara palavra (primeiro single do disco) aos experimentos épicos da surpreendente Não Precisa Me Procurar, tudo ecoa esquisito, belo, irritante e inspirador, com Karina e seu colossal grupo de parceiros mais uma vez acertando a medida entre o experimental e o pop.

Vindo do mesmo fluxo criativo que deu vida ao anterior lançamento da cantora, o novo álbum, mesmo dotado de algumas particularidades que obviamente o aproximam do elogiado debut, acabam pendendo para um campo muito mais ruidoso, seco e consequentemente instigante. Nada de emanações suaves ou qualquer mínima possibilidade que transforme Buhr em uma figura frágil e musicalmente estável. Tudo aqui é duro, mesmo nos momentos de calmaria, como os expressos em Não Me Ame Tanto ou na ponderada Pra Ser Romântica.

Mesmo manifestando sua imagem forte através dos vocais sempre concisos e dos versos construídos em cima de um ardiloso jogo de palavras, Buhr não se consagra sozinha. Instrumentalmente a beleza do trabalho acaba entregue a outros colaboradores, velhos parceiros da musicista e que aqui reforçam ainda mais sua participação. Da produção bem delineada do registro – que conta com Bruno Buarque, Mau, além da própria cantora – aos sons ecoados ao longo do disco, todo o trabalho vem sustentado em cima de homens fortes, com Karina se posicionando como a grande arquiteta disso tudo, ou talvez a grande imperatriz.

Logo nos minutos iniciais do álbum, antes mesmo que ecoem os vocais da cantora, é a bateria suprema de Bruno Buarque que acaba ditando as regras da canção, deixando para que o espetacular encontro de guitarras entre Edgard Scandurra e Fernando Catatau acabe por cobrir o restante da faixa e consequentemente do álbum. Muito mais rápido e direto que o trabalho anterior – o disco conta com pouco mais de 35 minutos, enquanto Eu Menti Pra Você ultrapassava os 50 – Longe De Onde segue de maneira instável em um fluxo sempre crescente, com o ouvinte sendo chacoalhado a todo instante enquanto o trabalho se movimenta.

Claro que dentro do encorpado entrelace entre guitarras embrutecidas e um fundamental jogo de versos, Buhr ainda tira um tempo para investir em algumas canções mais amenas, mantendo assim a constante dentro de sua obra, que é a de sempre experimentar. Surgem assim faixas como Cadáver, com a cantora surgindo adornada por uma camada de sons voltados ao reggae, isso enquanto os versos em inglês e uma tonalidade suave convertem The War’s Dancing Floor em uma composição pop típica dos anos 90.

Entretanto, é somente quando se deixa levar pelas ondas de experimentações que lavaram seu primeiro álbum que Karina apresenta ao público seu melhor desempenho. Acompanhada de um inspirado Guilherme Mendonça (Guizado) e uma instrumentação ascendente, a cantora e seus parceiros acabam convertendo a grandiosa Não Precisa Me Procurar na mais intensa canção do disco. Cruzando elementos do Jazz, rock psicodélico e todo um mar de estranhas sensações que vão se aglutinando, Buhr e seus parceiros acabam promovendo uma das melhores e mais completas faixas de 2011.

Assim como no trabalho anterior, Longe De Onde não funciona como um registro fácil, capaz de garantir algumas respostas ao ouvinte logo em uma única audição. É preciso tempo, não para que o álbum se aproxime do espectador, mas para que o ouvinte possa compreender a extensão do registro e consequentemente se habitue o universo peculiar que se forma em seu interior. O disco funciona de maneira complexa em todas suas extensões, resultando em uma morada instrumental em que uma vez acostumados, não queremos mais sair.

 

Longe De Onde (2011, Independente)

 

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Cidadão Instigado, Tulipa Ruiz e Guizado
Ouça: Cara Palavra, Não Me Ame Tanto e Não Precisa Me Procurar

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.