Disco: “Manja Perene”, Letuce

/ Por: Cleber Facchi 13/03/2012

Letuce
Brazilian/Female Vocalists/Alternative
http://www.letuce.com.br/

Por: Cleber Facchi

Nada é mais desconcertante do que um estranho tentando se aproximar (mesmo que por alguns instantes) da zona de conforto de um casal. É como se tudo que fosse propagado pelos enamorados fosse próprio de um mundo interno, tornando qualquer invasão de um ser estrangeiro praticamente impossível de ser realizada. Os versos, olhares e carícias, tudo parece essencialmente íntimo, quase incompreensível, como se mesmo as mais simples palavras trocadas entre o casal fossem simplesmente impossíveis de serem compreendidas – ou totalmente alteradas dentro do contexto sentimental que as envolvem. Curioso que para o casal Letícia Novaes e Lucas Vasconcellos do Letuce essa regra ou barreira perca toda a funcionalidade.

Logo que o primeiro trabalho da dupla carioca foi lançado em meados de 2009 – o doce Plano de Fuga Para Cima dos Outros e de Mim – que a grande matéria-prima das composições do casal tornou-se visível: eles próprios. Toques, carícias, declarações de amor, brigas ou mesmo o próprio sexo, tudo é motivo e material para o que a dupla vem construindo. Enquanto ela toma conta dos vocais – preenchendo cada verso com um toque único de humor e melancolia – ele assume a instrumentação, promovendo um trabalho carinhoso, íntimo e próximo. Algo muito similar ao que Rita Lee e Roberto de Carvalho conseguiram alcançar há três décadas quando transformaram seu cotidiano em uma série de declarações de amor e sexo.

Entretanto, se em 2009 o trabalho do casal começava em um dia de carnaval, ressaltando versos brandos e uma sonoridade leve, hoje talvez ele se posicione em uma quarta-feira de cinzas, algo que as guitarras obtusas e a frente de instrumentos densos que preenchem o disco proclamam sem grandes esforços. Mesmo nos momentos mais frescos do álbum – como na despojada Insoniazinha, com seu puro ar de Rita Lee – há sempre um toque de seriedade, nada que oculte o constante bom humor do casal, mas um retrato sonoro que talvez rompa com a tonalidade suave do registro anterior, uma espécie de novo caminho a ser explorado pelos enamorados.

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Diferente de Plano de Fuga Para Cima dos Outros e de Mim, em Manja Perene, mais recente disco da dupa, o casal parece ressaltar com empenho (talvez não voluntário) a figura masculina do projeto. É como se todo o trabalho fosse um constante ressaltar da figura íntima de Vasconcellos, que não apenas ocupa os vocais em um número maior de faixas, mas se apresenta em boa parte delas como matéria prima das composições. Como resultado, temos um oposto lírico do trabalho anterior, que não mais se orienta por doces casos de amor e paixonites próximas de um estado pós-adolescentes, mas pelo sexo e pela intensidade dos atos. Cada faixa (principalmente as cantadas pelo músico) expressam um tom formal, quase áspero e inteiramente masculino.

Observando desse ponto, Manja Perene parece se encaixar com perfeição no trabalho anterior. Como se um completasse o outro em uma intensa relação sexo-musical. Areia Fina se afunda na candura de Piscina Haikai, Anatomia Sexual se esfrega em Potência, como se cada faixa do disco anterior se conectasse de alguma forma com as composições do presente disco. Dentro desse contexto de doces encaixes, Vasconcellos elabora um bem estruturado plano instrumental, caindo ora nas graças da MPB da década de 1980 (Sutiã), ora no despojo do rock alternativo (Freud Sits Here), movimentando o trabalho de forma versátil, estratégia que funcionou no trabalho anterior e se repete com sucesso no presente disco.

Erótico e bruto em alguns instantes, Manja Perene parece não querer se aproximar de alguma lógica comum ou tendência musical compatível com algum grupo de artistas. É como se a zona de conforto criada por Letícia e Lucas fosse suficiente para a formação do trabalho, com o casal abordando uma maneira própria de criar, promover e explorar suas sensações através da música. Um aspecto estrutural íntimo, porém aberto a qualquer um que queira se embrenhar nas mesmas experiências do casal.

Manja Perene (2012, Bolacha Discos)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Wado, Rita Lee e Bruno Morais
Ouça: Fio Solto, Sutiã e Cataploft

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.