Disco: “Mono Maçã”, Lê Almeida

/ Por: Cleber Facchi 08/07/2011

Lê Almeida
Brazilian/Lo-Fi/Indie
http://www.myspace.com/lealmeida

Por: Cleber Facchi

Lê Almeida era apenas um garoto quando Bee Thousand seminal disco do Guided By Voices foi lançado em junho de 1994. A obra máxima (há quem prefira Alien Lanes de 1995) do grupo de Dayton, Ohio comandada por um Robert Pollard parece ser o grande e fundamental trabalho a influenciar a estreia do músico carioca em Mono Maçã (2011, Transfusão Noise Records). Através de 23 músicas, Almeida proporciona não somente uma ode ao rock lo-fi da década de 1990, como se assume como um grande gênio em terras tupiniquins, sujando acordes, vozes e sensações em um disco que para além das convenções estéticas que abrange se revela em um trabalho fundamental e raro.

Embora já circule desde os momentos finais de 2010 é só agora que o álbum ganha destaque em solo nacional, deixando de lado o conjunto de 12 faixas que delimitavam a versão anterior (e internacional) para se converter em um registro de mais de duas dezenas de canções, gerando (incríveis) 40:13 minutos de duração, tempo mais do que explicado mediante o curto período de cada faixa. Qualquer indivíduo não iniciado na mesma estética de Almeida logo sentirá estranheza ao se deparar com faixas de míseros 30, 40 ou 50 segundos de duração – a menor delas alcança raros 28 segundos -, tempo mais do que suficiente para que o músico seja capaz de destilar não apenas sua eficaz instrumentação, como letras gigantes, quando encaixadas dentro das singelas faixas.

Se somente agora Mono Maçã chega às mãos dos desavisados, esta é uma obra que vem se construindo desde meados da década passada, quando o músico, que mantém sua morada sob o Sol forte da Baixada Fluminense passou a se aventurar sozinho em composições literalmente caseiras, utilizando de microfones acoplados à computadores ou métodos de gravação toscos e precários para registrar seu tipo de som. A simplicidade, entretanto, dos materiais não foi motivo para que pequenas raridades como os EPs Loufailândia (2007) e Querida Deal (2008) fossem gravados, uma dualidade de registros capazes de se confrontarem sem medos contra qualquer álbum que escape de alguma grande gravadora ou protegido sob amplos cuidados técnicos.

Antes que Transporpirações, Micropontes, Amigo Comprimido ou todo o jogo de canções que delimitam a estreia do carioca chegassem ao formato bem estabelecido que se encontram hoje, Almeida fez de seu anterior EP um pequeno ensaio, afinando a instrumentação que o guiaria em sequência, além de fazer de suas faixas um reduto de versos acessíveis e meticulosamente projetados. Quando Revi EP chegava ao público em 2009, a obra de Lê Almeida não apenas se transformaria em um delírio aos amantes do rock lo-fi, influenciando também um bom número de bandas a lançarem seus próprios registros (independente de seus métodos de gravação), como também servia de ponte aos ouvintes que sequer tivessem conhecimento sobre tais sonoridades.

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Embora fosse parcialmente oculto sob as densas camadas de ruídos, vocais rebuscados e fórmulas acústicas que causariam delírios aos “amantes da boa música”, o pequeno EP de oito faixas proporcionava uma série de composições do mais puro pop pós-adolescente. Se desmoronando em cima de pequenos anseios (Nunca Nunca), crises de novos adultos (22 anos) e doses de lisergia (Voo na Sexta), o músico alcançou o que poucas bandas brasileiras na última década conseguiram representar com real sucesso. Além da boa condução em seus trabalhos, Almeida não se aquietou em manter controle apenas sobre seus trabalhos, partindo para a produção de outros registros – como o projeto ao lado do Babe Florida e a produção do primeiro EP do Top Surprise, Everything Must Go –, ajudando a delimitar as bases do que hoje seria a Transfusão Noise Records, selo que fundou “em seu quarto na Baixada Fluminense”.

Com este vasto jogo de atributos, o caminho para que Almeida lançasse seu tão aguardado primeiro disco não era algo mais tão distante. É quando tocam os primeiros acordes da faixa de abertura de Mono Maçã, Transporpirações, que se torna realmente visível tal consolidação, com o músico trazendo à tona os vários anos que tem dedicado ao extensivo uso de reverberações lo-fi, além de uma visível nova carga sonora em suas composições. Além de uma maior aproximação com um tipo de som radiofônico e pegajoso (se é que isso é possível), como evidencia nas faixas Micropontes e Semi Hippie, o carioca se aventura pela detalhada construção de um verdadeiro labirinto lisérgico, criando pequenos picos de alucinações (Sonho K) e experimentações chapadas (Marcha dos 6 Elefantes e Longerdite).

Por mais ruidosas e claustrofóbicas que sejam algumas das composições, Almeida parece sempre desenvolver o disco de maneira a manter o ouvinte livre, passeando pelas faixas como ele passeia com seus instrumentos pelas canções. Embora soe como um registro fechado, com todas as canções seguindo uma mesma linha, Mono Maçã parece conduzido para ser absorvido em doses, como se para ter a real compreensão do álbum fosse necessário voltar para a primeira faixa, saltar para os sons dos pássaros na bucólica Gran Parque, falar sobre amor em Por Favor Não Morra, ouvir os sons automobilísticos em Automoção ou se deixar levar por OVNIs em Jamais Saberei dos UFOS, criando uma ordem própria para a vasta audição do álbum.

Embora venha rotulado como “estreia”, talvez a melhor nomenclatura destinada ao trabalho do carioca seja a de “consolidação”, com o músico proporcionando através de Mono Maçã uma grande constatação de todos os maduros atributos e peculiaridades desenvolvidos por ele ao longo dos últimos anos. Mesmo que Pavement, Built To Spill, Eric’s Trip, além dos já mencionados Guided By Voices – quem sabe até um pouco de Astromato, Pelvs e Wry – sirvam com as grandes para o “primeiro” grande disco de Lê Almeida é como se o músico carioca tivesse alcançado com o álbum algo totalmente próprio, original e quiçá inédito.

Mono Maçã (2011, Transfusão Noise Records/Midsummer Madness)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Top Surprise, Superguidis e Coloração Desbotada
Ouça: Transporpirações e Micropontes

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.