Disco: “Muito Mais Amor”, Lívia Cruz

/ Por: Cleber Facchi 04/09/2013

Lívia Cruz
Hip-Hop/R&B/Rap
https://www.facebook.com/Liviacruzoficial

Lívia Cruz

Amor, sentimento comum, roto e redundante, mas que flui em um sentido de curiosa novidade a cada verso ou suspiro que preenche a obra de Líva Cruz. Pernambucana, mas com um pé em São Paulo e passos carregados de referência que já rasparam em Brasília e Rio de Janeiro, a “novata” ultrapassa quase uma década de carreira para só agora entregar o primeiro registro em estúdio: Muito Mais Amor (2013, Independente). Jogo confesso de memórias amargas, sentimentais e levemente voluptuosas, o debut é uma representação segura do mesmo R&B/Pop que circula na cena estrangeira, mas que passa desmerecidamente esquecido por aqui.

Cercada por um time bem instalado de colaboradores – incluindo DJ Caíque, Skeeter, Léo Cunha, Ariel Haller e outros produtores do novo Rap paulistano -, Cruz divide cada faixa do trabalho em um claro sentido de conquistar terreno e brincar com diferentes gêneros. São composições que passeiam suavemente pelo Soul (Foi o Que Foi), se jogam com acerto no R&B da década de 1990 (Só Por Hoje), até imergir no mesmo pop dramático (Diamantes) que abastece com louvor a obra de Beyoncé, Ciara e qualquer outra “diva” da música norte-americana recente. Um olhar atento para o que decide a produção estrangeira, mas que não foge da cena nacional.

Se amor é a palavra de ordem na obra de estreia da rapper, então cada faixa discute essa preferência com visível cuidado e até certa dose de isolamento. Como se representasse frações da imagem feminina, Lívia se converte de forma criativa em distintos personagens, indo da jovem iludida (Ele É Jogador), a mulher traída (Você Se Enganou) até a figura de postura desafiadora (Sei Quem Sou e Mandinga). Entretanto, é preciso observar como nem mesmo o amor e seus diferentes personagens igualam a capacidade da artista em brincar com o sofrimento. Seja pela agressão – física e metafórica -, que impulsiona Não Foi em Vão ou o abandono derramado em Diamantes (com participação do rapper Rashid), a melancolia sempre fala mais alto no disco.

Livia Cruz (por Ivan R. Lacombe) 2

Desenvolvido em cima de versos fortes, ainda que sofredores, Muito Mais Amor entrega ao ouvinte um catálogo denso de faixas marcadas pela saudade e a desilusão. “Com você eu tinha tudo que eu sonhei/ E toda dor que você vai sentir é pouco (…) Tá lembrando do gosto que tem minha boca, né?/ Fica certo que agora é só lembrança” desaba a rapper em Você se Enganou, uma das composições mais fortes do trabalho e canção que melhor identifica a assinatura sorumbática da rapper. Mesmo quando aponta para um lado mais “radiante” e pop da obra, Cruz jamais se distancia da saudade, caso explícito em Foi o que foi (“Eu nunca te esqueci/ e como te esquecer?”) e Imensidão Azul (“Pras minhas dores não existe médico”).

Ainda que a beleza do trabalho se concentre na capacidade da rapper em assumir as próprias confissões e sentimentos em um detalhamento pop das rimas, a presença ativa dos produtores serve como princípio para distanciar o álbum do comum. Do toque jazzístico que preenche Não Foi em Vão e Imensidão Azul, ao tempero de Blaxploitation na faixa título, até alcançar a letargia do R&B em Diamantes, cada espaço do registro é pontuado por marcas específicas da música negra. Décadas de colagens abrigadas em um enquadramento recente. Efeito vivo desse resultado está em Ele É Jogador, composição que resgata o clássico My Conversation – da banda Slim Smith & The Uniques, lançada em 1968 -, e posiciona como princípio para a faixa de encerramento da obra.

De composição pop, Muito Mais Amor quebra a lógica de um registro do gênero ao substituir a plasticidade dos sons por elementos de grandeza e confissão assumida. Ao se transformar na matéria-prima do registro, Lívia apresenta ao ouvinte um trabalho de natureza ilimitada, a ser desvendado com atenção em cada faixa. O “amor” que ilustra a capa e os versos do disco é apenas uma linha guia, um princípio para que a rapper possa discorrer sobre diferentes sentimentos e essências temáticas sem tropeçar no óbvio. Dessa forma, quem insiste em apontar um ouvido para o que acontece lá fora, e tampa o outro para o que reverbera por aqui, talvez deixe passar um dos registros mais honestos e bem explorados que a cena nacional recente tem a oferecer. Ciara, Jessie Ware ou Beyoncé, não importa, Lívia Cruz tem muito mais a oferecer.

 

Muito Mais Amor (2013, Independente)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Karol Conká, Terra Preta e Lurdez da Luz
Ouça: Diamantes, Você se Enganou e Não Foi Em Vão

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.