Disco: “Nacional”, Transmissor

/ Por: Cleber Facchi 23/11/2011

Transmissor
Brazilian/Indie/Alternative
http://www.myspace.com/transmissor

Por: Cleber Facchi

 

Em tempos de revoluções musicais, fórmulas cada vez mais rebuscadas e experimentos acústicos que busquem arrancar as bandas de uma musicalidade convencional, não são poucos os artistas que acabam esquecendo um elemento necessário para a boa condução de qualquer registro, seja ele de grande ou pequeno porte: a honestidade.  Referência cada vez mais rara em boa parte dos lançamentos musicais (não apenas os nacionais), a honestidade parece ter fugido e encontrado como seu único abrigo o simplista (e também grandioso) Nacional (2011, Independente), segunda aventura musical da banda mineira Transmissor e um belo exemplo de como um álbum pode soar esplendido, sem abraçar quaisquer mínimos artifícios.

Delimitado em um espaço exato de 31:04 minutos, o reconfortante trabalho –sucessor do também primoroso Sociedade do Crivo Mútuo, de 2008 – se afasta de qualquer possível estratagema instrumental ou lírica que posicione a banda de Belo Horizonte em um panorama experimental ou minimamente revolucionário. Simples, porém, não banal, o álbum atravessa uma musicalidade tecnicamente limitada e dentro de uma naturalidade temporal própria, elementos que possibilitam o desenvolvimento de letras marcadas pela sinceridade e uma fluidez suave que garante ao grupo um trabalho integro e convincente até o soar dos últimos acordes da obra.

É logo quando ecoam os vocais de Jennifer Souza – com uma voz que imediatamente remete aos vocais de Vanessa Krongold do Ludov – na serena (e melancólica) Sempre, que todas as estratégias e possibilidades exploradas pela banda se fazem presentes e bem explicitadas. Embalada por um conjunto de guitarras abrandadas e versos temperados por um tipo de solidão necessária, a composição se revela como uma espécie de convite para adentrarmos ao universo de entoações macambúzias que caracterizam o disco, um acumulado de sensações dolorosas, mas que em nenhum momento deslancham para um dramalhão típico de alguns artistas contemporâneos.

Musicalmente Nacional é um trabalho envolto em contornos básicos. Por mais que algumas guitarras arranhadas surjam aqui e ali, assovios esporádicos e um xilofone até possibilitem um diferencial e “inovação” ao trabalho, em sua totalidade o registro se sustenta em cima de uma formatação quase convencional. Por mais que grande parte do álbum possa involuntariamente puxar o trabalho dos mineiros para referências que os compare ao Los Hermanos ou outros importantes grupos da década passada, no refúgio instrumental do quinteto as experiências e referências são completamente outras.

Principal marca de que as predisposições do grupo são outras, vem do amontoado de características que imediatamente arrastam a banda para junto dos conterrâneos do Clube da Esquina. Da calmaria voluntária que se estende por toda a obra aos versos carregados de anseio e marcados pelo forte sentimento de despedida, até os diálogos rápidos com a música folk dos anos 70 – algo bem exemplificado no interior de Traz o Sol Pro Meu Lado da Rua – parte fundamental do que garante destaque e beleza ao álbum vem da herança sincera deixada por Milton Nascimento e Lô Borges.

Muito mais sério (e sóbrio) que o primeiro trabalho da banda – formada por Leonardo Marques, Thiago Corrêa, Bruno Santos, Jennifer de Souza e Henrique Matheus – Nacional esbanja uma permanente sensação de unidade e consistência em suas estruturas. Cada uma das dez composições que dão formas ao trabalho parecem estabelecer uma sonoridade e uma linguagem totalmente próxima, mantendo ao longo de todo o álbum um tipo de ligação instrumental e poética que fortalece o trabalho. Dessa forma, é possível observar uma linearidade que conecta o Hoje da canção de encerramento ao Sempre da música de abertura.

Fatiado entre os vocais de Souza e Thiago Corrêa, o álbum se afasta de um possível trabalho marcado por duetos ou pelo diálogo de seus integrantes, afinal, cada composição – não apenas cantada, mas escrita por seus interpretes – surge como um elemento específico do disco, como se um completasse algum tipo de lacuna deixada pelo outro. Dentro desse jogo de complementos é possível observar duas vertentes líricas bem específicas dentro do álbum, sendo a anunciada por Corrêa um conjunto de sons embarcados em um sentimentalismo romântico (e uma musicalidade aprazível) e a proposta por Jennifer esbanjando faixas mais densas, soturnas e existencialistas.

Adulto e dosando controladamente as melodias que caracterizam o disco – evitando um projeto que trafegue excessivamente pelas vias da música pop -, Nacional em sua curta duração (a sensação é de um trabalho bem mais extenso) consegue promover e explorar com propriedade todas as exigências de um bom registro musical. Letras convincentes, uma instrumentação controlada e a forte aproximação que define as composições do álbum acabam por transformar o acumulado de experimentos que habitam o disco em um ponto de convergência único, um projeto que faz da espontaneidade e da consistência de seu material um caminho para um trabalho suficientemente rico e honesto.

Nacional (2011, Independente)

 

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Pullovers, Apanhador Só e Ludov
Ouça: Dessa Vez, Só Se For Domingo e Domingo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.