Disco: “Nave Manha”, Trupe Chá de Boldo

/ Por: Cleber Facchi 11/04/2012

Trupe Chá de Boldo
Brazilian/Alternative/Indie
http://cargocollective.com/trupechadeboldo/

Por: Cleber Facchi

Basta uma simples conversa com qualquer feirante ou algum vendedor de plantas medicinais para entender parte das propriedades e efeitos curativos de um simples chá de boldo no corpo de um indivíduo enfermo. De remédio digestivo à resposta imediata para curar sua ressaca, a amarga bebida ganha distintos sabores e garante novos efeitos quando comandada musicalmente pelo coletivo paulistano Trupe Chá de Boldo, banda que concentra nos mais de 13 integrantes do grupo um universo de nuances variadas, referências, influências e sabores que devem atender aos mais diversos tipos de enfermidades ou carências sentimentais de qualquer pessoa.

Espécie de versão jovial do que coletivos como Orquestra Imperial ou Móveis Coloniais de Acaju construíram em seus trabalhos ao longo dos últimos anos, o enorme grupo dá continuidade ao que fora proposto em 2010 dentro do álbum Bárbaro. Disco de estreia da banda, o registro hoje soa como fruto de um passado distante, quando todos os integrantes do projeto pareciam interessados na produção de um som totalmente festivo, quase carnavalesco e totalmente relacionado com outras propostas e temáticas. Há nesse conjunto de características um parcial oposto do que se manifesta no adulto e recente Nave Manha (2012, Independente), tratado que mantém a boa condução de outrora, porém movimentado por um novo e ainda mais cativante espírito.

A instrumentação versátil – fruto natural do enorme contingente de colaboradores – se mantém de forma grandiosa durante a execução de todo o trabalho, um registro que agora cresce pelas letras maduras e ainda leves do coletivo. Se antes o grupo manifestava um interesse total na construção de faixas ensolaradas, levemente cômicas e movidas pela diversidade de compositores, hoje o resultado é diferente, com a Trupe explorando letras focadas no cotidiano e em pequenas doses de intimidade, uma quebra em relação ao último disco. Tudo ecoa novidade, longe de exageros, claro, mas o suficiente para afastar a banda de qualquer mesmice.

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Apagaram-se as lâmpadas na estação da luz/ Apagaram-se os relógios da Avenida Paulista/ Apagaram-se os sinais e as televisões/ A razão se apagou e todo mundo sentiu”, expande o coro puxado por Gustavo Galo na inaugural No Escuro, faixa que trata sobre o apagão de 2009 que deixou 18 estados sem luz. Em quase cinco minutos de duração a música assume parte do que será encontrado no restante da obra, que ainda passeia pela necessidade de mudança em Belém Berlin (Me leve na sua mala, pra onde quiser/ Me leve na tua bolsa, na necessaire/ Só não se esqueça de mim) e até pequenos toques de amores que não deram certo na amargurada Na Garrafa (Não quero gota/ Eu quero o gosto de te tomar inteiro pra ver se chapa).

Para além da diversidade de componentes e temas que preenchem o disco, Nave Manha soma ainda mais destaque quando observado a partir do adorável e até simples encarte que o acompanha. Longe da construção natural de qualquer material do gênero, as letras parecem formar um pequeno roteiro cinematográfico, com a banda definindo em texto os cenários (“Vemos um palco montado sobre a areia. Em meio a carros com som tunado, cadeiras de plástico vermelhas, garrafas de cerveja estupidamente geladas e uma multidão em trajes de banho, está sua menina e banda”) e até os personagens que participam das letras das canções. A alternativa garante novos significados ao trabalho, indo de novela mexicana a drama cult paulistano.

Gustavo Ruiz, produtor do trabalho (e irmão de Tulipa Ruiz), faz com que toda a diversidade de elementos que compõem o registro se movimentem de maneira coesa, resultando em um diálogo lírico e instrumental convidativo. Além do vasto grupo de componentes que fecham o álbum, André Abujamra, Alzira Espíndola e Tatá Aeroplano aparecem para contribuir, deixando pequenas, porém expressivas marcas dentro do registro, que parece crescer e agregar novos colaboradores – inclusive o próprio ouvinte – a cada nova audição.

Nave Manha (2012, Independente)

Nota: 7.8
Para quem gosta de: Leo Cavalcantti, Orquestra Imperial e Tulipa Ruiz
Ouça: Na Garrafa e No escuro

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.