Disco: “Nunca Te Vi De Boa”, Sexy Fi

/ Por: Cleber Facchi 24/10/2012

Sexy Fi
Brazilian/Indie/Experimental
https://www.facebook.com/sexyfimusic

Por: Cleber Facchi

Nunca Te Vi De Boa (2012, Far Out) é um registro de percursos não óbvios e sonorizações que estão longe do que conduz o rock independente e, ainda mais, o pop brasileiro. Trabalho de estreia da banda brasiliense Sexy Fi – grupo formado por ex-integrantes da extinta Nancy -, o debut concentra em uma curta dezena de composições caminhos tão distintos que por vezes aproximam muito mais o quinteto do que ecoa em solo estrangeiro do que em território nacional. Dispostos a experimentar no sentido mais direto da palavra, a cada faixa que conduz a direção do registro somos apresentados a um universo de renovações, pendendo em diversos momentos para estruturas referenciais e instantes carregados pelo ineditismo, tendo como único princípio a ideia firme de confundir e brincar com a mente do espectador.

Amarrado do principio ao fim pelos vocais de Camila Zamith – que mesmo assim não são capazes de garantir um encaminhamento linear ao trabalho -, basta a ampliada tríade de abertura para ter uma pequena noção do que define todo o restante do registro. Enquanto a inaugural Pequeno Dicionário das Ruas tenta de alguma forma situar a banda (e o público) musicalmente, investindo em um rock alternativo climático e até pop em alguns instantes, a doce Plano: Pilotis puxa o álbum para outro mundo. Levemente etérea, a canção abraça os entalhes do pós-rock, percorrendo tanto a sutileza do Mogwai do álbum Young Team (1997) como as definições jazzísticas do Tortoise. Resta à Roriz um toque de noise (iniciado ao final da faixa que a precede) bem como uma fluência matemática que muito lembra o primeiro disco do Foals.

Dentro dessa pequena soma de inúmeros fatores se sustenta toda a extensão do trabalho, um registro que brinca com a experimentação sem jamais esquecer o público não iniciado nesse segmento. É como se a banda em diversos momentos mergulhasse no mesmo oceano lisérgico e experimental frequentado por veteranos como Hurtmold ou bandas novatas como Dorgas, sem jamais se afogar, mantendo um contato frequente com a superfície. A medida possibilita que o grupo se esquive sem grandes dificuldades daquilo que por vezes marca de forma redundante a cena tupiniquim, ao mesmo tempo em que se mantém próxima do público médio, proporcionando inventividade sem exageros. O bom desempenho do álbum torna clara a presença de John McEntire (membro do Tortoise e The Sea and Cake), que produziu e masterizou o disco da primeira à última faixa como se fosse um registro próprio.

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Em se tratando dos vocais (e do instrumental em diversos pontos), Nunca Te Vi De Boa remete de maneira inevitável ao que os nova-iorquinos do Dirty Projectors vêm desenvolvendo desde o final da década passada.  É como se o grupo brasilense percorresse a mesma formatação não convencional que define trabalhos como Rise Above (2007) e Bitte Orca (2009), utilizando das vozes de Zamith de forma muito próxima do que fundamenta os vocais de Amber Coffman, não como um complemento, mas um “instrumento” guia. Um acréscimo necessário e que conduz grande parte do disco – proposta bem exemplificada na canção de encerramento Togetherness ou ainda em meio aos batuques jazzísticos de Loro On Loro – sem dificuldades.

Dentro dessa estrutura intencional de forte valorização dos sons e das vozes, não são poucos os momentos em que as letras se transformam em mantras ou bases instrumentais complementares ao restante do disco. Logo na abertura do trabalho com o refrão confuso de Pequeno Dicionário das Ruas essa arquitetura se torna nítida, com a cantora dançando de acordo com os instrumentos ou talvez fazendo com que as guitarras, teclados e batidas dancem de acordo com sua voz. Uma constante invasão suave que lentamente parece se apoderar de nossos ouvidos.

Com um pé firme em Chicago e outro em Brasília (como as letras repletas de menções ao cenário local logo identificam), o registro funciona do princípio ao fim dentro desse panorama de desajustes, pessoais, regionais, linguísticos e sonoros. Uma mistura que corrompe todos os limites do quinteto (e do ouvinte) de maneira levemente insana. Afinal, como a própria banda assume no decorrer da faixa Looking Asa Sul, Feeling Asa Norte, “Ninguém é normal (não) sem medicação”, logo, se perder (intencionalmente) ao longo do disco é apenas um começo para um universo de descobertas que não sessam em nenhum momento.

Nunca Te Vi De Boa (2012, Far Out)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Dorgas, Jennifer Lo-Fi e Dirty Projectors
Ouça: Loro On Loro, Pequeno Dicionário das Ruas e Plano: Pilotis

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.