Disco: “OQuadro”, OQuadro

/ Por: Cleber Facchi 30/05/2012

OQuadro
Brazilian/Hip-Hop/Dub
http://soundcloud.com/oquadro

Por: Cleber Facchi

Mesmo que o fim das atividades do Planet Hemp há mais de uma década sepultasse de vez um dos maiores e mais influentes coletivos de hip-hop que a cena tupiniquim gerou, a sequência de registros solos vindos dos dissidentes do grupo carioca acabaram por suprir essa lacuna. Se Marcelo D2 brincou com o rap e o samba de maneira comercial, resultando em um dos maiores discos da década passada – A Procura da Batida Perfeita, 2003 -, BNegão e Black Alien trataram de experimentar. Enquanto o primeiro aprimorou a conexão com o dub, hardcore, jazz e rock, o segundo tratou de mergulhar no reggae, trazendo com essa mistura dois dos mais influentes registros do rap nacional, respectivamente Enxugando Gelo (2003) e Babylon By Gus Volume 1 – O Ano do Macaco (2005).

Com um potencial talvez imperceptível na época do lançamento, ambos os álbuns reverberam ainda hoje em uma sequência de trabalhos, registros que talvez de forma involuntária acabam trazendo um pouco da herança e dos ensinamentos sonoros e líricos testados pela dupla no começo da década passada. Exemplo recente dessa forma não convencional de explorar e misturar o rap está no álbum de estreia da banda da cidade de Ilhéus, Bahia Oquadro, que além de passear pelas mesmas influências que caracterizaram a estreia solo de BNegão e Black Alien, mergulham em um novo e ainda inexplorado universo de musicalidades brasileiras, estrangeiras e universais. Tendências que se modificam infinitamente nas mãos do septeto.

Autointitulado, o disco concentra uma mistura que navega de forma tranquila e delicada pelo reggae, se apega aos elementos da cultura africana, vai de encontro a suavidade do dub até descer nas vias do jazz, samba, rock e diversas outras “facções” da música.”Escuta a Música das Músicas/ Não enrusta a sua essência/ Não vista a carapuça, que cobre que cega, que expulsa/ boas intenções vem de nossos corações”, canta o grupo durante a execução da faixa Música das Músicas, canção que não apenas incorpora boa parte dos elementos distintos e experiências que definem o álbum, como acaba funcionando como uma espécie de manifesto, um denso texto que caracteriza boa parte do que se movimenta com o passar das faixas.

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=pMA1xljgXLU?rol=0]

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=o-Dq1s3NbYg?rol=0]

Vindos da mesma Bahia que trouxe Gil e Caetano, o grupo parece assumir uma posição isolada dentro do atual cenário que se manifesta por lá. Totalmente distantes de qualquer aproximação com o Axé Music ou de quaisquer outras fórmulas carnavalescas que delimitem a sonoridade da região, a banda parece criar um espaço musical próprio, adepto de experimentações e referências incompatíveis com qualquer sonoridade ou ritmo que pareça naturalmente relacionada ao panorama local. Da suingue esbanjado na faixa Balançuquadro, passando pelo toque marcante de Planeta Diário até os ritmos africanos mesclados com o funk em O Soco, tudo se locomove dentro de uma fórmula própria, ao seu próprio tempo e de forma sempre detalhada.

Por vezes, a conexão instrumental com as influências emanadas em continente africano faz com que o coletivo se aproxime do que fora testado pelos paulistanos do Bixiga 70 no último ano. Em Sapoca Uma de Cem, uma das duas canções inteiramente instrumentais do álbum, esse caráter não apenas se torna evidente como parece estabelecer uma rica conexão entre as duas bandas. É como se a ausência de versos que percorre o registro de estreia do grupo paulistano fosse aqui ocupada por uma pluralidade de letras marcadas pelo conteúdo político, críticas sociais, versos ácidos e peculiares retratos do cotidano. Uma somatória de textos que vez ou outra encontram os vocais de Lurdez da Luz (Seja Bem Vindo ao Meu Lar) ou ainda os teclados essenciais de Guilherme Arantes (Planeta Diário).

Feito duas âncoras no oceano turbulento de referências que definem o disco, Buguinha Dub e Gustavo Lenza surgem como figuras necessárias para impedir que o álbum se perca em excessos e possíveis exageros. Enquanto o primeiro assume a produção e mixagem da obra (derramando suas predisposições relacionadas ao dub), o segundo se ocupa da masterização do trabalho, tornando límpidas cada uma das faixas do álbum. A presença da dupla, garante ainda que a o coletivo passe longe de apenas soar como uma influenciada trupe de artistas, deixando de lado as referências e influências prévias para gerar novidade e, por fim, material suficiente para inspirar as futuras gerações.

OQuadro (2012, Independente)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: BNegão e os Seltores de Frequências,
Ouça: Evolui (Bem Aventurados) e Planeta Diário

[soundcloud url=”http://api.soundcloud.com/playlists/2021375″ height=”200″ iframe=”true” /]

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.