Disco: “Pantim”, Lulina

/ Por: Cleber Facchi 16/09/2013

Lulina
Brazilian/Indie/Female Vocalists
http://www.lulina.com.br/

Por: Cleber Facchi

Lulina

Lulina é um dos personagens mais curiosos da música brasileira recente. Dona de um catálogo grandioso de obras caseiras – são pelo menos nove discos que se acumulam desde a década passada -, a cantora pernambucana trouxe na lírica pueril e no esforço adocicado dos arranjos o princípio para uma das obras mais delicadas do cenário independente. Álbuns como Cochilândia (2002) e Bolhas na Pleura (2005) que praticamente serviram de base para o “debutCristalina, de 2009. Brincando com um repertório doce e carregado pelas referências, a cantora alcança o segundo registro oficial em um sentido de oposição a tudo o que conquistou previamente. Sóbrio, Pantim (2013, YB) é a manifestação de uma anti-Lulina em relação a própria obra.

O que antes era abastecido por histórias cotidianas, menções a Bruce Lee e Jerry Lewis, ou simples bolhas na pleura, hoje parece confortado em um ambiente sombreado, tímido e de efeito melancólico. Se até Cristalina a cantora se apresentava em um cenário de sonhos e cores joviais, hoje, aos 34 anos, Lulina assume o peso da maturidade, abraçando as cores cinzas de São Paulo em um efeito nada próximo do que carregava até poucos anos na cômica Balada do Paulista. A cantora, ainda é a mesma dos trabalhos anteriores, mas talvez enxergue o mundo de forma diferente.

Posicionada de forma coesa na abertura do disco, Bombom Rechado representa com precisão tudo o que caracteriza a presente fase da artista. “Lá vai a gente tentando se fazer maior/ É o plano de uma vida inteira (dá até dó) / Não aceitar que você só está aqui para se acabar”, canta a artista de forma desesperançosa em uma clara tentativa em sobrepor o universo sonhador, exposto até poucos anos. Amarga, a canção é apenas um princípio para o que sustenta de forma acinzentadas músicas como Respeite (A Placa), Buraco e Lua Vazia, composições que em nenhum momento esbarram no território místico da fantasiosa Lulilândia, espécie de reino mágico dominado pelas antigas emoções e histórias da artista.

Ainda que os projetos anteriores representem com beleza aspectos particulares da cantora – algo claro em Meu Príncipe, Sangue de ET e qualquer faixa tratada até o último ano -, hoje, a artista volta a encarar esse mesmo efeito poético, porém sobre outro aspecto temático. Menos centrado no ambiente mágico que parecia crescer na cabeça da pernambucana, Pantim é uma obra descritiva, como se Lulina entregasse ao público tudo aquilo que há de mais desmotivador e triste na vida adulta. “Nunca houve festa / Eu me enganei“, proclama ela na amarga composição que concede título ao álbum. Lulina não ri, não faz piadas, não inventa cenários e nem histórias fantásticas, apenas descreve e antecipa uma série de pequenas frustrações sobre a vida a adulta com o novo disco.

Mesmo quando resolve explorar faixas já conhecidas do público – caso de Imperador Buccini, Areia e Faxina do Juízo, canções resgatadas dos antigos trabalhos -, a cantora está longe de reviver sentimentos. Tudo transpira abandono, solidão e certa dose de serenidade pontuada pelo ineditismo, como se mesmo cercada pela sombra, a artista fosse capaz de manter um toque considerável de expectativa. O efeito obscuro das canções orienta de forma natural a proposta sonora do registro, como se a cantora afundasse lentamente em guitarras e teclados conduzidos pela dor. Sobram passagens pela música brega (Amizades) e uma curiosa tentativa de sufocar a simplicidade do passado, dando lugar a arranjos amplos e bem conduzidos, como o resultado exposto em Buraco.

Expressão típica do nordeste brasileiro, Pantim tem como significado “chamar a atenção”, “espernear” e “choramingar”, título mais do que justo para uma obra que traz em cada composição um toque firme de frustração, efeito que que carece ser anunciado. Amarga ou apenas ciente da realidade – como a faixa-título bem representa -, Lulina faz do novo álbum um conselho, uma quase resposta para a jovem sorridente que carregava o mesmo nome até bem pouco tempo. Não há cor, nem brilho, tampouco uma continuação de Cristalina, Pantim é um verdadeiro balde de água fria, um conjunto sóbrio de versos capazes de, em poucos segundos, despertar o ouvinte para a realidade.

 

Lulina

Pantim (2013, YB)

Nota: 7.8
Para quem gosta de: Nana, Hidrocor e Bárbara Eugênia
Ouça: Bombom recheado, Areia e Pantim

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.