Disco: “Passagem Secreta”, Pierrot Lunar

/ Por: Cleber Facchi 27/11/2013

Pierrot Lunar
Brazilian/Indie/Post-Punk
http://pierrotpassagem.bandcamp.com/

Por: Cleber Facchi
Fotos: Aferidor de Vuelos

Pierrot Lunar

Não existe um ponto específico de atuação dentro da obra da brasiliense Pierrot Lunar. Do samba de Cartola ao Pós-Punk de grupos como The Fall, cada composição que define o macambuzio Passagem Secreta (2013, Independente), álbum de estreia da banda, parece apostar de forma declarada em uma direção distinta – tanto lírica como instrumental. Contudo, o que poderia se transformar em um mosaico torto de referências, aos poucos se encaminha com identidade dentro do jogo de texturas acinzentadas que definem a delicada obra. Uma coleção de essências e reformulações que até carregam o perfume do passado, mas dançam em um palco de grandes novidades ao alcançar o presente.

Livre de possíveis aproximações com o grande público e construído em meio a blocos específicos de sons, o trabalho de 13 faixas assume na confusão abrandada dos elementos um princípio de grandeza. Vozes que caminham em oposição aos sons, guitarras que se desarticulam dos versos ou mesmo letras entregues ao descompasso. Não há ordem no ambiente sombrio promovido pelo quarteto – Gustavo T, Bruno Rocha, Mateus Baeta e Bruno Sres. Uma estrutura inexata que arremessa o ouvinte (com sutileza) para findos da década de 1970 e instantes específicos do presente, como se tempo e estabilidade jamais existissem.

Se em poucos instantes o samba urbano (Três ou quatro) define a essência do registro, em segundos o detalhamento tímido do Pós-Rock (Rumo à tempestade de neve) ocupa a estética do álbum. Na contramão de outros projetos locais, a estreia da Pierrot Lunar é uma obra de assumido experimento e antecipação, como se cada faixa detalhada ao longo do registro fosse a garantia de um futuro ainda mais instável para a banda. A proposta mutável, entretanto, de forma alguma parece tratada de forma desconexa no decorrer da obra. Um tratamento que encontra na aproximação soturna dos ritmos um ponto de concisão e natural resposta ao que veteranos como Fellini e demais nomes de peso do pós-punk conquistaram em solo tupiniquim.

Pierrot Lunar

Por falar na obra do grupo paulistano, muito do que caracteriza a essência do quarteto brasiliense vem de álbuns como 3 Lugares Diferentes (1987) e Amor Louco (1989). A aproximação com a banda de Cadão Volpato não está apenas no manuseio sóbrio dos instrumentos, expressivo em toda a construção da obra, mas, principalmente, na forma como os versos passeiam sublimes pelo trabalho. São canções de fluência descritiva (Terrencial), trechos de assumida dramaticidade (Bar Esperança) ou mesmo faixas que abraçam a melancolia de forma sincera (Cartola). Como um indivíduo que caminha pela noite, observando de forma atenta as diferentes “paisagens”, Passagem Secreta é um registro de histórias e personagens interpretados a partir de um único ser – sempre amargo e solitário.

Mesmo que a cadência embriagada dos instrumentos e vozes resumam o disco em um agregado denso de preferências noturnas, a composição específica dos arranjos estimula instantes de “explosão”. É o caso de Mais e melhores, canção que rompe que o fluxo essencialmente climático da parte inicial da obra, ou mesmo Torrencial, música que assume no jogo das vozes e guitarras um ponto de ruptura na já fragmentada segunda metade do disco. Contudo, a leveza involuntariamente prevalece, fazendo nascer músicas como Depois e Granada, faixas que mais parecem uma tradução doce daquilo que o britânico Mark E. Smith acumula de forma caótica há mais de três décadas.

Impossível de ser absorvido em uma primeira audição, o registro faz valer (sem grandes dificuldades) o título que carrega. Como uma passagem secreta para um ambiente de pequenas mutações sombrias, o álbum cresce e se sustenta em cima de preferências específicas, barrando a chegada do espectador e sobrevivendo da própria essência. Todavia, o caráter excludente da obra, longe de um possível senso de distanciamento, curiosamente parece atrair o ouvinte, como se o hermetismo dos arranjos e versos fosse a chave para ser hipnotizado pela ainda tímida, mas já proeminente estética da banda.

 

Pierrot Lunar

Passagem Secreta (2013, Independente)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Jair Naves, Fábrica e Fellini
Ouça: Torrencial, Mais e Melhores e Depois

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.