Disco: “Pequenas Margaridas”, Nana

/ Por: Cleber Facchi 12/08/2013

Nana
Brazilian/Indie Pop/Female Vocalists
http://www.pequenasmargaridas.com/

 

Por: Cleber Facchi

Uma overdose de sentimentos, confissões e sonhos açucarados temperam o universo colorido de Nana em Pequenas Margaridas (2013, Independente). Brincando com o pop sem necessariamente fazer disso uma morada para sons plásticos ou possivelmente descartáveis, a cantora e compositora baiana assume com o primeiro registro em estúdio um misto constante de conforto e declaração. Como se deixasse à mostra uma brecha desse cenário marcado pela delicadeza, a artista faz de cada música um passo seguro, cobrindo com vozes e sons adocicados a construção de uma obra marcada de forma visível pelo detalhe.

Com o título inspirado no filme homônimo da diretora checa Vera Chytilová, o presente trabalho é uma representação particular do universo referencial e cotidiano de Nana. São canções que se esparramam por cenários coloridos (Montanha Russa), temáticas caseiras (Manhã), declarações de amor (Benjamim) e recortes específicos que parecem funcionar dentro da mente da cantora (Expressionismo Alemão). Faixas delimitadas pela particularidade natural dos versos, mas que de forma encantadora se aproximam do ouvinte. É como se a artista se convertesse em personagem, matéria-prima voluntária para o trabalho, e consequentemente um objeto temático a ser desvendado pelo ouvinte.

Dentro desse jogo de emoções e sussurros líricos, Nana pinta um quadro convincente de histórias a serem administradas em doses pela obra. Representação nacional da gama de sons e versos que há anos acompanham bandas como Camera Obscura e Belle and Sebastian, Pequenas Margaridas falsifica na sutileza doce dos arranjos um trabalho marcado pelo fundo melancólico. Embora rodeada por sintetizadores e guitarras em um esforço caleidoscópico, cada música no registro cresce em um plano de fundo cinza, como se o teor açucarado dos arranjos fosse apenas uma tentativa de disfarçar o sofrimento amargo que cresce por entre as canções. Assim como as personagens de Chytilová, Nana parece descontente com o próprio mundo, fazendo do álbum uma espécie de refúgio.

Nana

Gravado em totalidade no quarto da própria artista, o disco ultrapassa sem dificuldade os limites artesanais que o definem para se converter em uma obra que força de maneira natural a atenção do ouvinte. Longe de surgir como um registro despretensioso, o álbum possibilita o crescimento seguro de um jogo de sons e instrumentos inteligentes em cada faixa, principalmente as guitarras. Seja no sambinha ensolarado de I Can’t Fall In Love ou no Dream Pop colorido de Aniversário, cada música floresce em uma nuvem de ritmos posicionados de maneira precisa. São bases ruidosas de distorção que se contrapõe aos efeitos tímidos dos vocais, sintetizadores climáticos (como os de Montanha Russa) ou mesmo um jogo de colagens sonoras que praticamente afogam a cantora – vide a estrutura de Emmanuelle. Trata-se de um exemplar óbvio da música pop, mas que consegue ir muito além desse único propósito.

Assumindo um percurso isolado dentro do que determina a estética de Tulipa Ruiz, Céu e outras grandes vozes da cena nacional, Nana converte o trabalho em um exercício criativo de esforço autoral, homogêneo. Mesmo que Luis Calil (Cambriana), apareça para finalizar as rachaduras do álbum, cada acerto instrumental se relaciona de forma precisa com os versos entregues pela cantora, um comprometimento que repete a boa forma de nomes como Lulina, mas que cresce em originalidade durante a execução de Pequenas Margaridas. O universo lírico-musical de Nana pode até ser um derivado de informações plurais, mas que assumem uma formatação singular passado o filtro da artista.

Longe de impor regras ou ressaltar limites específicos, Nana utiliza do trabalho como um campo aberto ao experimento – seja ele musical ou poético. Por mais acolhedores que sejam os sons impostos ao trabalho, tudo parece fluir em um cenário de pequenas incertezas, uma representação açucarada do universo autoral da cantora e ao mesmo tempo uma ponte para o que a baiana pode vir a apresentar futuramente. A julgar pelo tratamento cuidadoso dado ao disco, Pequenas Margaridas é apenas uma pequena parte do que parece ser o imenso jardim cultivado por Nana.

Pequenas Margaridas (2013, Independente)

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Lulina, Camera Obscura e Nara Leão
Ouça: Montanha Russa, Aniversário e Pequenas Margaridas

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.