Image
Críticas

Do Amor

: "Piracema "

Ano: 2013

Selo: 2013

Gênero: Indie, Rock

Para quem gosta de: Lucas Santtana, Wado

Ouça: Piracema, Eu Vou Pra Belém

8.8
8.8

Disco: “Piracema”, Do Amor

Ano: 2013

Selo: 2013

Gênero: Indie, Rock

Para quem gosta de: Lucas Santtana, Wado

Ouça: Piracema, Eu Vou Pra Belém

/ Por: Cleber Facchi 24/06/2013

Do Amor

O misto de invento e perversão sempre fez parte da obra do grupo carioca Do Amor. Um olhar para a sonoridade tropical da década de 1970 sem esquecer das emanações ensolaradas da música recente, propósito que motivou toda a construção do autointitulado primeiro disco da banda, trabalho que ao ser lançado em 2010 abriu os olhos e ouvidos do público para a música nortista, uma desenvoltura cômica do samba e todo um rico catálogo de sons nacionais por vezes pouco aproveitados na cena vigente. No meio desse bloco de sons que pareciam brincar com a herança dos Novos Baianos, surgem doses controladas de experimento e provocações, atributos que crescem desmedidos em Piracema (2013, Disco Maravilha), segundo e corajoso registro em estúdio da banda.

Tratado dentro de um regime turbulento de sons e referências ainda mais amplas, ao ter início o presente álbum parece ocupar todas as lacunas deixadas em aberto na construção trabalho passado. Abrem-se as portas para composições volumosas e melancólicas (Ar), canções tingidas de forma criativa por experimentos regionais (Umdum) e um aprofundamento nas referências nacionais que se abrigavam há três anos (Eu Vou Pra Belém). Um misto inevitável de brincar com a essência prévia do grupo sem em nenhum instante se desprender da novidade e da capacidade de provocar o ouvinte. É como se o tratamento dado à estranha Shop Chop, do debut, fosse melhor compreendido, misturado ao carisma suingado de Perdizes e finalmente apresentado na imensidão do novo álbum.

Fruto do encontro e desencontro dos membros da banda – que ao longo dos anos se dividiram em projetos com Caetano Veloso, Los Hermanos e até novos lançamentos, como a parceria entre Marcello Calado e a esposa Nina Becker em Gambito Budapeste (2012) -, o disco firma na irregularidade das faixas sua essência. Contrário ao clima festivo e a propriedade veloz que ocupava o álbum de estreia, Piracema custa a engrenar, afinal, são 18 composições, boa parte delas divididas em versos bilíngues, sons volumosos e uma instrumentação que se permite arrastar – caso de músicas como I’m a Drummer e Ninguém Vai Deixar. Entretanto, longe de um possível resultado penoso, o novo álbum da Do Amor é um disco que acaba hipnotizando o ouvinte, forçado a captar cada nuance ou mínima reformulação sonora que se abriga pelo disco.

Por se tratar de um condensado imenso de referências, o novo álbum percorre décadas de música brasileira dentro de uma interpretação própria da banda. Enquanto Gilberto Gil reverbera em Life Is, a canção título, posicionada no fecho da obra vai de encontro a um novo propósito, um misto inevitável e climático de Djavan com Legião Urbana. Já músicas como Ofusca, Minha Mente e Mindigo, posicionadas na parte inicial do álbum, recuperam aspectos típicos do próprio grupo carioca, lembrando por diversos momentos a sonoridade exposta no eixo final do disco de estreia. Um misto constante de rock, samba e pitadas tropicais de música pop que obrigam o ouvinte a passear pela obra com plena atenção: buscando cada referência que a banda esconde ou revela pelo caminho.

Desprovido do mesmo apego sonoro plástico imposto no álbum de estreia, Piracema pode ser divido em dois grandes blocos de canções. O primeiro vai da faixa de abertura até a nona música, Pé Na Terra, concentrado que revela todo o colorido nacional capaz de movimentar as canções da banda mesmo antes do disco de estreia. A partir de May I Bleed o disco se faz naturalmente torto, quase como um filtro para os novos ouvintes. Talvez seja a extensa duração ou o desarticulado de versos em inglês, mas a sensação é a de que o ouvinte flutua desprovido de chão e direcionamento, com a banda sendo capaz de restabelecer o foco apenas na chegada de Ninguém vai deixar. Aberto ao uso de texturas complementares, o eixo final do trabalho cresce por conta da homogeneidade dos sons, exercício que praticamente costura as quatro últimas faixas como uma só canção.

Mesmo que o título do trabalho seja uma homenagem ao sítio onde foi gravado, Piracema se relaciona naturalmente com beleza metafórica ao exercício árduo dos peixes em subir rio acima em busca da reprodução. De movimentação complexa e tortuosa para quem esperava por uma extensão empolgada e naturalmente solar do disco passado, o segundo álbum do quarteto carioca provoca em totalidade. Trata-se de uma extensão natural do debut apresentado em 2010, porém, é preciso algum esforço, subir as corredeiras impostas pela banda para que ao final seja encontrada uma obra de grandeza ainda maior. O quarteto não garante certezas em nenhum momento, mas sabe muito bem como espalhar as pistas.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.