Disco: “Recanto”, Gal Costa

/ Por: Cleber Facchi 13/12/2011

Gal Costa
Brazilian/Experimental/Electronic
http://www.galcosta.com.br/

 

Por: Cleber Facchi

 

Segundo definem os dicionários, “recanto” fica estabelecido como “um lugar desviado de todas as vistas”, “esconderijo” ou ainda um “canto escuro e recôndito”. É justamente dentro dessas mesmas características que Gal Costa apresenta o mais novo álbum de sua carreira, um projeto que parece se firmar em algum espaço obscuro dentro da discografia da baiana, um ponto isolado e quase inóspito se observado dentro do amplo condensado que sustenta o trabalho da cantora. Menos formal e convencional obra de Costa em décadas, o disco revela um novo mundo de possibilidades, com a artista cercada por um ambiente escuro, recôndito e marcado por referências eletrônicas.

Muito embora se revele como um trabalho inteiramente centrado no nome e na figura de Gal, parte relevante do que garante consistência e fôlego ao álbum vem da figura ativa de Caetano Veloso. Responsável por todos os versos cantados ao longo do disco e assumindo (ao lado do filho Moreno) a produção da obra, Caetano acaba se materializando como o pilar central do registro, fazendo com que a cantora o circunde durante todo o tempo em que o projeto se mantém em execução. Dessa forma, torna-se natural observar o presente álbum (dela) como uma espécie de continuação sintética do que fora exposto pelo músico em 2006, quando este apresentou a crueza e todas suas confissões no clássico .

As ambientações e temáticas que definem o disco, entretanto, acabam o empurrando para dentro de um plano conceitual muito mais próximo do recente Zii e Zie do que do toque rancoroso de . Talvez seja possível ainda ir muito além dentro da obra recente de Caetano, encontrando no toque experimental-eletrônico que acompanha a cantora uma possível conversação com as esquizofrenias instrumentais de Araçá Azul. Independente dos apontamentos, o álbum é em sua quase totalidade a figura de Veloso, mesmo quando os versos para ela compostos e por ela cantados apontam para uma direção totalmente oposta.

A presença do amigo é tamanha dentro do trabalho, que até ao cantar a baiana se concentra em aproximar-se da maneira como o músico expõe seus vocais, algo facilmente identificável em Cara Do Mundo, com os trechos mais alongados de alguns versos ou as limitações marcadas típicas do artista. Mas o álbum também é Gal, e as experiências que se ativam agora não são frutos apenas do presente, mas de uma tentativa musical iniciada há alguns anos, quando a cantora apresentou em idos de 2005 o irregular Hoje.

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Longe das conexões com outras épocas, Costa se evidenciou de maneira renovada, sendo cercada por uma soma de novos compositores, todos vindos da recente safara da música brasileira. Ao lado dela (e do pianista César Camargo Mariano) um grupo de instrumentistas que flutuavam na casa dos 20 anos, músicos que mesmo dentro dos limites da cantora conseguiram proporcionar certo toque de inovação ao registro. Quase um prelúdio – em escala obviamente muito diminuta – do que o parceiro Caetano desenvolveria dali um ano com o “revolucionário” disco de capa púrpura, quando apareceu cercado por uma soma de novos personagens da música brasileira.

Provavelmente o grande acerto dentro de Recanto está no fato de Gal não ter se perdido em meio aos entrelaces sujos de guitarras que acompanham há alguns anos Veloso, encontrando no uso de batidas sintetizadas, programações e ruídos eletrônicos (sempre em moldes minimalistas) o referencial de inovação que ela precisava. Enquanto o parceiro soube como olhar para a cena nova-iorquina do começo dos anos 2000, pintando o trabalho com toques de um indie rock não plástico, aqui o foco é outro, mais especificamente a Inglaterra do novo século e toda a expansão do UK Garage/Dubstep ou quaisquer outros experimentos eletrônicos que por lá foram esbanjados.

Como resultado, Costa se revela em um ambiente marcado pela experimentação, irregular, porém convincente em diversos momentos. Melhor exemplo disso está em Autotune Auterotico, que ironicamente brinca e casa o título da composição com os versos, a instrumentação e os efeitos que acompanham a cantora durante os mais de três minutos da canção. Em Neguinho – com sua letra criticando o consumismo – outro claro acerto, dessa vez com a cantora mergulhada em uma mínima soma de batidas pulsantes e ruídos sintéticos (projetados pelo próprio Caetano) que articulam um dos melhores momentos do disco.

Vêm então os erros, com a forçada Miami Maculele se anunciando como a maior representante disso. Perdida em uma espécie de funk-cult, Gal Costa acaba escorregando de maneira irrecuperável, tanto que para ouvir Segunda, última canção do álbum é preciso certo respiro para se recuperar do pancadão forçado que a cantora propõe. De toda forma, o álbum já vale pela experiência e pelo simples fato de observar um dos grandes ícones da MPB em um formato renovado e não tradicional. Pena que a timidez explícita dos vocais e o excesso de autocontrole da instrumentação que preenchem o disco proíbam o aparecimento de um trabalho ainda maior.

Recanto (2011, Universal)

Nota: 7.0
Para quem gosta de: Caetano Veloso, Maria Bethânia e +2
Ouça: Neguinho e Autotune Autoerótico

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.