Disco: “Saboroso”, Raça

/ Por: Cleber Facchi 30/03/2016

Artista: Raça
Gênero: Alternative, Rock, Post-Hardcore
Acesse: https://soundcloud.com/bandaraca/ 

 

De vozes e arranjos minimalistas, propositadamente restritos, Saboroso (2016, Freak), segundo álbum de estúdio da banda paulistana Raça, sustenta nos detalhes a real beleza de cada composição. Músicas ancoradas em conflitos pessoais, medos e temas cotidianos que se destacam dentro do ambiente urbano, por vezes claustrofóbico, musicalmente incorporado pelo grupo – Popoto Martins Ferreira (voz e guitarra), Thiago Barros (bateria), Novato Calmon (voz e baixo) e Lucas Tamashiro (guitarra).

Como a lancheira escolar que estampa a capa do disco logo indica, Saboroso, diferente do antecessor Deu Branco, de 2014, encontra em versos nostálgicos e histórias de um passado ainda recente um curioso ponto de partida para grande parte das composições. Não se trata de um álbum marcado pela saudade, como reforçou o vocalista Popoto em recente entrevista, mas “memórias de uma fase extremamente instável” de cada integrante da banda.

Quarta faixa do disco, a crescente É pra copiar? sintetiza com naturalidade a sequência de pontes que o grupo levanta em direção ao passado. Entre guitarras fragmentadas e batidas inicialmente contidas, o vocalista despeja uma seleção de versos como “o sinal já bateu”, “só não vá copiar muitas palavras” e “corre, agiliza, eles vão te pegar”. Uma visita voluntária ao universo de pequenos conflitos, personagens e cenas típicas de uma sala de aula durante a infância e adolescência.

Em composições como Dez (“Contei até dez mais de dez vezes /  Não me acalmei”) e Garras (“Não tem erro / Se eles me entendem, por que você não?”), o cenário, antes específico, restrito e real, se transporta para a mente conturbada de um possível “protagonista”. Versos sempre melancólicos, amargos, que refletem o isolamento de qualquer indivíduo, conceito também explorado em Sossego, terceira faixa do disco – “Difícil não é gostar de mim / De você / De Nós / Difícil é sossegar em casa”.

Entre atos contidos e arranjos que acompanham o fluxo arrastado dos versos, Saboroso parece encolher e crescer a cada novo movimento da banda. Respiros e versos semi-declamados que antecedem o refrão catártico, cíclico, alimentando a solução de guitarras que vão do post-hardcore ao mesmo som enevoado de outras bandas locais. Uma estrutura bastante similar ao material apresentado há dois anos em Vigília (2014), estreia da banda paulistana Terno Rei.

Sem pressa, mesmo na curta duração e completa efemeridade de grande parte das faixas – algumas não passam dos dois minutos -, Saboroso espalha guitarras ambientais, vozes, batidas e sintetizadores com plena leveza, ocultando nuances que se revelam com o tempo. Uma espécie de refúgio, capaz de confortar e ao mesmo tempo sufocar o ouvinte, efeito da lírica torta que parece crescer em pequenas doses a cada nova curva do trabalho.

 

Saboroso (2016, Freak)

Nota: 8.3
Para quem gosta de: Terno Rei, Câmera e Gigante Animal
Ouça: Sossego, Dez e Garras

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.