Disco: “Sal Grosso”, Lupe de Lupe

/ Por: Cleber Facchi 30/08/2012

Lupe de Lupe
Brazilian/Indie/Noise Pop
http://www.lupedelupe.com.br/

Por: Cleber Facchi

Havia um misto de raiva e melancolia na maneira como algumas bandas nacionais conduziam seus trabalhos em idos da década passada. Talvez reflexo de uma série de transformações momentâneas que redefiniram culturalmente o período ou simples manifestação passageira de sentimentos pós-adolescentes (como se uma nuvem sorumbática pairasse no ar), grupos como Violins, Ludovic e (em menor escala) Astromato trataram de incorporar em seus respectivos projetos uma carga de referências dolorosas que se estendiam para além dos versos proclamados. Dentro dessa soma de elementos sujos e constatações amargas nasceram alguns dos maiores exemplares da música independente nacional, trabalhos que de uma forma ou outra encontram no registro de estreia da banda mineira Lupe de Lupe uma aprimorada continuação.

Dotado das mesmas exaltações poéticas e principalmente instrumentais que delimitaram obras como Servil (2004), Grandes Infiéis (2006) e Melodias de Uma Falsa Estrela (2001), em Sal Grosso (2012, PopFuzz) o quarteto de Belo Horizonte transforma percepções particulares, confissões e melancolias constantes na matéria prima para um registro doloroso e honesto. Olhando de forma quase assumida para o que fora proclamado em solo nacional há uma década, e ainda assim consciente do que ecoa no cenário independente estrangeiro (de diferentes épocas), a banda transforma o primeiro álbum em um disco tão denso e grandioso que pouco se assemelha ao trabalho de um grupo iniciante.

Formada em 2009, a banda mineira parece ter ocupado os últimos três anos – entre ensaios, gravações em estúdio e shows – de forma a cobrir qualquer mínima “rachadura” ou desajuste que pudesse encaminhar o presente disco para um resultado de formulações instáveis ou minimamente falhas. Donos de um som que bebe do mesmo Noise Pop/Shoegaze que flutua nas produções gaúchas de bandas como Loomer, Medialunas ou Badhoneys, a banda encontra nas emanações Lo-Fi (que em alguns instantes tocam os primeiros discos do Sonic Youth) uma marca de distinção, estabelecendo as bases instrumentais para um álbum intenso e nada superficial. Dentro desse encaixe de distorções ora radiantes, ora sombrias, o quarteto abre espaço para que brilhe o que há de mais instigante no registro: os versos.

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Inteiramente calcado em cima de desajustes sentimentais, lamentos de novos adultos e confissões de natureza romântica, o disco se mantém até a última faixa dentro dessa composição de músicas íntimas e estranhamente próximas do espectador. Partindo dessa variedade de preferências, brotam faixas tomadas pelo tom apaixonado como Às Vezes (“Que guardamos no que um dia eu chamei de meu pavimento/ Pois disseram que era sem vida feito um tipo de cimento/ Então, meu amor por você é concreto”), ao mesmo tempo em que não é difícil encontrar pedaços de amargura no interior de canções como Pequena (Você vai saber que nunca mais vai voltar/ E ainda vai querer o que deixou pra lá) e Alameda das Orquídias (Minhas ilusões/ E fardos mantive/ Minhas alusões/ De fato menti), como se o disco absorvesse todos os tipos de sentimentos – sejam eles bons ou ruins.

Longe de embarcar nos mesmos exageros típicos de um trabalho do gênero – ainda que ser perca constantemente em emanações que beiram o brega -, em Sal Grosso se mantém firme a proposta densa que carrega no título da obra, conquistando um álbum adulto e conciso, mesmo que exagerado em alguns instantes. Parte fundamental do que garante o tom sério e acinzentado ao trabalho está obviamente na porção de camadas ruidosas que lentamente se sobrepõem com o passar do disco. Em Alameda das Orquídeas (que lembra uma versão mais acelerada de Only Shallow do My Bloody Valentine) vê-se bem esse efeito, com o quarteto alcançando um dos momentos mais sóbrios e ainda assim cativantes do disco.

Cantado em bom português, Sal Grosso é um trabalho que mesmo complexo e voltado a um público muito específico estimula a criação de brechas para que uma gama de novos espectadores possam se aproximar. Ao olhar para o passado e ainda assim fluir de maneira próxima do que ecoa no atual cenário independente – é visível a relação com o trabalho de grupos como Wild Nothing e até Deerhunter –, o grupo mineiro lança um disco que brinca com os experimentos da mesma maneira que soa aberto a ouvintes mais “convencionais”. Afirma o dito popular que manter um punhado de sal grosso por perto é a forma mais garantida de afastar o mal olhado e se prevenir dos invejosos, interessante notar que nas mãos da Lupe de Lupe esse mesmo elemento estabelece um efeito inusitado: atraindo os olhos e ouvidos de todos que em alguma medida se aproximam do grupo mineiro.

Sal Grosso (2012, PopFuzz)

Nota: 8.2
Para quem gosta de: Ludovic, Single Parents e Medialunas
Ouça: Às Vezes, Alameda das Orquídeas e Enquanto Pensa no Futuro

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.