Disco: “Selvática”, Karina Buhr

/ Por: Cleber Facchi 06/10/2015

Karina Buhr
Nacional/Rock/Alternative
http://www.karinabuhr.com.br/

Agressiva. Não é necessário ir além da imagem que estampa a capa de Selvática (2015, YB Music) para perceber a força do terceiro álbum de inéditas de Karina Buhr. Com o peito desnudo e um punhal em mãos, a cantora e compositora baiana surge como uma espécie de guerreira, pronta para o combate. Um indicativo eficiente da coletânea de sons raivosos, intimistas, políticos e temas feministas que se estendem do primeiro ao último ato do registro, uma colisão de fórmulas que passeia pelos dois últimos trabalhos da cantora e ainda espanta pela inovação.

Extensão raivosa do mesmo acervo de versos e ruídos detalhado no registro anterior, Longe de Onde (2011), em Selvática, Buhr e o time de instrumentistas formado por Edgard Scandurra (Ira!), Fernando Catatau (Cidadão Instigado), Guilherme Mendonça (Guizado) e Manoel Cordeiro se concentra apenas em bagunçar a interpretação do ouvinte, arremessando em diferentes direções a cada nova faixa do disco. Instantes de serenidade rompidos pelo caos. Vozes e gritos contrastados. Carícias e socos que explodem no movimento brusco das guitarras e versos.

Ainda que a abertura enevoada, sutil, de Dragão pareça indicar um regresso aos temas e conceitos musicalmente ‘leves’ do Comadre Fulozinha, antigo projeto de Buhr, basta um rápido passeio pelos arranjos e versos de Eu Sou Um Monstro para perceber a real força do trabalho. “Hoje eu não quero falar de beleza / Ouvir você me chamar de princesa / Eu sou um monstro“, grita Buhr em um constante duelo com a guitarra de Scandurra, detalhando com acerto a temática feminista que se amplia em faixas como Pic Nic – “Eu também prefiro coisas” -, Esôfago – “Eu não posso te deixar querida minha / Te levarei junto” -, além, claro, do texto de encerramento que marca a faixa-título.

Em Selvática, a força de Karina Buhr não se concentra apenas na produção de versos marcados pelo empoderamento e exaltação à mulher. Basta um rápido passeio por composições como Alcunha de Ladrão ou a punk Cerca de Prédios para perceber a completa versatilidade da compositora, capaz de discutir temas como racismo, crise política, especulação imobiliária, corrupção e criminalidade de forma acessível, íntima do mesmo conceito melódico aprimorado desde a estreia com Eu Menti pra Você (2010).

No restante da obra, a melancolia e sensibilidade de Buhr lentamente vai ganhando espaço. Em uma montagem experimental, jazzística, íntima dos trabalhos do parceiro Guizado, faixas como Conta-Gotas espalham uma delicada base instrumental, tingindo com psicodelia os versos ora entristecidos, ora libertadores da cantora. Evidente desde o primeiro disco, o brega e o cancioneiro nordestino também ganha força no trabalho, crescendo de forma dolorosa no romantismo de Desperdiço-Te-Me ou no jogo de palavras que sustenta Vela e Navalha. Nunca antes um trabalho de Buhr pareceu tão amplo e ainda conciso quanto em Selvática.

Com a capa do álbum recentemente censurada pelo Facebook e versos que dialogam com diferentes aspectos do turbulento cenário político/cultural brasileiro, Selvática sobrevive como um trabalho que se estende para além dos limites e versos de cada canção. Curioso pensar que parte dos conceitos utilizados por Buhr para a construção do trabalho foram compilados da bíblia, textos escritos há mais de dois mil anos, prova de que Selvática não é apenas um disco provocativo, atemporal, mas sim necessário.

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Selvática (2015, YB Music)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Céu, Ava Rocha e Cidadão Instigado
Ouça: Eu Sou Um Monstro, Conta Gotas e Selvática

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.