Disco: “Serviço”, Castello Branco

/ Por: Cleber Facchi 02/10/2013

Castello Branco
Brazilian/Indie/Alternative
http://www.castellobranco.nu/

Por: Cleber Facchi

Castello Branco

Em um sentido de oposição ao que caracterizou a formação do cenário musical na década passada, o coletivo, cada vez mais, abre passagem para o indivíduo. O que antes era proclamado nas invenções de grandes ou pequenos projetos musicais, hoje se concentra no isolamento. Entretanto, mesmo no fragmento e na construção de carreiras solo pontuadas pelo “eu”, nunca antes o senso de colaboração foi aproveitado de forma tão rica quanto hoje. Na contramão do que parecia previsto, o isolamento esbarra na troca de ideias, com o egoísmo, mais uma vez, dando lugar ao grupo, algo que Serviço (2013, Independente), obra que mesmo anunciada pelo nome de Lucas Castello Branco, evidencia em grandeza coletiva o uso dos versos, sons e interferências.

De atmosfera hippie, tanto na concepção dos temas que embalam as letras, como no contorno bucólico das melodias, o debut corta com leveza a relação que Branco levava com a extinta R. Sigma. Se até bem pouco tempo era o fluxo cinza das guitarras que orientavam o trabalho do cantor e demais parceiros de banda, hoje pouco parece ter sobrevivido da mesma essência. O caos deu vida ao silêncio e a cor a empoeirada da metrópole levou o músico para o campo, o que decide de forma natural o teor matutino/bucólico dos versos, arranjos e sentimentos que tingem com tranquilidade a construção da obra. Serviço é, de forma natural, uma obra de isolamento, mas que se abre e recebe com atenção os visitantes.

Enquanto antes eram os velhos parceiros de banda que davam som e movimento ao trabalho do cantor, hoje, um time ainda maior de colaboradores interferem na produção (e nas sensações) que abastecem a obra. Alice Caymmi em As Minhas Mães ou Ana Lomelino em Necessidade, Cícero, Marcela Vale (Mahmundi) e até os antigos colaboradores, Diogo Strausz e Tomás Tróia, cada faixa do trabalho se abre para a entrada de dezenas de vozes, mentes e referências. Mais uma vez, tudo parece girar em torno da melancolia e confissão de seu criador, entretanto, nada que esbarre no ego, espalhando pelo álbum um curioso senso – ou seria energia? – de amor compartilhado.

Por falar no amor, é ele quem orienta cada etapa do presente disco. “Preciso amar atento/ atento pra não ceder por dentro”, entrega o músico logo na abertura do álbum com Crer-Sendo. A canção, de versos e sons naturalmente apontados para cima, estabiliza o sentido para aquilo que Necessidade (“Amar gera propriedade/Daí já não é mais aquele amor…”), Tem Mais Que Eu (“Que se fosse assim amor daria em pé de árvore”) e demais faixas espalhadas pela obra reforçam em doses de confissão e carinho. Saudade, tristeza, descrença e medo, mesmo nos instantes mais sombrios da obra, o amor – livre, próprio ou partilhado – do cantor abafa todos esses sentimentos, fazendo com que o disco cresça em uma atmosfera de esperança, um princípio natural para a chegada de cada nova canção.

Buscando desviar das redundâncias que há tempos sufocam a (nova) MPB, Castello Branco e o time de convidados se armam de todos os clichês do gênero, porém, encontrando em pequenos brechas a base para a transformação, ou quem sabe, regresso autêntico ao mesmo cenário de veteranos. Dentro desse entendimento, é possível esbarrar em uma série de conceitos muito próximos do Clube da Esquina (As Minhas Mães), Gonzaguinha (Guerreiros) e Novos Baianos (Tem Mais Que Eu), sem necessariamente encontrar nisso uma cópia mal aproveitada de velhas heranças. A própria estética colaborativa que deu vida ao clássico Acabou Chorare (1972) parece reaproveitada em diversos momentos do disco, como se o mesmo efeito de comunidade proposto há quatro décadas fosse mais uma vez resgatado.

Dentro desse compartilhamento de ideias, é curioso observar como os sons guiam de forma curvilínea o desenvolvimento da obra. Do afoxé que se espalha em Necessidade ao folk atmosférico de Entreaberta, do cancioneiro em Acautelar aos ritmos tropicais em Tem Mais Que Eu, cada faixa distancia com dinamismo qualquer mínima aproximação do músico com a obra da R. Sigma. O mais interessante é perceber como nada disso parece encarado de forma intencional ou forçada, mas como um resultado da constante passagem de diversas mentes pela obra. Lucas é apenas um catalizador de todas essas tendências, um alguém escolhido para entregar essa coleção de traços musicais tão díspares.

Construída para ouvidos atentos, a obra esconde em cada composição uma avalanche de detalhes a serem desvendados. São as vocalizações em coro de Crer-Sendo, a percussão diversa de Céu da Boca ou mesmo os arranjos próximos do pop em Kdq, canções que alternam entre instantes de sobriedade branda e argumentos épicos, a explorar os vocais do cantor com exaustão. Particular, Serviço pode até ser anunciada como a estreia solo de Castello Branco, mas basta um passeio pelas colagens, interferências e até na sonoridade que anseia pelo canto do ouvinte para perceber que se trata de um registro maior. Uma obra que que até pertence ao cantor e carrega seu nome, mas se faz tão dele, quanto do público, como de quem mais vier a se anunciar.

Castello Branco

Serviço (2013, Independente)

Nota: 8.7
Para quem gosta de: Alice Caymmi, Transmissor e Cícero
Ouça: Nacessidade, Crer-Sendo e Kdq

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.