Disclosure
British/Electronic/Garage
http://disclosureofficial.com/
Por: Cleber Facchi
A nostalgia é parte inevitável no que alimenta o trabalho dos irmãos Guy e Howard Lawrence com o Disclosure. Nascidos no começo da década de 1990, os dois irmãos e parceiros de produção podem não ter vivido a ascendência da cena House – inglesa e norte-americana -, ou talvez fossem muito novos para compreender as maquinações do Garage UK no começo dos anos 2000, porém, tão logo Settle (2013, PMR), primeiro registro da dupla tem início, é como se física ou conceitualmente eles estivessem lá. Um curioso efeito de nostalgia não vivenciada que assume efeitos claros, transformando cada instante do delicadamente construído primeiro disco da dupla em um catálogo de sons para os não iniciados.
A julgar pela maneira como os samples de vozes se trançam em meio a batidas no decorrer de When a Fire Starts to Burn, logo na abertura do disco, todo um cardápio de essências são apresentadas em doses imoderadas pelo álbum. É como se The Chemical Brothers se encontrasse com Aphex Twin, enquanto Daft Punk compartilha experiências com Burial e Joy Orbinson em uma festa de música pop. Referências talvez desconexas, impróprias dentro do contexto de cada artista, porém cuidadosamente exploradas e encaixadas em um mesmo universo na precisão do registro. Os irmãos Lawrence estão naturalmente inclinados a fazer o ouvinte dançar, não importando os rumos e riscos para que isso aconteça.
Embora pareça contraditório dentro dos preceitos e orientações específicas dos diferentes gêneros que recheiam a obra, o que aproxima cada colagem de forma não conflitante pelo trabalho é a orquestração não submissa do pop. Presença constante em todo o álbum, o estilo se dissolve amigavelmente nos vocais hipnóticos de Aluna Francis (AlunaGeorge) em White Noise, brinca com o erotismo na extensão de January (com Jamie Woon) e até apela aos exageros do R&B em músicas como You & Me e Confess to Me. Settle é de maneira bem simples um registro de natureza pop, mas que sabe como vestir de eletrônica.
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Desprovido do hermetismo natural que ocupa qualquer registro do gênero, cada faixa dissolvida pela obra assume um encaminhamento específico. Não existem retas ou possíveis regularidades sonoras pelo disco, efeito que naturalmente amplia o território e as dimensões em torno da estreia do Disclosure. Enquanto Stimulation, por exemplo, poderia facilmente ecoar em qualquer pista da década de 1990, Latch (parceria com Sam Smith) se apega ao presente, fluindo como um encontro não conflitante entre as vozes que circulam pela obra de Calvin Harris ou talvez uma versão melhor elaborada do que Jamie Lidell não conseguiu com o último disco. É a partir desse ponto que a mutabilidade do trabalho se concretiza, como se a dupla garimpasse o que há de mais assertivo em tudo o que foi construído nas últimas três décadas de eletrônica.
Fechado dentro de um time acertado de colaboradores, Settle busca revelar em oito das 13 faixas do registro parte do que ecoa na música britânica atual. Uma extensão naturalmente ampliada daquilo que SBTRKT estou há dois anos com o primeiro disco, mas que funciona com novidade dentro da proposta da dupla. Mais do que emprestar os próprios vocais, a presença de Eliza Doolittle, Jessie Ware, entre outros artistas recentes serve para mesclar referências externas com a proposta particular da dupla. Dessa forma, não é difícil esbarrar na dramaticidade do London Grammar em Help Me Lose My Mind ou no preciosismo pop de Sam Smith na construção de Latch. Pilhas e pilhas de colagens sonoras – antigas e recentes – escolhidas a dedo.
Por mais que a variedade de percursos seja óbvia e necessária ao crescimento da obra, em nenhum momento os irmãos Lawrence fogem de uma imposta relação instrumental com o Future Garage. Os limites, entretanto, permanecem amplos, o que naturalmente transforma Settle no mais rico e comercialmente acessível catálogo para as pistas de 2013 – feito que dificilmente deve ser superado. Não é preciso esforço para perceber que pouco é exposto como novidade pela obra, entretanto, ao resgatar elementos esquecidos da eletrônica ou mesmo garantindo direcionamento àquilo que por vezes é visto com desgaste, a dupla supre as redundâncias, finaliza um disco criativo e inevitavelmente convida o ouvinte para dançar.
Settle (2013, Island)
Nota: 8.5
Para quem gosta de: AlunaGeorge, Sepalcure e SBTRKT
Ouça: White Noise, You & Me e When A Fire Starts To Burn
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Um dos melhores discos de 2013. Nostalgia sonora!
deveria ter ganhado no mínimo um 9. um dos melhores álbuns do ano <3
Muito bom, não paro de escutar.
Ao ouvir algumas faixas do cd , já automaticamente você é jogado numa nostalgia noventista .Disco muito bom , e que me impressionou bastante , pelo motivo de dois jovens incorporarem vários elementos de uma ótima época da música eletrônica .
Dance Music For The Masses
Não é propriamente uma revolução. Acontece que, de tempos em tempos, aparece alguém com um balão de oxigênio pra entubar na fuça de um gênero que anda apanhando mais que mulher de malandro: a dance music. Maltratada de todas as formas ultimamente e elevada à palhaçada EDM, a pior música de pista que se houve hoje em dia é a que está mais perto de você. No rádio, na TV, nos números acima de seis dígitos do Youtube, no festival patrocinado pela cerveja, na boate com ingressos à preço de derrubar todo o primeiro escalão do Ministério da Fazenda.
Calhou desse Messias vir como uma dupla: dois moleques ingleses que tem a palavra TALENTO estampada em caixa alta nas camisetas… e eles tem a manha. Tão novos e já sabem como o jogo é jogado: um single número dois e um álbum de estreia no topo da parada britânica não vão ser suficientes pra estragar esses guris. Porque eles tem a exata noção de que não há revolução (ou qualquer coisa que o valha) dando zero no Ibope. O que faz a diferença é que com Settle, o Disclosure entra pro seleto clube de artistas que sabem a hora certa de arriscar, de não deixar o impulso tentador de procurar as soluções mais corriqueiras pra tentar fazer sua música subir mais alto tomar conta dos dedos na hora de girar os botões da mesa de som, como no single “White Noise”: os vocais infantilóides de Aluna Francis (do duo AlunaGeorge) aparecem mantidos à rédea curta pela base de ruído melódico criada pelos irmãos Lawrence.
Settle tem dois lados bem distintos. Um, é ótimo. O outro, espetacular. São muitas ideias boas fluindo em 14 faixas (e a edição de luxo tem mais quatro extras), como a que transforma uma palestra motivacional do ex-jogador de futebol americano Eric Thomas em vocais para a house matadora “When A Fire Starts To Burn” ou a que chama a cantora pop Eliza Doolittle pra quebradeira do future garage na sensacional “You & Me”. O Disclosure experimenta e se dá bem com a deep house em “Boiling”, sustentando os vocais carregados de reverb de Sinead Harnett com uma linha de baixo emborrachada e sintetizadores ambient, explora com dedicação cada batida no espetáculo percussivo de “Tenderly”, atualiza o soul para as pistas 2013 com a voz incrível de Sam Smith em “Latch” e transforma o hi-hat no elemento mais importante da bateria em “Defeated No More”, “Voices” e “Help Me Lose My Mind” (essa com os vocais sentimentais de Hannah Reid, do London Grammar – outra banda que vale ficar de olho).
Foi por pouco, mas felizmente – pra quem acha que um debut irretocável pode fazer a soberba ou a preguiça aparecer – esse não é um álbum perfeito. O que elimina a possibilidade do dez são apenas duas escorregadas: a fraca “Stimulation”, com samples da cantora folk Lianne La Havas sendo jogados por cima de um instrumental abaixo do padrão do resto do álbum e a repetitiva e ligeiramente irritante “Grab Her!”. No final das contas, o saldo é altamente positivo. Tanto que eu acho muito, muito difícil alguém aparecer este ano com algo tão divertido, esperto e dançante quanto a música que o Disclosure oferece em Settle. E espero que São James Brown não deixe esses garotos caírem na tentação que o mainstream (que se abriu como uma flor para a dupla) oferece.