Críticas

Grizzly Bear

: "Shields "

Ano: 2012

Selo: Warp

Gênero: Experimental, Indie

Para quem gosta de: Fleet Foxes, Arcade Fire

Ouça: Speak In Rounds, Yet Again

9.2
9.2

Disco: “Shields”, Grizzly Bear

Ano: 2012

Selo: Warp

Gênero: Experimental, Indie

Para quem gosta de: Fleet Foxes, Arcade Fire

Ouça: Speak In Rounds, Yet Again

/ Por: Cleber Facchi 03/09/2012

 

Horn of Plenty (2004) teve um impacto tão pequeno quando lançado há quase uma década que muitas vezes passa despercebido como o primeiro registro de estúdio do Grizzly Bear. E de fato ele talvez nem faça parte da real discografia da banda. Composto inteiramente por Edward Droste (com algumas contribuições de bateria de Christopher Bear), o trabalho “solo” parece refletir exatamente a melancolia que pairava sob a mente do (quase) solitário compositor, resultado naturalmente percebido na camada de ruídos experimentais e compostos acinzentados que se estendem até a capa do disco. Pequeno e simples quando observado próximo do tom magistral de Yellow House e dos experimentos semi-pop de Veckatimest, o álbum tem sua importância de fato afirmada quando nos deparamos com a chegada do recente e estranhamente similar Shields (2012, Warp).

Quarto registro na ainda curta trajetória da banda, o novo álbum traz de volta a mesma camada extra de ruídos que perfumavam o tratado de estreia ao mesmo tempo em que converte todo o aprendizado acumulado nos últimos anos de maneira a percorrer cada fração do presente disco. Continuação aprimorada de Veckatimest (2009) – com uma carga extra de guitarras e versos ainda mais épicos e acessíveis -, o álbum é uma resposta direta aos que desacreditavam que a banda fosse capaz de apresentar um disco tão intenso quanto o entregue há três anos. Repleto de canções que se deixam impregnar pela crueza das guitarras (Yet Again) e até estruturas mais convencionais (Sun In Your Eyes), o álbum aproxima o quarteto nova-iorquino (completo com Daniel Rossen e Chris Taylor) de um resultado novo, ainda que próximo do que fora construído em um passado recente.

Em Shields vê-se um fenômeno curioso e muito similar ao que aconteceu com o Radiohead passado o lançamento do disco Kid-A (2000). Depois do ápice instrumental e inventivo alcançando com o disco, a banda de Thom Yorke passou a lidar com o constante medo e até a descrença do público, que assiste a cada novo lançamento com uma angústia de quem clama pela queda da banda, reação bem analisada durante a repercussão e parcial aceitação do disco The King Of Limbs (2011). Entretanto, da mesma forma que o quinteto britânico conseguiu se renovar na sequência posterior de lançamentos – sendo In Rainbows o melhor exemplo disso -, o mesmo desempenho se repete na carreira dos norte-americanos, que mesmo depois de estabelecer a fórmula base para suas composições ainda estão longe de alcançar um som estagnado e repetitivo. Logo, quem teme (ou clama) pelo fracasso do Grizzly Bear, pelo menos por enquanto terá de esperar pelo suposto deslize.

Em alguma medida – talvez pelo contraste entre os elementos acústicos e elétricos – Shields transpareça uma série de aproximações sonoras com The Suburbs (2010), último registro em estúdio da banda canadense Arcade Fire. Essa manifestação fica visivelmente expressa durante a execução de A Simple Answer, canção que mantém no clima épico e na instrumentação detalhada uma constante relação com o que é promovido em músicas como Half Light I e principalmente em Suburban War – esta com os vocais muito próximos inclusive. Todavia, enquanto a banda comandada por Win Butler parte de uma estrutura conceitual e assume isso até o fechamento da obra, com os nova-iorquinos temos uma completa inversão dessa ordem, afinal, cada canção construída ao longo da trajetória do Grizzly Bear incorpora um aspecto de distinção e constante mudança em relação às demais.

Com esse propósito estritamente experimental e de transformações constantes, uma infinidade de novas associações instrumentais rompem com os limites antes estipulados pelo quarteto em suas primeiras obras. Por vezes pisando em solo jazzístico (The Hunt), conversando de maneira particular com a música pop (Gun-Shy) e abertamente com folk progressivo da década de 1970, a banda faz do novo disco uma constante necessidade de provar diferentes e antes imprevistas tendências. É como se o grupo, mesmo atento ao que fora proposto no passado se deixasse conduzir em diversos momentos por uma série de ineditismos naturais, como as melodias de vozes do Fleet Foxes, as ambientações do Talk Talk (do disco Laughing Stock) ou mesmo referências vindas das carreiras particulares dos próprios integrantes. Da relação com o que fora produzido no EP Silent Hour/Golden Mile, de Daniel Rossen, ou ainda nos ruídos esquizofrênicos de Chris Taylor com o CANT, tudo serve de novidade e produto de transformação para a banda.

Compreendido sem grandes esforços, Shields, a exemplo do recente Centipede Hz do Animal Collective é um trabalho que melhora a cada audição. Mesmo nítidos os detalhes, há sempre um ponto de novidade na execução do disco, que cresce em cada acorde, vocal e principalmente nas letras tão simples e ainda assim amplas que se desenvolvem com o passar da obra. Da mesma forma que nos lançamentos anteriores, o trabalho deve exercer um fenômeno de transformação a cada nova audição, indo de uma inicial rejeição, compreensão posterior e completa aceitação, como se a banda, ciente da complexidade de suas produções, fornecesse subsídios que são compreendidos em doses. Ainda que sejam inicialmente intransponíveis os escudos e barreiras que cercam a obra do Grizzly Bear, ao ultrapassarmos tais limites somos de fato apresentados ao rico universo do quarteto, terreno que ainda se mantém tão fértil e particular quanto fora na sutil e até então minúscula estreia da banda.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.