Disco: “Someday World” / “High Life” Brian Eno & Karl Hyde

/ Por: Cleber Facchi 06/08/2014

Brian Eno & Karl Hyde
Alternative/Experimental/Electronic
http://brian-eno.net/
http://www.karlhyde.com/


Brian Eno é um ser colaborativo. Do começo de carreira com o Roxy Music, passando por obras ao lado de Nico, Cluster, parcerias com David Byrne e Talking Heads, até a produção de álbuns de David Bowie, U2, Coldplay e, recentemente, trabalhos desenvolvidos com James Blake e Owen Pallett, grande parte dos lançamentos que carregam a assinatura do britânico são tecidos a partir bem solucionadas parcerias. Não diferente é a dobradinha gerada em Someday World e High Life, projeto construído ao lado de Karl Hyde (Underworld) e que parece resumir parte do processo criativo imposto por Eno ao longo dos anos.

De maneira fracionada, o projeto intitulado Eno • Hyde usa de marcas há muito delineadas pela dupla de forma a sustentar cada composição. Primeira metade do projeto a ser apresentada, Someday World (2014, Warp) assume no teor comercial das faixas um território típico da obra de Hyde com o Underworld. Não por acaso os sintetizadores sobrepõem durante todo o tempo o uso das guitarras, transportando o ouvinte para um cenário nostálgico, ora voltado ao Synthpop da década de 1980, ora adaptado ao plano eletrônico dos anos 1990 – com todas suas batidas e traços típicos da Acid House.

Claro que a troca de referências permanece constante durante toda a formação da obra. Dessa forma, ainda que o plano musical do disco pareça projetar a imagem de Hyde, a interferência de Eno lentamente rompe com uma possível estrutura óbvia do trabalho. Passada a inaugural The Satellites, é visível a composição de elementos típicos da discografia do veterano. São as guitarras em A Man Wakes Up, os sintetizadores drone em Witness e até mesmo o teor político / existencial dos versos que recheiam o bloco final do álbum, principalmente Who Rings the Bell e When I Built This World, estas duas, ainda mais íntimas dos conceitos musicais lançados por Hyde.

High Life (2014, Warp), por sua vez, é uma obra em essência voltada aos temas particulares de Eno. Como as guitarras de Return (similares às de David Byrne) logo revelam, há uma necessidade clara do músico / produtor em resgatar aspectos específicos da própria obra. Sejam os arranjos carregados de suingue em DBF – que logo remetem à fórmula de Remain in Light (1980) -, passando pelas ambientações em Cells & Bells – um regresso ao som ambiental de Before and After Science, em 1977 -, cada instante do álbum surge perfumado pela nostalgia.

Mais do que se afogar em uma provável zona de conforto, Eno transforma o álbum em um objeto de experimento para os próprios conceitos e antigas referências. Basta observar o fluxo intenso das guitarras de Moulded Life – visivelmente cobertas pela eletrônica de Hyde -, ou mesmo a coleção de ruídos que se escondem no interior de Lilac – uma faixa com quase 10 minutos de colagens que vão do Pop tradicional à Avant-Garde. Música africana, ritmos brasileiros e até elementos conquistados há décadas no clássico My Life in the Bush of Ghosts (1981). Cada canto do álbum joga com as experiências do ouvinte, forçado a se concentrar e coletar cada traço musical espalhado pelo registro.

Produto característico e, ainda assim, moldado às interferências de cada realizador, Someday World e High Life são projetos que dançam pelo tempo sem um ponto específico de conforto ou morosidade. Ainda que o primeiro registro tropece em excessos momentâneos, a comunicação assertiva entre as obras se mantém constante, resumindo em quase 90 minutos – tempo de duração dos dois discos -, parte expressiva de tudo o que sustenta e provoca diferentes aspectos da música há mais de 40 décadas.

Someday World / High Life (2014, Warp)

Nota: 7.0 / 8.0
Para quem gosta de: Talking Heads, Underworld e David Bowie
Ouça: Lilac, DBF e Deddy’s Car

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.