Disco: “Summertime ’06”, Vince Staples

/ Por: Cleber Facchi 08/07/2015

Vince Staples
Hip-Hop/Rap/Alternative
http://www.vincestaples.com/

Se Summertime ’06 (2015, Def Jam) fosse apresentado ao público como filme, seria impossível desviar o olhar da tela, mesmo que por alguns poucos segundos. Com quase uma hora de duração, o álbum duplo que marca a estreia do rapper Vince Staples não apenas prende a atenção como perturba, transportando sem dificuldades a mente do ouvintes para o mesmo cenário em preto e branco dominado por gangues, assassinatos e conflitos do personagem (real) vivido por Staples durante a adolescência nas ruas de Long Beach, Califórnia.

Na trilha de Kendrick Lamar em Good Kid, M.A.A.D City (2012) e Earl Sweatshirt em Doris (2013), álbum que conta com a participação do rapper na faixa Hive, Summertime ‘06 sustenta na rima precisa de Staples uma passagem descomplicado para a rápida aproximação do ouvinte. Como o protagonista de uma película, Staples é o personagem que acompanha o público pela narrativa cinza da obra, um retrato nostálgico (e amargo) do anunciado “Verão de 2006”, período em que Staples, aos 13 anos, fez parte de uma gangue composta apenas por adolescentes.

Ao mesmo tempo em que cria uma narrativa obscura da própria juventude, Staples, de forma talvez propositada, lentamente articula uma obra que reflete a passagem de qualquer indivíduo para a vida adulta. Medo da morte, desilusões amorosas, convivência e depressão; elementos que escapam do ambiente temático da obra, abraçando com naturalidade os tormentos de qualquer indivíduo. Difícil não se identificar com versos como “Eu odeio quando você mente / eu odeio a verdade também”, fragmento certeiro do acervo espalhado pela densa Jump Off the Roof.

Estímulo para a construção do ambiente sombrio que cresce ao longo da obra, tanto as batidas como bases espalhadas pelo disco refletem o completo alinhamento de Staples e do time de produtores convidados. Da abertura com Lift Me Up, passando por Señorita, Surf e Hang n’ Bang, Summertime ‘06 mantém a proximidade dos arranjos. Mesmo a utilização de samples parece restrita, solucionando no loop seco das batidas e pianos soturnos a linha instrumental que amarra todo o trabalho. É fácil lembrar de Earl Sweatshirt ou mesmo dos primeiros álbuns de Jay-Z, registros orientados pelo mesmo conceito melódico.

Com produção executiva de No I.D. – produtor que já trabalhou com nomes como Kanye West, Common e Rihanna -, Summertime ’06, mesmo coeso lírica e musicalmente, está longe de parecer uma obra restrita. Responsável pela produção do lado “torto” do disco, Clams Casino sustenta no uso de bases sujas e temas psicodélicos a passagem para o lado mais sombrio e (musicalmente) insano de todo o álbum. São faixas como Summertime, Norf Norf e a urgente Surf, músicas que mesmo íntimas do som experimental de Casino, curiosamente servem de passagem para o lado mais comercial do disco.

Mesmo fatiado em duas metades, entregue ao público como um álbum duplo, Summertime ’06, diferente de outros trabalhos do gênero, mantém firme a estabilidade das composições, precisamente coesas até o último segundo. Quase imperceptíveis, as pequenas rachaduras da obra são logo apagadas pelo jogo versátil de versos e beats, fazendo do simples “registro de estreia” uma obra que já nasce adulta.

Summertime ’06 (2015, Def Jam)

Nota: 9.2
Para quem gosta de: Earl Sweatshirt, Kendrick Lamar e Joey Bada$$
Ouça: Señorita, Summertime e Jump Off the Roof

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.