Disco: “The Electric Lady”, Janelle Monáe

/ Por: Cleber Facchi 09/09/2013

Janelle Monáe
Soul/R&B/Pop
http://www.jmonae.com/

Por: Cleber Facchi

Janelle Monáe

Quantas vezes você já leu sobre a retomada do R&B, a presença ativa do Neo-Soul ou o território cada vez mais amplo da música negra dentro da presente cena? Com certeza muitas vezes. Só neste blog foram duas mixtapes, uma centena de novas faixas e um catálogo cada vez maior de discos, todos inclinados a resgatar a essência firmada nas décadas de 1970/1980 em um teor recente, de novidade. Entretanto, mesmo em meio a avalanche de jovens artistas focados em passear pela obra de Prince, Stevie Wonder, Michael Jackson e todo o cercado próprio que define a coleção da Motown, ninguém parece replicar com o mesmo acerto e profundo conhecimento esse efeito quanto a norte-americana Janelle Monáe.

Talvez seja o resultado da cantora ter passado boa parte da adolescência afundada em clássicos do período ou simplesmente andar com as pessoas certas, mas o fato é que ninguém consegue detalhar a música negra em um sentido tão evidente de acerto quanto a artista. Amy Winehouse, The Weeknd ou Justin Timberlake, todos parecem figuras meramente nostálgicas quando pisamos no território melódico de Metropolis: Suite I (The Chase) (2007) ou The ArchAndroid (2010), obras que não apenas revivem o soul instalado nos anos 1970, como se transportam com cuidado para o período. Vozes, arranjos e letras, cada obra da cantora é como espiar o passado sem necessariamente deixar o presente, um esforço de atenção que volta a se repetir com o mesmo cuidado em The Electric Lady (2013, Atlantic), segundo e mais novo álbum da artista.

Ambientado no mesmo universo conceitual apresentado pela cantora em 2007, o novo disco retoma a saga Metropolis, sendo desenvolvido de forma específica como parte dos atos IV e V da mesma obra. Mais uma vez excluindo a presença de humanos e entendendo a sociedade como um cenário dominado por andróides – em um sentido de forte relação com a obra de Fritz Lang e transformação metafórica -, Monáe discute sentimentos, medos e confissões com honestidade, trazendo na vulnerabilidade do amor sua principal base lírica. Se The ArchAndroid era, de forma mascarada, uma representação melancólica da própria artista, em The Electric Lady o ser metade humano, metade maquina incorporado por Monáe ganha vida lentamente, o que motiva o ouvinte a, mais uma vez, imergir no mesmo universo da cantora.

Talvez o que mais surpreende em The Electric Lady seja a capacidade de Monáe em desenvolver uma obra com mais de 60 minutos de duração sem perder o rumo. Não há complexidade ou qualquer bloqueio para chegar ao fim do registro, que se sustenta em um catálogo ainda maior de hits do que o disco anterior. Parte disso vem da produção cuidadosa do álbum, manifestação acertada nos quase três anos em que o registro levou para ser finalizado, bem como a presença de um time ainda maior de colaboradores. Além de Big Boi e Sean “Diddy” Combs, como produtores executivos,  Prince (Givin’ Em What They Love), Erykah Badu (Q.U.E.E.N.), Miguel (Primetime), Esperanza Spalding (Dorothy Dandridge Eyes) e Solange Knowles (na faixa título) surgem com destaque pelo álbum, acrescentando vozes e interferências ao propósito da norte-americana.

Além do condensado imenso de vozes, instrumentistas e produtores, com o novo disco Monáe deixa fluir sem limitações todas as referências sonoras/estéticas que há tempos a acompanham. Das interferências conceituais de David Bowie (já instaladas no álbum passado) ao assumido fascínio por Jimi Hendrix (que ao lançar Electric Ladyland, em 1968, trouxe o título e diversas outras marcas ao presente registro), cada etapa do álbum ecoa em pequenas doses de referências empoeiradas. Mesmo a imagem que apresenta o disco resgata as  velhas capas ilustradas – populares nos anos 1960/1970. E o que dizer da herança da Blaxploitation, expressiva nos interlúdios do álbum. Sobra até para a cantora brincar com a própria obra (e sua tão comentada sexualidade), permitindo aos “ouvintes” da rádio fictícia questionarem o conceito do disco com a cômica/irritante interferência “Robot love is queer”.

Em um sentido de ruptura ao enclausuramento temático aplicado nas composições do último disco, o novo álbum deixa clara a permissão da artista em brincar com o pop, o rock e até o folk em uma busca por novos horizontes sonoros. São faixas como Look Into My Eyes (quase uma adaptação das vocalizações de Nico), Sally Ride e We Were Rock & Roll, que até esbarram em bases alicerçadas no disco passado, mas encontram em pontos de distinção um salto para a novidade. Outras como Dance Apocalyptic e Victory apostam em manifestações muito específicas do R&B-Gospel-Soul de The ArchAndroid, mas que encontram em um mergulho ainda mais aprofundado na década 1960 um princípio para a renovação. São mais de cinco décadas de músicas a serem exploradas, diluídas e reinventadas aos comandos de Monáe, prova de que o “ápice” levantado no disco passado ainda está longe de ser estabelecido.

Aos que se encantam com as colagens de conceitos pseudo-inventivas assinados por Lady Gaga, ou qualquer outra representante do Pop atual, Monáe traz na densidade do presente registro uma obra de efeito inestimável. Atentem para a forma como os instrumentos (desenvolvidos em cima de uma pequena orquestra) caminham em paralelo aos vocais, ocupando todas as lacunas da obra. Percebam como as passagens pela estação de rádio fictícia funcionam como um respiro funcional ao disco, ou como a partir de Suite V Electric Overture, Monáe recolhe a euforia inicial da obra em um espaço cada vez mais introspectivo, particular. Nada parece descartável ao longo do álbum, o que faz com que cada audição revele e ao mesmo tempo oculte uma parcela expressiva do cenário imposto pela artista. Janelle Monáe, mais uma vez, não reinventou o Soul e o R&B, tampouco soube resgatar marcas esquecidas da década de 1970, ela simplesmente foi até ao passado e conta agora o que viu por lá.

Janelle Monáe

The Electric Lady (2013, Atlantic)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Erykah Badu, Prince e Solange
Ouça: Q.U.E.E.N., Primetime e Ghetto Woman

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.