Disco: “The Epic”, Kamasi Washington

/ Por: Cleber Facchi 13/05/2015

Kamasi Washington
Jazz/Experimental/Funk
http://kamasiwashington.com/

Imenso. Não existe palavra que melhor sintetize o trabalho de Kamasi Washington em The Epic (2015, Brainfeeder) do que esta. Em um longo exercício orquestral que se estende por três discos, 17 faixas e quase três horas de duração, o saxofonista californiano não apenas se mostra capaz de prender a atenção do ouvinte, como ainda transporta a mente (e alma) do espectador para diferentes décadas, campos e experiências sustentadas pelo Jazz. Um caminho – ou mundo? – de possibilidades irrestritas, crescendo desde a raiz plantada no campo fértil de Herbie Hancock, John Coltrane e Miles Davis, até alcançar a copa da árvore compartilhada com diferentes membros do selo Brainfeeder – caso de Steve Ellison (Flying Lotus), Stephen Bruner (Thundercat).

Convidado a integrar o time de instrumentistas que deram vida ao último álbum de Kendrick Lamar, o clássico imediato To Pimp a Butterfly (2015), Washington, músico profissional desde a década de 1990, brinca de forma curiosa com os mesmos temas políticos, culturais e sociais ressaltados pelo conterrâneo no presente disco. A diferença? Enquanto o rapper sustenta nas rimas e pequenos recortes sampleados um acervo de referências extraídas em mais de cinco décadas de transformações dentro da cultura afro-americana, Kamasi vai ainda mais longe, brincando com arranjos e adaptações instrumentais que costuram diferentes campos da música estadunidense – principalmente o Funk e o Jazz -, abraçam a essência da cultura africana e borbulham como novidade em cada ato isolado do trabalho.

Como o autor de um típico clássico do jazz nos últimos anos 1950 e começo da década seguinte, Kamasi Washington está longe de parecer o personagem central da obra. Pelo contrário, do corpo de vozes que sustentam a faixa de abertura (Change of The Guard), passando pelo canto sublime em (The Rythm Changes) até o trompete em Miss Understanding ou pianos de The Magnificent 7, cada faixa do álbum abre passagem para um time de colaboradores vindos de diferentes campos da música brinquem com o disco. Nomes como Miguel Atwood-Ferguson (cordas), Ronald Bruner (bateria) e Stephen Bruner (baixo) que não apenas servem de apoio para a condução de The Epic, como ainda apontam a direção que o álbum deve seguir.

Embora dividido em três atos/discos específicos, The Epic está longe de parecer um trabalho linear, apoiado em uma cena ou conceito imutável. Tão logo a seleção de metais invade de forma calorosa o eixo inicial da obra, difícil encontrar sustento em um ponto único e (talvez) limitador. De fato, o mesmo som funkeado que aparece em Askim, segunda faixa do primeiro álbum ainda é o mesmo em Re Run Home, canção de abertura do terceiro bloco da obra; uma preferência que em nenhum momento interfere no continuo ziguezaguear de referências que costuram a obra. R&B, Jazz Clássico, Free Jazz, Funk ou Soul: abandone os rótulos, deixe apenas que Washington e o time de convidados brinquem com sua mente em cada curva rítmica do disco.

Planejado em uma estrutura (musicalmente) ampla, em se tratando dos temas e referências líricas que sustentam a obra, The Epic é um álbum em essência ancorado nos avanços, batalhas e conquistas comunidade negra nas últimas cinco décadas. Significativo exemplar desse resultado sobrevive nos samples e principalmente versos que costuram toda a formação de Malcom’s Theme, possivelmente a música mais provocativa (e intensa) de toda a obra. Enquanto um dueto de vozes percorre a história do ativista Malcolm X, samples e colagens empoeiradas preenchem as lacunas da composição, estreitando ainda mais a obra do jazzista com o (político) último álbum de Kendrick Lamar.

Quantos discos, cenas ou referências específicas cabem dentro de uma única obra? Em The Epic, a resposta parece incerta. Do momento em que tem início, até o acorde final, na derradeira The Messege, não há como prever um ponto exato onde o saxofonista “vai parar”. Vozes crescem e diminuem a todo o instante – cantos, gritos e samples. Diálogos instrumentais que flutuam entre o jazz, o funk o e o afrobeat sem necessariamente bagunçar a mente de ouvinte. Uma colisão de temas, cenários e tendências musicais – sejam elas antigas ou recentes – que apenas confirmam: a viagem de Kamasi Washington está apenas começando.

The Epic (2015, Brainfeeder)

Nota: 9.3
Para quem gosta de: Thundercat, Flying Lotus e Kendrick Lamar
Ouça: Malcom’s Theme, Miss Understanding e The Magnificent 7

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.