Disco: “The Life of Pablo”, Kanye West

/ Por: Cleber Facchi 17/02/2016

Kanye West
Hip-Hop/Rap/R&B
http://www.kanyewest.com/

The Life of Pablo (2016, Def Jam / G.O.O.D. Music) é uma obra imperfeita. A melodia suja que escapa dos sintetizadores de Feedback, um descompassado toque de celular ao fundo de 30 Hours, o falso canto gospel que “amarra” as canções, ou mesmo a indecisão de Kanye West na escolha do título e faixas que seriam apresentadas na edição final do disco. Elementos que sintetizam a permanente sensação de descontrole que acompanha o ouvinte durante os mais de 50 minutos do trabalho. Um cenário essencialmente instável, passagem torta para um dos registros mais confuso e ao mesmo tempo brilhantes de toda a curta discografia do rapper norte-americano.

Imerso em uma egotrip que ultrapassa a autoafirmação expressa no antecessor YEEZUS (2013) – obra em que o próprio rapper se compara a Deus -, West discute a própria divindade (Ultralight Beam), exalta novas conquistas (Highlights) e até brinca com o egocentrismo do álbum na cômica (ou profundamente realista) I Love Kanye – “E se Kanye fizesse um som sobre Kanye?”. Nada que se compare ao lirismo excessivamente egocêntrico de Famous. Entre samples de BAM BAM, da cantora Sister Nancy, e versos divididos entre Rihanna e Swizz Beatz, o rapper provoca o mundo das celebridades e dispara contra Tayler Swift: “Sinto como se eu e Taylor ainda pudéssemos fazer sexo / Por quê? Por que eu fiz ela famosa”.

Tão insano quanto nas canções de My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), principal trabalho do rapper, West deixa todas as pontas soltas de uma obra que se projeta em essência de forma esquizofrênica. Como uma tela de Pablo Picasso, grande representante do movimento cubista e uma das principais“inspirações” para a montagem do presente disco, o rapper e o imenso time de colaboradores criam um desenho torto do personagem real/fictício que é Kanye West. Um jogo de rimas, bases disformes e interpretações abstratas que tanto revelam a imagem de um artista perturbado, quanto estabelecem pequenos refúgios de pura sensibilidade.

Basta observar a sutileza expressa em Real Friends – uma típica canção do debut The College Dropout, de 2004 – para perceber o olhar atento de West em relação à própria família e amigos. Uma expansão do mesmo material aprimorado logo em sequência com Wolves. Produzida por Cashmere Cat, a parceria entre West, Caroline Shaw e Frank Ocean mergulha de cabeça em temas como depressão, isolamento, morte e abandono. Mais à frente, No More Parties in L.A., parceria com Kendrick Lamar e uma espécie de passeio pelo universo de exageros, vícios e pequenas corrupções pessoais que caracterizam a noite na cidade de Los Angeles – ou qualquer outro grande centro urbano. Uma completa ruptura da lírica agressiva que domina o primeiro ato do disco.

Da mesma forma que Picasso, um artista que buscou inspiração nos clássicos para criar regras próprias, durante toda a execução do álbum, West brinca com diferentes épocas, tendências e principalmente obras assinadas por outros artistas. Da imagem de capa, uma adaptação do trabalho produzido pelo artista gráfico Peter De Potter, passando por samples de Arthur Russell, Goldfrapp e do jogo Street Fighter II, o rapper lentamente cria sua própria interpretação da cultura pop. Mesmo em parcerias com The Weeknd e Chance The Rapper, FML e Ultralight Beam, respectivamente, West está longe de ser o personagem inventivo de obras como Late Registration (2005). Trata-se de um curioso exercício de adaptação e, ao mesmo tempo, construção de uma nova identidade musical do artista.

Misto de frustração e recompensa, em T.L.O.P Kanye West finaliza uma obra que mantém o ouvinte como “refém” até o último segundo. Ainda que seja possível se perder no interior de determinadas faixas, caso de Freestyle 4 e da “oração” Low Lights, composições que posicionam as rimas em segundo plano, valorizando a utilização de bases e samples, fugir do álbum antes de apreciar a derradeira Fade soa como uma desobediência quase religiosa. Ultralight Beam puxa para Famous, Highlights serve de passagem para Waves e FML, Real Friends convida o ouvinte a seguir até os últimos instantes do disco Mais do que garantir respostas, The Life of Pablo joga com a interpretação do ouvinte.

 

The Life of Pablo (2016, Def Jam / G.O.O.D. Music)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Jay-Z, Drake e Pusha T
Ouça: Real Friends, No More Parties in L.A. e Wolves

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.