Kanye West
Hip-Hop/Rap/R&B
http://www.kanyewest.com/
The Life of Pablo (2016, Def Jam / G.O.O.D. Music) é uma obra imperfeita. A melodia suja que escapa dos sintetizadores de Feedback, um descompassado toque de celular ao fundo de 30 Hours, o falso canto gospel que “amarra” as canções, ou mesmo a indecisão de Kanye West na escolha do título e faixas que seriam apresentadas na edição final do disco. Elementos que sintetizam a permanente sensação de descontrole que acompanha o ouvinte durante os mais de 50 minutos do trabalho. Um cenário essencialmente instável, passagem torta para um dos registros mais confuso e ao mesmo tempo brilhantes de toda a curta discografia do rapper norte-americano.
Imerso em uma egotrip que ultrapassa a autoafirmação expressa no antecessor YEEZUS (2013) – obra em que o próprio rapper se compara a Deus -, West discute a própria divindade (Ultralight Beam), exalta novas conquistas (Highlights) e até brinca com o egocentrismo do álbum na cômica (ou profundamente realista) I Love Kanye – “E se Kanye fizesse um som sobre Kanye?”. Nada que se compare ao lirismo excessivamente egocêntrico de Famous. Entre samples de BAM BAM, da cantora Sister Nancy, e versos divididos entre Rihanna e Swizz Beatz, o rapper provoca o mundo das celebridades e dispara contra Tayler Swift: “Sinto como se eu e Taylor ainda pudéssemos fazer sexo / Por quê? Por que eu fiz ela famosa”.
Tão insano quanto nas canções de My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), principal trabalho do rapper, West deixa todas as pontas soltas de uma obra que se projeta em essência de forma esquizofrênica. Como uma tela de Pablo Picasso, grande representante do movimento cubista e uma das principais“inspirações” para a montagem do presente disco, o rapper e o imenso time de colaboradores criam um desenho torto do personagem real/fictício que é Kanye West. Um jogo de rimas, bases disformes e interpretações abstratas que tanto revelam a imagem de um artista perturbado, quanto estabelecem pequenos refúgios de pura sensibilidade.
Basta observar a sutileza expressa em Real Friends – uma típica canção do debut The College Dropout, de 2004 – para perceber o olhar atento de West em relação à própria família e amigos. Uma expansão do mesmo material aprimorado logo em sequência com Wolves. Produzida por Cashmere Cat, a parceria entre West, Caroline Shaw e Frank Ocean mergulha de cabeça em temas como depressão, isolamento, morte e abandono. Mais à frente, No More Parties in L.A., parceria com Kendrick Lamar e uma espécie de passeio pelo universo de exageros, vícios e pequenas corrupções pessoais que caracterizam a noite na cidade de Los Angeles – ou qualquer outro grande centro urbano. Uma completa ruptura da lírica agressiva que domina o primeiro ato do disco.
Da mesma forma que Picasso, um artista que buscou inspiração nos clássicos para criar regras próprias, durante toda a execução do álbum, West brinca com diferentes épocas, tendências e principalmente obras assinadas por outros artistas. Da imagem de capa, uma adaptação do trabalho produzido pelo artista gráfico Peter De Potter, passando por samples de Arthur Russell, Goldfrapp e do jogo Street Fighter II, o rapper lentamente cria sua própria interpretação da cultura pop. Mesmo em parcerias com The Weeknd e Chance The Rapper, FML e Ultralight Beam, respectivamente, West está longe de ser o personagem inventivo de obras como Late Registration (2005). Trata-se de um curioso exercício de adaptação e, ao mesmo tempo, construção de uma nova identidade musical do artista.
Misto de frustração e recompensa, em T.L.O.P Kanye West finaliza uma obra que mantém o ouvinte como “refém” até o último segundo. Ainda que seja possível se perder no interior de determinadas faixas, caso de Freestyle 4 e da “oração” Low Lights, composições que posicionam as rimas em segundo plano, valorizando a utilização de bases e samples, fugir do álbum antes de apreciar a derradeira Fade soa como uma desobediência quase religiosa. Ultralight Beam puxa para Famous, Highlights serve de passagem para Waves e FML, Real Friends convida o ouvinte a seguir até os últimos instantes do disco Mais do que garantir respostas, The Life of Pablo joga com a interpretação do ouvinte.
The Life of Pablo (2016, Def Jam / G.O.O.D. Music)
Nota: 9.0
Para quem gosta de: Jay-Z, Drake e Pusha T
Ouça: Real Friends, No More Parties in L.A. e Wolves
Você comentou bastante sobre o Picasso e até fez algumas comparações interessantes, mas você está ciente de que o Pablo do nome do disco é o apóstolo Paulo da bíblia, certo? Porque não houve nenhuma citação do apóstulo na resenha e tudo mais.
Abraço!
Gostei da resenha, mas tá meio parecida com a da rolling stone americana que saiu ontem…
Oi, Matheus.
Na verdade a interpretação de Pablo é ampla – Pablo Escobar, Paulo de Tarso -, decidi focar na questão de Pablo Picasso, visto que West já deu diversas entrevistas criando um paralelo entre ele e o pintor.
Normalmente o povo fala que eu copiei o texto da Pitchfork. Rolling Stone é novo.
Crítica fantástica. Exatamente como me sinto ouvindo esse álbum! Mandou muito bem, Cleber. Pessoal falando de imitar outras críticas, não acho isso… São várias críticas em cima de um mesmo álbum, querem que sejam completamente diferentes?
AHAZOUUUU na resenha. concordo com td bjs
Tenho achado esquisitíssimas as notas altas que esse álbum tem recebido. Eu sou um stan do Kanye, meu artista favorito, mas nunca daria uma nota dessas ao álbum. Perto dos melhores trabalhos do cara esse álbum soa como uma mixtape. Respeito a opinião, mas daria uma nota 6,7 de 10. É um álbum desconexo, que passa a impressão de coletânea. Claro, o Kanye é um baita artista e os pontos altos do álbum são tão altos quanto poderiam ser, mas os ponto baixos (boa parte das letras são descartáveis aqui, o álbum soa inacabado até nas melhores produções, Freestyle 4 é uma produção incrível com uma letra terrível, Pt2 soa completamente como uma música demo, Low Lights cansa na segunda vez que você a escuta, Wolvez soa inacabada, Fade é uma beat de House que constrói sem nunca chegar a lugar nenhum, Facts é uma péssima música). Pablo é provavelmente o pior álbum da discografia solo do Kanye (MBDTF > LR > Yeezus > CD > Graduation > 808’s > Pablo). Adicionar mais músicas à tracklist também me pareceu um erro. É um bom álbum, mas confrontado com a discografia do Kanye deixa muito para se desejar.
Cara, você melhorou muito o seu conteúdo (análises) depois que parou de publicar tanto, infelizmente…
Espero que volte a fazer mais resenhas como antes com a qualidade atual haha
Sem esquecer, resenha perfeita!
Se o Cleber emulasse a Pitchfork[grande Pitchfork] ou a Rolling Stone, como ele iria escrever as críticas de álbuns brasileiros?
Os fãs do Cícero ainda não superaram a nota do “Sábado”. E veja que eu ouço os três álbuns dele com frequência. Podem me chamar de brega, eu não ligo. Eu também ouço Funeral, seus chatos.
Anyway, ótima crítica. Pablo é um ótimo álbum. Bem diferente do clássico My Beautiful Dark Twisted Fantasy e ainda sim mt bom. Beijo na sua coleção de LPs, Cleber. Principalmente em “Revolver”
Wish I would go ahead and fuck my life up
Can’t let them get to me
And even though I always fuck my life up
Only I can mention me
De todos, é o disco mais fraco da carreira dele. Também não estou entendo essas notas altas para o disco, como o Thiago Oliveira disse ali em cima. É um bom disco, mas ao meu ver ele está ficando sego com tanta arrogância que acabou afetando o seu trabalho, e se ele continuar assim, ele só vai descer ladeira abaixo na produção dos seus discos.
Eu também fiquei Sego com SSSSS. Really?
Só o que eu tenho a dizer sobre esse disco é: 30 HOURSSSSSS!!!!!
Como o Thiago e o Willian pontuaram, não consigo compreender tantas notas altas e resenhas boas sobre Life of Pablo. Também sou fã do Kanye, especialmente dos primeiros discos da carreira dela e tenho achado o novo disco superestimado, como disse o amigo ali em cima, as letras são descartáveis e eu destaco apenas uma ou outra produção, como resultado final não acho o disco coeso. Acho que os críticos caíram no oba-oba do carnaval que ele criou pra divulgar o álbum. Ainda mais comparado com outros lançamentos recentes de rap made in USA, o disco parece ainda mais medíocre. Nota 9,0 foi absolutamente sacanagem. Vocês deram 9,5, pro To Pimp a Butterfly e sinto que Life of Pablo está muitos pontos atrás do disco de Kendrick