Disco: “The Moon 1111”, Otto

/ Por: Cleber Facchi 16/10/2012

Otto
Brazilian/Experimental/Alternative
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Otto

Quando deixou as aproximações com a música eletrônica no começo da década passada, Otto parecia nitidamente desnorteado. Era como se o músico pernambucano passeasse por diversos terrenos, inspirações e referências (musicais e poéticas) sem jamais firmar os pés em nenhuma delas. Não estranho que o terceiro registro solo do ex-percussionista da Mundo Livre S/A ganhou o título de Sem Gravidade (2003), um álbum que ainda estava próximo das batidas sintéticas definidas nos iniciais Samba Pra Burro (1998) e Condom Black (2001), mas um trabalho que já previa o que o artista passaria a executar de forma natural e ainda mais inventiva em suas futuras obras, como a aproximação com a música brasileira, o brega e principalmente: a construção de um som orgânico e livre de quaisquer encaixes eletrônicos.

Se musicalmente a proposta do cantor parecia estabelecida de maneira inconsistente e desnorteada há quase uma década, em meados de 2008 o falecimento da mãe e a separação da ex-mulher (a atriz Alessandra Negrini) fizeram com que os sentimentos de Otto que se perdessem em rumos totalmente incertos. Contudo, cercado por grandes colaboradores – de Fernando Catatau, passando por Céu a membros da Nação Zumbi -, o músico aos poucos conseguiu se restabelecer, direcionando todas essas percepções individuais de maneira a firmar o nascimento do melhor trabalho de toda sua carreira, o amargurado e inteiramente confessional Certa Manha Acordei De Sonhos Intranquilos (2009).

Ainda que as feridas do cantor tenham parado de sangrar há tempos, as cicatrizes permanecem visíveis, táteis, fazendo com que Otto ao relembrar do passado recente (ao mesmo instante em que aponta para um novo caminho de superação) apresente as bases para o quinto e mais novo disco da carreira: The Moon 1111 (2012, Deck). Continuação natural do que fora promovido há três anos, o novo álbum mantém de forma constante as aproximações com o pop e o romantismo brega já identificado em velhas conhecidas do músico, como Pra Ser Só Minha Mulher e Por Que, faixas que garantiram novo encaminhamento ao disco de 2009 e uma melhor resolução do artista para esse tipo de sonoridade – agora ampliada como se observa na regravação de A Noite Mais Linda do Mundo, de Odair José.

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Ao mesmo em que se aproxima de um resultado plástico – desempenho facilmente compreendido na instrumentação bem delimitada das iniciais Dia claro e Ela Falava -, com o novo disco o pernambucano se permite mergulhar nos experimentos, sejam eles sonoros – como a relação assumida com o clássico Dark Side Of The Moon, do Pink Floyd ou mesmo com a extensa obra de Fela Kuti – e principalmente com as líricas. Por todos os lados do registro a poesia de Otto emana aproximações (in)diretas com as percepções de Guy Montag, personagem central do livro Farenheit 451 – lançado em 1953 pelo escritor norte-americano Ray Bradbur. Uma proposta consciente que vem para ocupar a relação kafkiana entregue logo no título do trabalho anterior – o nome do álbum é uma menção direta aos versos iniciais do livro A Metamorfose de Franz Kafka.

Tal qual o fascínio de Jorge Ben pela alquimia em A Tábua de Esmeralda (1974) ou a aproximação de Tim Maia com a Cultura Racional em meados da década de 1970 – que acabou resultando na obra máxima do cantor, o clássico Tim Maia Racional, Vol. 1 (1975) -, com o novo registro Otto se entrega de forma aberta a conceitos filosóficos, místicos e matemáticos que circulam em torno do número “1111”. Do título aos versos que preenchem boa parte do trabalho, tudo se relaciona de maneira confessa ao “fluxo das ideias”, “estado de grande consciência” e abertura para universos paralelos, proposta anteriormente tratada pelo músico em entrevistas e uma ferramenta para o que conceitua e proporciona distinção ao novo álbum.

Com produção assumida por Pupillo (Nação Zumbi) e contando com a mesma soma de colaboradores que auxiliaram o músico no lançamento do trabalho anterior, The Moon 1111 parece construído de maneira a provocar e confundir o ouvinte até a última e bem humorada canção – DP, uma ode à dupla penetração. Afinal, trata-se de um disco de música pop, ao mesmo tempo em que se distancia de caminhos fáceis e óbvios, um tratado de encaminhamentos experimentais na mesma medida em que parece preenchido por versos atrativos e melódicos. Independente das percepções de cada ouvinte, Otto nos autoriza a dar um mergulho no estranho universo de portais, exaltações ocultas e esquizofrenias íntimas que circulam em sua mente, experiências que lentamente passam a ser nossas também.

The Moon 1111 (2012, Deck)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Cidadão Instigado, Mombojó e Wado
Ouça: Ela Falava, Dia Claro e Selvagens olhos, nego!

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.