Disco: “Tomboy”, Panda Bear

/ Por: Cleber Facchi 05/04/2011

Panda Bear
Experimental/Psychedelic/Indie
http://www.myspace.com/pandabear

Por: Cleber Facchi

Em sete de agosto de 1974 o francês Philippe Petit realizaria um dos feitos mais audaciosos daquele e dos anos seguintes: andando em uma corda bamba, o rapaz atravessaria o vão que separava a Torre Norte da Torre Sul do hoje inexistente World Trade Center. O ato seria realizado ausente de qualquer tipo de equipamento de segurança, em um percurso que durou 45 minutos. Ele conseguiu. Abril de 2011: O norte-americano Noah Lennox tem a tarefa de lançar um disco tão conceitual quanto seu anterior registro solo (Person Pitch, 2007) ou o último álbum lançado com sua banda Animal Collective (Merriweather Post Pavillion, 2009), livre de qualquer tipo de equipamento de segurança o músico tem 50 minutos para cumprir tal feito.

A pressão pode não ser a mesma que Petit enfrentou, afinal, Lennox não arrisca sua vida ao adentrar o estúdio onde o disco foi gravado, embora conte com a pressão de milhares de olhos. Órgãos estes que o fitam ansiosos, olhares de fãs afoitos concentrados nos mais remotos cantos do planeta e que assistem (e ouvem) com total apreensão o feito do músico nomeado de Tomboy (2011). Noah, que aqui prefere ser chamado de Panda Bear vale-se de You Can Count On Me para esticar o cabo de um edifício a outro, em pouco mais de dois minutos o musicista nos transporta para dentro do seu próprio universo. Quase como um mantra, a faixa delimita as regras e o clima que o músico irá enfrentar ao longo de todo o registro.

O primeiro passo na tenebrosa corda bamba se dá com a canção que nomeia o disco, um tipo de som grosseiro, como se todos os elementos – vocais, guitarras, bateria e inúmeros teclados – fossem postos em um único sentido, formalizando uma massa uniforme de som, onde pequenos picos de vocais acabam se exaltando e consequentemente alcançando um maior destaque. A faixa não pode ser encarada como original, afinal, a mesma orientação foi dada dentro de Person Pitch, tendo Take Pills e I’m Not como claros exemplos.

Entretanto, o vento começa a soprar forte, a linha tênue pela qual Lennox caminha força-o a soltar uma dobradinha de faixas avassaladoras. A primeira é Slow Motion, em que a percussão (elemento que contava com enorme destaque no álbum anterior) casada de forma brilhante com uma orquestra de sintetizadores e efeitos de programação mostram o bom e velho Panda Bear. Os vocais fluem como se não fossem vocais, mas sim um instrumento. Carregadas de efeitos, as vozes se dissolvem em uma espécie de acústica aquosa (lembrando o que foi proposto pelo parceiro Avey Tare no disco Down There de 2010), fazendo com que o disco reverbere psicodelia de maneira moderna, quase em um estado de êxtase.

A segunda faixa carregada pelo poderio do músico é a detalhista Surfer’s Hymn. A canção que poderia facilmente ser encontrada no último disco do Animal Collective apresenta Noah no auge de sua criatividade. Qualquer rótulo abaixo de “perfeita”, “magistral” ou “maravilhosa” seria um completo desrespeito, afinal, o músico faz com que todos os instrumentos (e mesmo os mínimos e quase imperceptíveis detalhes) sejam encaixados de forma exata.

Todo esse resultado, porém, só seria possível dentro deste disco, já que ao contrário do álbum anterior o musico deixa de lado a instrumentação acústica (que dava ao disco um caráter de freak folk) e se afunda de vez na utilização de sons e instrumentos eletrônicos, que por vezes apontam todo o caráter sintético do trabalho, mesmo que tudo ainda flua de forma muito orgânica.

Depois de dois momentos em que Lennox exibe toda sua habilidade e equilíbrio, o caminho pela corda bamba parece mais seguro. Last Night At The Jetty funciona como uma hipnose musical ao ouvinte. Bela, a canção entrega uma sequência de teclados presos em um looping viajado que acabam se encaixando de maneira precisa com a música seguinte, Drone. Como o próprio nome diz, a faixa é um acumulado de acordes repetitivos, retos e ausentes da mesma gama instrumental que se apresenta nas canções anteriores, porém, chega de maneira necessária, uma espécie de respiro para a sequência de canções que encontraremos a seguir.

Alsatian Darn, pela maneira mais límpida e concisa que é construída se mostra um dos exemplares que mais se aproximam do trabalho anterior de Panda Bear. A percussão chega de maneira bem direcionada, deixando para que os teclados e guitarras criem apenas um suave complemento. Nestas últimas cinco faixas Noah parece se orientar de maneira mais sóbria, como se percebe em Scheherezade e Friendship Bracelet. Os efeitos e o experimentalismo ainda se mantém em constância, porém tudo parece um pouco menos pastoso, mais claro e até fácil. É como se Drone realmente funcionasse como um grande filtro, tornando as canções um pouco mais simplistas.

Se em Person Pitch o músico dava um acabamento que por vezes distanciava o álbum de um público menos acostumado a esse tipo de som, com Tomboy a intenção parece ser a oposta. Tudo parece muito mais “fácil”, faixas mais curtas e até certo tempero pop é perceptível no decorrer de todo o trabalho. A facilidade com que faixas como Afterburner, Surfer’s Hymn e Alsatian Darn chegam aos nossos ouvidos são um claro resultado da proposta feita por Noah e seus parceiros do coletivo dentro de Merriweather Post Pavilion. Os excessos de experimentações acabam distanciados, dando lugar a um som menos penoso, menos contemplativo, melhor detalhado e ainda mais interessante.

Se no começo do álbum, Panda Bear caminha a passos curtos, ainda sob o medo de despencar da altura a que está inserido dentro do meio musical, aos poucos a tensão e os tremores parecem abandonados. Os gritos de comemoração utilizados em Benfica – homenagem do músico ao time de Lisboa, cidade onde reside com sua família – ao término do disco deixam mais do que claro que assim como Philippe Petit, Noah Lennox cumpriu seu objetivo. A tensão instalada na abertura do disco pode felizmente ser abandonada. Em 50 minutos o músico não apenas realiza sua tarefa de forma madura (e ainda mais viajada) como mostra que seus próximos desafios podem ser ainda mais arriscados.

Tomboy (2011)

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Animal Collective, Avey Tare e Atlas Sound
Ouça: Surfer’s Hymn

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.