Disco: “Tomorrow’s Harvest”, Boards Of Canada

/ Por: Cleber Facchi 11/06/2013

Boards Of Canada
Electronic/IDM/Ambient
http://boardsofcanada.com/

Por: Cleber Facchi

Boards Of Canada

Passar os últimos anos em quase completo silêncio nunca foi um problema para a dupla escocesa Boards Of Canada. Pelo contrário, ao abster-se da produção – temporariamente estacionada com o mediano The Campfire Headphase (2005) -, Mike Sandison e o parceiro Marcus Eoin acabaram contribuindo de forma tão ou mais expressiva quanto em começo de carreira. Mesmo em silêncio, o duo acabou transformando o imenso catálogo firmado em Music Has the Right to Children (1998) e Geogaddi (2002) na base para uma série de trabalhos recentes, surgindo vez ou outra nas emanações etéreas da Chillwave ou mesmo nas batidas tortas do Hip-Hop e da eletrônica.

Depois de atravessar oito anos em hiato – menos se levarmos em conta os parcos singles acumulados ou mesmo o EP Trans Canada Highway (2006) -, o duo faz das ambientações firmadas em Tomorrow’s Harvest (2013, Warp) uma continuação e ao mesmo tempo um novo percurso no propósito alimentado em mais de duas décadas de carreira. Possível ponto de maturidade e ainda assim descoberta dentro dos inventos dos produtores, o disco cresce como uma obra de pleno entendimento entre a dupla, que não apenas assume os conceitos instrumentais do presente álbum, como assume a gravação e até a produção artística do material que ilustra a obra.

Tratado como um registro de esforço homogêneo, o quarto álbum rompe de forma significativa com aquilo que o duo havia semeado anteriormente em Geogaddi, transformando cada faixa em um complemento natural à canção seguinte. São 17 criações inéditas, todas aproveitadas em curtos minutos, porém, naturalmente estruturadas dentro de um contexto de forte aproximação musical. Intercalado por pequenos atos – que parecem crescer à medida que o álbum se desenvolve -, o disco converte cada sample, batida ou harmonia leve de sintetizador em um complemento celular para o corpo instrumental que se levanta no decorrer do trabalho. Componentes sonoros por vezes instintivos, mas que parecem plenamente arquitetados pela dupla.

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Trilha sonora involuntária, Tomorrow’s Harvest talvez seja capaz de pintar instrumentalmente a ambientação de uma película de trama futurística, efeito reforçado nos diálogos sussurrados que se espalham nas lacunas do disco, transmissões de rádio e nos entalhes atmosféricos disseminados com controle por todo o álbum. Pontuado por momentos de extrema sutileza e picos de excesso controlado, o registro esculpe com precisão um cenário em que o silêncio se converte no principal instrumento para a dupla, trazendo nos pequenos pontos de respiro a possibilidade da dupla em crescer com sutileza em Reach For The Dead ou declinar a um tratado essencialmente etéreo com Uritual. Instantes que lentamente se refletem no todo da obra.

Contrariando a lógica exposta em Music Has the Right to Children, que parecia orquestrada pelas batidas, e invertendo a proposta de Geogaddi, um registro tratado em cima dos ruídos, o novo álbum é um trabalho que encontra na calmaria a movimentação natural para os sons. Esqueça os efeitos liquefeitos instalados em faixas como The Devil Is in the Details ou a arquitetura matemática de músicas ao estilo de Pete Standing Alone, em Tomorrow’s Harvest o esforço sereno é o que orienta em totalidade o propósito da dupla. Raspando na calmaria redundante do drone sem se desprender dos sintetizadores firmados pelo Kraftwerk (principalmente em obras clássicas como Trans-Europe Express), o disco cresce em uma solução comportada, retro-futurística por vez, mas capaz de antecipar o que pode decidir os rumos da Ambient Music pelos próximos anos.

A julgar pelo efeito claro do trabalho da dupla na obra de Washed Out, Neon Indian e tantos outros artistas recentes, a “colheita do amanhã” proposta no título da obra talvez seja uma previsão mais do que acertada do trabalho dos escoceses. Antes de tramar as bases para toda uma nova geração de produtores, o presente álbum do Boards Of Canda cumpre bem o seu papel, respeitando tudo aquilo que o duo vem construindo desde a década de 1990 e em alguns instantes indo até além. Feito para ser degustado, e não apenas ouvido com rapidez, Tomorrow’s Harvest é praticamente uma morada, como se o ouvinte tivesse que se desligar do “mundo real” em que habita para mergulhar de fato no invento pessoal da dupla.

Boards Of Canada

Tomorrow’s Harvest (2013, Warp)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Aphex Twin, Autchre e Four Tet
Ouça: Reach for the Dead, Sick Times e New Seeds

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.