Disco: “Torres”, Torres

/ Por: Cleber Facchi 28/01/2013

Torres
Indie/Female Vocalists/Alternative
http://torrestorrestorres.com/

 

Por: Cleber Facchi

Torres

A tristeza toma conta de cada instante do trabalho de Mackenzie Scott. Recheado por versos que relatam passagens recentes sobre amores que não deram certo, o medo do abandono ou “simples” fragmentos de saudade, as palavras incorporada pela compositora se completam ao entrar em contrato com uma sucessão de acordes macambúzios. Recortes sonoros que são construídos lenta, porém vigorosamente no primeiro registro da cantora de sob o nome forte de Torres. Cada mínimo recorte musical se traduz como o reflexo de uma mente em pleno desgaste (ou seria desespero?) sentimental. Um personagem real e assimilável que tenta a todo o custo manter a sobriedade, mesmo afundado em um imenso oceano de angústias e carência.

Com um acabamento lírico que se mantém confessional até o ecoar do último verso, Torres (2013, Independente) vai além de um mero tratado sobre pós-relacionamento. Trata-se de uma obra que absorve a dor da solidão de maneira descomunal, ainda que intimista na maneira como os sons são aprofundados. Contrariando o que articula a construção de outros registros de proposta similar, o álbum deixa de tratar da personagem vivida por Scott como uma vítima de uma separação recente, mas como um ser que aceita sua condição e discorre sobre diferentes aspectos desse universo. Com base nessa proposta, a cantora passeia de forma honesta pelo ciúme (Jealousy And I), depressão (Waterfall) e até pela necessidade (forçada) de superação (When Winter’s Over), tudo isso sem jamais desaguar em uma vertente redundante ou piegas.

Muito do que engrandece a atuação sorumbática e o drama de Torres no decorrer da obra vem da instrumentação naturalmente dolorosamente que se estende pela obra. Vinda de Nashville, Tennessee, a artista reforça a conexão com a música local ao fazer uso de um instrumental que a todo o instante se apega aos realces naturais do Country. Entretanto, longe do uso previsível do slide guitar ou de outras referências que fariam do disco um registro convencional, Mackenzie explora uma proposta abrangente, capaz de incorporar desde referências voltadas ao rock alternativo da década de 1990, até cargas suaves de experimentação. Dentro desse jogo constante de variedades sonoras, a cantora parece acomodar confortavelmente cada verso ou mínima expressão dolorosa que abastece o trabalho, traçando ao mesmo tempo uma forte relação com uma série de outros registros de propósito similar.


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De camadas instrumentais que se relacionam diretamente com a obra de PJ Harvey, ao tratamento dos versos que reforçam uma curiosa interpretação do que se encontra nos primeiros anos do Wilco, o que não falta ao álbum são as possíveis comparações com os instantes mais sofridos do cancioneiro norte-americano. De fato, muito do que circula pelo trabalho parece ser uma incorporação pessoal do que é abordado tanto em obras recentes, como a da californiana EMA (em Moon & Back), ao mesmo tempo em que a obra de veteranas à exemplo de Cat Power (representada de forma amargurada em Honey) são revisitadas. Um tratado que absorve passado e presente sem jamais se desvirtuar da proposta marcada logo na primeira música: registrar o sofrimento de sua idealizadora.

O mais curioso e naturalmente satisfatório dentro do álbum não está em posicionar nosso próprio sofrimento em relação à dor da artista, mas em perceber o quanto Mackenzie busca solucionar toda a melancolia em busca de superação. “Don’t tell me there’s no way/ Your mind will change/ Even the leaves grow weary/ Of the trees from which they came”, clama Torres nos versos de When Winter’s Over, composição mais distinta de toda a obra e o ponto principal de superação que lentamente se expande pelo disco. O mesmo reforço se faz presente na construção de Don’t Run Away, Emilie, espécie de conselho amigo e necessidade de superação que se aplica metaforicamente no cotidiano melancólico de qualquer ouvinte. Scott, entretanto, sabe que mesmo o maior esforço de superação é ínfimo perto da grandeza descomunal de um coração partido, logo, a dor prevalece até o último instante do trabalho.

Ainda que se distancie de uma série de padrões e prováveis clichês, Torres é um registro que permanece afundado no presente de sua construção, evidenciando uma sequência amarga de tentativas que jamais se concretizam ou curam as feridas aparentes. Trata-se um disco que se materializa tão logo a separação se anuncia, quando os casais se separam ou o desespero da saudade se faz presente. Nada que nenhuma outra obra de pós-relacionamento já não tenha abordado de maneira até mais significativa, mas um retrato sincero e triste que faz de percepções por vezes tão desgastadas se transformarem em algo nunca antes vivenciado.

 

Torres

Torres (2013, Independente)


Nota: 8.2
para quem gosta de: Cat Power, EMA e PJ Harvey
Ouça: Honey, When Winter’s Over e Jealousy And I

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.