Disco: “Trabalhos Carnívoros”, Amabis

/ Por: Cleber Facchi 24/10/2012

Amabis
Brazilian/Alternative/Experimental
http://www.guiamabis.com/

Por: Cleber Facchi

Gui Amabis parece ter tomado gosto pela gravação de registros próprios. Por anos figura parcialmente oculta dentro do cenário musical, o cantor, compositor (de trilhas como Senhor Das Armas e Bruna Surfistinha) e multi-instrumentista chega ao segundo álbum pouco tempo depois de aportar as caravelas em Memórias Luso/Africanas (2010), registro que marca a estreia definitiva em carreira solo. Protegido pelo título emblemático de Trabalhos Carnívoros (2012, Independente) o novo álbum parece seguir de maneira ampliada o que há de mais estranho e peculiar na obra do artista, que nos arrasta sem esforço para uma mistura irregular (e sempre instável) de samba, rock, minimalismos sombrios e toda uma diversidade de referências que se partem em rumos incertos a cada nova composição.

Solitário do ponto de vista diversificado que regia cada faixa do trabalho anterior, em novo projeto Amabis se distancia da colaboração marcante de Tulipa Ruiz, Criolo, Lucas Santtana (que inclusive utilizou de O Deus Que Devasta Mas Também Cura para dar título ao mais novo trabalho de estúdio) e toda a frente de vozes que o seguiam pelo disco. A medida parece ampliar significativamente todos os acertos que já se materializavam no trabalho anterior, como se o cantor tivesse de fato certeza do que está fornecendo ao ouvinte (figura que deve se sentir mais íntima do atual projeto) bem como do terreno que desbrava e ao mesmo tempo constrói.

Distante de qualquer exaltação exagerada – poética ou instrumental – Amabis mais uma vez se aconchega no emaranhado de referências que caracterizavam toda a execução do trabalho passado, mergulhando consciente na vanguarda paulista da década de 1980, no jazz em evoluções simbólicas e principalmente na tonalidade ambiental, reflexo lógico das trilhas sonoras sempre atmosféricas que vem produzindo há bastante tempo. Todavia, ao mesmo tempo em que mantém firme a continuidade do último disco, definindo uma proposta inteira amena e acolhedora (dentro e alguns limites), o afastamento da percussão sombria de outrora mostra que apenas as memórias lusitanas permaneceram no presente trabalho.

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Por todos os lados arranjos de cordas se encontram com guitarras suavizadas que pendem imediatamente à década de 1970, resultado quase óbvio em virtude da produção partilhada com Régis Damasceno, o contraponto climático de Fernando Catatau dentro do Cidadão Instigado. Esquizofrênico em alguns instantes, o registro cresce não apenas pelas guitarras (instrumento que em alguma medida se aproxima do mesmo resultado de Um Labirinto Em Cada Pé, do paulistano Romulo Fróes), mas pelo violoncelo de Fernanda Monteiro. Ferramenta necessária ao disco, o instrumento se materializa como uma balança pontual por diversos momentos, arrastando o trabalho para uma formatação totalmente melancólica (Deus e Seu Guardião) como comercialmente atrativa, tonalidade bem executada na homônima faixa de abertura.

Por vezes Trabalhos Carnívoros soa como uma imensa vitrine de Gui Amabis, uma seleção cuidadosa de canções recheadas por versos volumosos e melódicos. Faixas que talvez funcionassem muito melhor nas mãos de outros artistas e principalmente: nas vozes de outros cantores. É o caso de Crepúsculo, música que parece construída (de forma quase intencional) para os lamentos sinceros de Lucas Santtana ou a delicada Merece Quem Aceita, música que talvez encontrasse melhor definição na voz do alagoano Wado ou talvez da própria esposa do compositor, Céu, que dançaria em uma nuvem de reggae, dub e (agora) brega em cima dos versos pontuais da canção.

Bem estabelecido em relação ao disco que o precede, mesmo que em alguns instantes Trabalhos Carnívoros pareça uma obra aberta a novas interpretações, pela primeira vez a mão firme do compositor (e dos parceiros de banda) faz compreender toda a força e os limites do álbum, que até a execução da última canção parece fechado dentro de um só ambiente e proposta. Construído dentro de uma medida particular de tempo, o álbum talvez pareça difícil aos não acostumados a esse tipo de som, como se Amabis virasse uma curva contrária e ainda mais obscura do que firma Rodrigo Campos em Bahia Fantástica ou o agrupado de mentes em Passo Torto, encontrando um caminho tortuoso, porém repleto de detalhes inéditos que se engrandecem a cada nova audição.

 

Trabalhos Carnívoros (2012, Independente)

Nota: 7.8
Para quem gosta de: Rodrigo Campos, Romulo Fróes e Lucas Santtana
Ouça: Merece Quem Aceita e Crepúsculo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.