Disco: “Tropicália Lixo Lógico”, Tom Zé

/ Por: Cleber Facchi 15/08/2012

Tom Zé
Brazilian/Experimental/MPB
http://www.tomze.com.br/

Por: Gabriel Picanço

Uma mente que poucos conseguem acompanhar com facilidade, mas que fascina os que se dispõem a tentar entendê-la. “Explicar para confundir e confundir para esclarecer” é a missão de Tom Zé. Uma das peças-chave do movimento tropicalista, em Tropicalia Lixo Lógico (2012, Independente) o baiano explica-confunde a invasão do córtex cerebral pelo lixo lógico que deu origem a essa revolução cultural nos ano 60. Tom Zé recorre à fundamentos da filosofia, da história e até mesmo da neurologia, assessorado pelos estudos de Paulo Prado, Euclides da Cunha e Sérgio Buarque de Holanda que relacionam a origem mestiça e a confusão de influências com as características culturais e psicológicas do povo brasileiro, para explicar o nascimento da Tropicália.

Por ser Tom Zé, a tese é na mesma medida complicada, absurda e fascinante. Segundo ele, o cérebro humano aloja, no hipotálamo, o que é desprezado pelo raciocínio primário da região principal de nosso cérebro, o córtex. O contato com o pensamento lógico ocidental (sacramentada na figura de Aristóteles) iniciado na creche faz com que as crianças (analfatóteles, os analfabetos em Aristóteles) abandonem o raciocínio nativo, de origem moura, oriental, que se transforma em uma matéria cerebral latente, armazenada no depósito de lixo do hipotálamo. Porém, uma vez ou outra, esse lixo lógico toma o lugar que lhe era de direito e se funde com o que já estava lá.

A invasão do lixo lógico no caso da gênese tropicalista se deu quando Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros se debruçaram sobre a cultura popular nordestina (sem muita influência da escola ou de Aristóteles) a fim de dar novos rumos à arte que produziam. Essa volta ao ancestral foi justamente o que modernizou a cultura brasileira: “Saímos da idade média nacional/Diretamente para a era do pré-sal“, canta Tom Zé em Tropicalea Jacta Est. Em Tropicália Lixo Lógico as faixas que contam a história do movimento cultural se revezam com outras canções com um pouco menos de carga teórica. Mallu Magalhães participa em O Motobói e Maria Clara, uma singela canção sobre um motoqueiro, o trânsito e sua amada. Aviso aos Passageiros é a versão em canção dos avisos de segurança encontrados nos elevadores. NYC Subway Poetry Department, em inglês e com a participação de Rodrigo Amarante, segue a mesma linha.

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Durante todo o disco fica claro que Tom Zé continua sendo um dos maiores letristas da música brasileira, fazendo ótimo uso de referências eruditas e populares, nunca rasteiras ou inseridas de forma gratuita. Em Jucaju experimenta usando somente cinco silabas, como em um jogo de montar e recombinar poético. Já em A Terra, meus filhos o nosso planeta é pintado como uma mulher encantadora, singela, sofrida, e em certa medida, desprezível. Nas melodias ele mistura dodecafonismo, carimbó, baião, rock, bossa nova e outros gêneros em uma receita pouco clara e nada óbvia, mas com resultado incrível e único.

Uma importante informação aos desavisados que não tem muita familiaridade com as experimentações de Tom Zé: a cópia do disco que ouvem não está corrompida, ou o aparelho reprodutor não está com nenhum defeito. A maioria das faixas termina assim mesmo, meio “do nada”, seguidas de pequenas inserções abstratas vocais ou instrumentais. Ao final de cada faixa, nos deparamos com um corte seco e com abismo do silêncio. Mesmo quando fica claro que a intenção do artista era essa, as músicas sem fim trazem uma sensação estranha, de coito interrompido, já que cortes foram feitos em momentos onde as músicas pareciam ainda ter muito o que mostrar.

Mas a escolha pelo término abrupto também tem certa funcionalidade e condiz com a tradição musical e artística de Tom Zé: no momento que a melodia das faixas começa a se assentar nos ouvidos, tornando-se familiares, o fim repentino contraria o esperado e desperta a atenção de quem ouve, como um tapa, uma sacudida, fazendo que toda a atenção se volte novamente para o disco e a faixa seguinte. Tom Zé não quer ser música ambiente. Como a edição revolucionária e fora do padrão da Nouvelle vague, a escolha ousada pode não agradar a qualquer um, mas é mais uma mostra da capacidade criativa e o gênio sem fim do artista. Tropicália Lixo Lógico é prova que Tom Zé, mesmo com seus 50 anos de carreira, continua sendo hoje um dos artistas mais inovadores da música brasileira. Que ele sirva para instigar os novos artistas e inspirar um novo momento na música brasileira, a “segunda vinda” profetizada por Tom Zé no fim do disco.

Tropicália Lixo Lógico (2012, Independente)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Novos Baianos, Caetano Veloso e Gilberto Gil
Ouça: Aviso aos Passageiros, Tropicalea Jacta Est e O Motobói e Maria Clara

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.