Disco: “Trovões a Me Atingir”, Jair Naves

/ Por: Cleber Facchi 17/02/2015

Jair Naves
Indie/Alternative/Brazilian
http://www.jairnaves.com.br/

Descrença, solidão, medo e morte; temas corriqueiros dentro do acervo poético de Jair Naves enquanto vocalista da extinta Ludovic, porém, um catálogo de experiências cada vez menos significativas no universo autoral que define a carreira solo do cantor. Se em 2006, quando apresentou o derradeiro Idioma Morto, Naves gritava a plenos pulmões, exaltando sentimentos e toda sua raiva em relação ao mês de janeiro – “o pior dos meses” -, curioso perceber no mesmo mês, data escolhida para o lançamento do segundo disco solo do músico, Trovões a Me Atingir (2015, Independente), uma completa oposição desse resultado.

Da capa iluminada aos arranjos suavizados, dos versos marcados pela esperança ao refrão vívido da faixa-título – “meu corpo volta a ter pulsação” -, difícil ignorar a transformação que define a presente obra do paulistano. Ainda que a melancolia tome conta de boa parte do trabalho, marca explícita nos instantes finais e respiros breves do registro, seria um erro não observar o conceito “sorridente” que sustenta a atual fase de Naves. As angústias e trovões – como indicado no título da obra -, ainda atingem o compositor, por todos os lados, entretanto o nítido senso de superação parece maior, raro quando voltamos os ouvidos para o contexto macambúzio do ainda recente E Você Se Sente Numa Cela Escura… (2012).

Diferente de outros registros individuais, ou mesmo da postura melancólica assumida desde a estreia com Servil (2004), quando atuava como vocalista/líder da Ludovic, durante todo o percurso, Naves se concentra na exaltação ao amor, crença e aspectos positivos da vida adulta. Doses amargas de sobriedade ainda são evidentes, contudo, ao buscar apoio em versos como “Minha solidão tem fim para mim, isso basta” e “Desejo assim eu nunca, nunca vi“, logo no começo do álbum, a direção assumida pelo artista passa a ser outra. Não seria um erro interpretar o novo trabalho de Naves como a obra mais esperançosa e feliz do cantor.

Tamanha alteração – lírica e principalmente instrumental – reforça um natural aspecto de renovação (ou ineditismo) quando comparado ao curto acervo do paulistano. Se em 2012 parecia fácil encaixar o primeiro registro solo de Naves em uma estrutura próxima ao trabalho de Joni Mitchell, The Walkmen e The Smiths, hoje, o senso de identidade e reforço criativo preenche toda a obra do músico. Ao lado de Renato Ribeiro (violão e guitarra), Thiago Babalu (bateria), Felipe Faraco (teclados) e Rafael Findans (baixo), Naves brinca com as possibilidades, conquistando um território musicalmente amplo, passagem livre para a interferência de convidados como Beto Mejía (Móveis Coloniais de Acaju), Camila Zamith (Sexy Fi) e Guizado.

Ainda assim, percorrer a estrutura que sustenta o disco está longe de parecer uma experiência marcada pela segurança e plena celebração. Durante boa parte do registro, a melancolia de Naves força o ouvinte a tropeçar em fragmentos dolorosos, marcados pela frieza. Recortes ou talvez migalhas poéticas do trabalho anterior. São versos intimistas, entristecidos, como a sequência reforçada em Trem descarrilhado (“Vendo o mundo a ruir / Para onde eu eu devo ir?“) e B. (“Ao avistar você, amor, eu soube que iria me perder“), esta última, completa pela voz da convidada Bárbara Eugênia.

Distante do registro que o antecede, Trovões a Me Atingir sustenta na fluidez versátil dos arranjos e versos (por vezes) íntimos do pop-rock o grande acerto de Naves. Trata-se de uma obra marcada pela entrega, uma exposição do mesmo artista intenso, cênico, que cresce nas apresentações ao vivo do cantor – seja em performances recentes ou em memórias da Ludovic. Acomodado em meio a confissões partilhadas, Naves escapa de uma obra marcada pelo isolamento, reforçando na honestidade dos versos um registro de amplo interpretação, desprovido de possíveis bloqueios e, pela primeira vez, íntimo de qualquer ouvinte.

 

Trovões a Me Atingir (2015, Independente)

Nota: 8.6
Para quem gosta de: Lupe de Lupe, Pélico e Nvblado
Ouça: 5/4 (Trovões Vêm Me Atingir), B. e Deixe / Force

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.