Disco: “Unrest”, Single Parents

/ Por: Cleber Facchi 14/03/2012

Single Parents
Brazilian/Alternative/Indie Rock
http://www.singleparents.com.br/

Por: Cleber Facchi

Houve um tempo, antes do apogeu da internet, que fazer rock alternativo no Brasil era atividade para poucos e fortes. Sem o apoio das gravadoras e longe das facilidades que as redes sociais proporcionam hoje, assumir a frente de qualquer trabalho do gênero era atividade para indivíduos corajosos, personagens de vida dupla que se trancavam es escritórios durante o dia para empunhar guitarras firmes durante a noite. Desse panorama vieram algumas das mais importantes bandas que a década de 1990 pode proporcionar, nomes como Astromato, Pelvs, brincando de deus, Grenade e Valv, grupos capazes de produzir um som que mesmo restrito a um público mínimo, faziam isso com empenho, destreza e vivacidade, característica que talvez falte para muitas das iniciantes bandas que nascem (e morrem) diariamente por todo o país. Artistas indispostos de vontade.

Em meio a tantos projetos redundantes, que insistem em beber pretensiosamente das mesmas fontes desses veteranos, estranho perceber o quanto a paulistana Single Parents mantém um aspecto de distinção em meio ao cenário nacional. Das guitarras sujas de Fernando Dotta, passando pela bateria competente de Rafael Farah ao baixo não óbvio de Anderson Lima, todas as faixas do recente Unrest (2012, Trama/Popfuzz) parecem partilhar honestamente das mesmas experiências e sensações que os veteranos da cena brasileira transpiravam em seus trabalhos. Seria apenas reflexo de uma tríade de instrumentistas habilidosos que cresceram ao som de Dinosaur Jr e Sonic Youth ou um retrato de três jovens verdadeiramente apaixonados pelo que fazem?

Não é preciso passar da primeira faixa do álbum – Beginning Of Your Rage – para perceber que a segunda alternativa é a que soa mais real e condizente com toda a destreza repassada pelo grupo ao longo do trabalho. Nada de redundâncias ou ensinamentos reaproveitados de artistas de longa data. No decorrer de 13 faixas a trinca paulistana mostra que para além de uma fórmula e de uma educação musical partilhada – quantos não são os artistas brasileiros que se agarram nas mesmas referências da banda? – vontade ainda é atributo essencial para a produção de um registro intenso e que se desapegue do básico. E é com essa vontade que a banda nos prende até o ecoar da última nota do disco.

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Mesclando crueza com melodias acessíveis, o trio vai até o shoegaze rock da década de 1980, flerta com a cena alternativa dos anos 90, traz um pouco da jovialidade do rock indie da década passada e ainda condensa tudo em uma fórmula acelerada e intensa. Com letras melancolicamente enquadradas (dialogando de maneira competente com a estrutura instrumental do álbum), o grupo edifica um registro sério, mas que em nenhum momento barra o tom jovial que passeia por entre as pequenas frestas do trabalho. Há, dessa forma, a apresentação de um tratado maduro e de espírito jovem, tornando a audição do registro doce e raivosa na mesma intensidade.

Não apenas centralizado no encontro dos três integrantes da banda, Unrest traz a força de diversos colaboradores. Dos vocais de Liege Milk (Loomer/Medialunas/Hangovers) no refrão de The Only Memory aos violinos de Kotono Sato (que já trabalhou ao lado de bandas como Gorillaz e Gnarls Barkley), parte da beleza que se manifesta no trabalho vem do constante cruzamento de inúmeros personagens musicais. Há também a captação analógica (o disco foi todo gravado no estúdio nova-iorquino The Seaside Lounge), que garante ao álbum a atmosfera levemente caseira e, claro, mais uma dose de aproximação com os veteranos da cena nacional, que vez ou outra surgem para guiar a tríade na condução do álbum.

Unrest é um disco com cara de clássico, e como bom trabalho do gênero talvez não tenha seu real valor compreendido agora. Entretanto, enquanto o disco não se materializa em um tratado essencial para os representantes da próximo geração, muito pode ser aproveitado do eficiente registro, que tem praticamente todas as 13 músicas – inclusive a versão acústica (e escondida) de Beginning Of Your Rage – adequadas de maneira se transformar em hits vendáveis e hipnóticos. Se faltava esforço (e vontade) aos partidários desse mesmo tipo de som, talvez seja por que todo esse empenho tenha se acumulado justamente dentro da estreia do Single Parents.

Unrest (2012, Trama/Popfuzz)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Loomer, Lautmusik e This Lonely Crowd
Ouça: Beginning Of Your Rage, Daydreaming e The Only Memory

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.