Disco: “Until the Quiet Comes”, Flying Lotus

/ Por: Cleber Facchi 26/09/2012

Flying Lotus
Experimental/Electronic/Hip-Hop
http://flying-lotus.com/

Por: Gabriel Picanço

Flying Lotus

Estudioso de todos os campos, artistas e pessoas comuns sempre foram fascinados pelo poder dos sonhos. Ainda que sejam um fenômeno universal, existem inúmeras teorias sobre eles, mas poucas respostas concretas. O que todo mundo sabe é que eles podem nos levar a lugares muito mais interessantes do que a realidade. Por isso, não é de hoje que artistas plásticos, cineastas e músicos têm nos sonhos a principal fonte de inspiração para suas obras, ou então buscam incessantemente produzir algo que se aproxime do que é sentindo em um sonho. A mutação de cores e formas, a diferença sensível de gravidade, a elasticidade do tempo e do espaço. Isso tudo é impossível de se reproduzir no “mundo acordado”, mas alguns conseguem chegar bem perto.

Pode ser que Steven Ellison não seja somente um artista onírico ou surrealista, mas fica claro que a sua imaginação transcende em muito o estado lógico e comum. É bem fácil de sentir-se dentro de um sonho ao ouvirmos a música de Flying Lotus. Em um sonho agradável, é claro. O produtor de Los Angeles constrói em Until the Quiet Comes ambientes repletos de sensações em notas musicais flutuantes e leves, com texturas suaves e espaciais. Elementos sonoros dispersos, mas que não passam a sensação de desarrumação ou caos. São mais como partículas que flutuam sutilmente em cada faixa, ignorando a gravidade. O disco é acima de tudo uma grande e gostosa viajem. Cada detalhe é único e essencial, até mesmo nos momentos mais experimentais.

Em Until the Quiet Comes, as faixas (quase sempre de curta duração) se ligam umas as outras, o que torna o disco uma obra feita para ser experimentada em sua totalidade, sem pulos, ainda que alguns momentos funcionem perfeitamente para serem lançados como singles, a exemplo de Putty Boy Strut, com claps marcantes e vozes que parecem sintetizadores (ou sintetizadores que parecem vozes?). A faixa que abre o disco, All In, com percussão viva e arranjo cintilante e etéreo, nos lembra que FlyLo é bem mais que um mero produtor de música eletrônica, mas sim um talentoso compositor que bebe de diferentes fontes e une de maneira única elementos de estilos como o hip hop de J Dilla, o seu mestre máximo, trip hop, e uma grande dose de jazz (apenas lembrando que Ellison é sobrinho neto da pianista Alice Coltrane, que de quebra era esposa de ninguém menos que John Coltrane).

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Quem já está minimamente familiarizado com o som de Flyng Lotus, principalmente com a sua produção partir do album Los Angeles, já não precisa recorrer a ficha técnica para identificar as faixas em que o baixista Thundercat participa. Ainda que a colaboração do músico só esteja assinalada na faixa DMT Song, graças à contribuição vocal na mesma, o baixo free-jazz inconfundível de Thundercat já é marca fundamental da música de Flyng Lotus. Outra parceria repetida com sucesso no novo disco é com Thom Yorke, na faixa Electric Candyman. A verdade é que a participação do líder do Radiohead não é facilmente reconhecível nessa faixa, mas isso assinala outro grande acerto de FlyLo em Until The Quiet Comes: todos as partes vocais foram inseridas sutilmente, sem se sobrepor sobre os outros elementos instrumentais, conferindo bastante coesão e harmonia as faixas.

Mesmo não se prendendo somente as batidas quebradas, o produtor consegue produzir algumas das melhores bases de hip hop da atualidade, a exemplo de Getting There, ou Sultans Request, uma pequena faixa com grave mais proeminente onde FlyLo exibe sua maestria em manipular os sons. Mas ele esbanja preciosismo e detalhismo principalmente nas faixas onde as batidas estão quase ou completamente ausentes. A linda Hunger, com participação brilhante de Niki Randa, composta somente por um emaranhado de instrumentos de cordas e, mais uma vez, o baixo incomparável de Thundercat, faz com que o disco atinja um nivel de pungência e sensibilidade incrível, que continua em Phantasm. Essa parte mais dormente, já quase ao fim do disco, apesar do aparente torpor, não tira a atenção e prova que FlyLo é capaz de causar arrebatamento mesmo sem beats grandiosos e elaborados.

Momentos como esse são a prova da versatilidade de FlyLo e o deixam muitíssimo a frente da enorme maioria de produtores de hip hop e música eletrônica da atualidade. Em Yesterday//Corded as batidas quebradas e os sintetizadores espaciais voltam e se mesclam ao sonho musical de Until The Quiet Comes, que tem fim na ruidosa faixa Dream to Me. Mais maduro e consciente do trabalho impar que realiza, o conforto de Flying Lotus transparece na leveza e a certa dose de mistério que percorrem todo o disco. O produtor não apenas continua a sua tradição de grandes discos como se estabelece em um patamar altíssimo. Se antes alguns apontavam as semelhanças de seus trabalhos com J Dilla ou Aphex Twin, agora a sua produção soa totalmente original e digna de se tornar referência, inspiração e, porque não, objeto de culto para outros artistas.

Flying Lotus

Until the Quiet Comes (2012, )

Nota: 9.0
Para quem gosta de: J Dilla, Thundercat e Aphex Twin
Ouça: Putty Boy Strut, Until the Colours Come e Only if You Wanna

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.