Disco: “Vamos Pro Quarto”, Cérebro Eletrônico

/ Por: Cleber Facchi 19/09/2013

Cérebro Eletrônico
Brazilian/Psychedelic/Experimental
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Por: Cleber Facchi

Cérebro Eletrônico

Seus pais, provavelmente, devem ter alertado para não andar com estranhos, sempre dizer não às drogas e manter o controle – físico e emocional – em todas as situações possíveis, correto? Ainda bem que os membros da banda Cérebro Eletrônico resolveram ignorar sumariamente essas indicações. De volta ao cenário lisérgico e cada vez mais excêntrico que acompanha a produção do grupo, o quinteto paulistano estreita os laços com a cidade cinza e os exageros instrumentais para embarcar em mais um passeio urbano-musical, agora, marcado de forma expressiva pela experimentação. Fuga da realidade, abusos e confissões são algumas das marcas de Vamos Pro Quarto (2013, Independente), quarto álbum de estúdio da banda e, possivelmente, uma ruptura em se tratando da estética regressa do grupo.

Depois de fundir cuidadosamente elementos orgânicos e eletrônicos (Onda Híbrida Ressonante), flertar com o bucolismo (Pareço Moderno) e abraçar a poesia urbana (Deus e o Diabo No Liquidificador), a Cérebro Eletrônico quer ser tudo ao mesmo tempo, e quer isso agora. Esqueça o que parece enquadrado como linear dentro do cenário paulistano recente. Ao pisar no território colorido e ainda assim sombrio do novo disco, cada composição assume a tarefa individual e quase confessa de desestabilizar o ouvinte. Não há sustento, paredes próximas ou qualquer objeto aparente para ser agarrado, tudo flutua no inconsciente exposto musicalmente pela banda.

Enquanto em Deus e o Diabo… o grupo sustentava os versos e melodias da dupla Tatá Aeroplano e Fernando Maranho dentro de um exercício constante de aproximação, homogêneo por essência, hoje, nada disso parece ter sobrevivido. Intencionalmente ou não, o exercício tira, mais uma vez, o grupo de qualquer possível estágio de conforto, submetendo o ouvinte a mais um jogo de canções marcadas de forma torta pela imprevisibilidade. Se há pouco menos de um ano o vocalista estreava o primeiro registro solo, manifestando um efeito que parecia ocultar princípios e até canções de beleza maior, ao ouvir o presente registro fica mais do que entendido onde foi que Aeroplano escondeu a cereja do bolo, ou melhor, as cerejas.

Estranho observar que o álbum atenda pelo nome de “Vamos Pro Quarto”, quando ir para a rua parece ser sentido direto de cada nova composição. Passeio drogado pelas ruas de São Paulo, o disco estica carreiras, inala o perfume das prostitutas e leva bofetadas na cara como um típico cidadão boêmio. “Viva os pássaros/ Da Boemia/ Pássaros da estrada/ Pássaros Poesia”, exalta o anestesiado vocalista logo na abertura do registro. Tendo na capital paulista o principal alicerce, o álbum ultrapassa os limites do Baixo Augusta, cai nas festas da Voodoo Hop (Egyptian Birinights) e até brinca de resgatar a vanguarda paulista em A Internet Parou, canção fracionada entre os membros da banda, mas que bem poderia ser encontrada no clássico Clara Crocodilo (1980), de Arrigo Barnabé. Sobra até para um rápido mergulho pela obra da Jumbo Elektro, na embromada Oh! My Lou, além de um toque fino de Secos e Molhados no misticismo delicado de Libertem os Faunos.

Dentre os principais atributos que caracterizam a obra do Cérebro Eletrônico, não apenas a presente, a capacidade em transformar versos simples em engenhos líricos grandiosos se mantém como a mais intensa e relevante. “A internet parou”, “Não Bateu Nosso Santo” e “Água que passarinho não bebe” são algumas das expressões cotidianas, possivelmente rasas nas mãos de outros artistas, mas que se convertem em mecanismos poéticos ousados nas mãos do grupo. Pop, sem parecer descartável ou apenas palavra e som trabalhados em verdadeira simbiose. Basta analisar com atenção Tristeza Retrô, composição que mesmo orquestrada em versos limitados – “Eu já fui triste/ Mas muito triste/ Hoje eu sou mais” – carrega o ouvinte por mais de cinco minutos sem parecer desgastada ou redundante. O “simples“, como os versos de , Pareço Moderno e Cama já alertavam, são apenas um princípio para algo maior.

Partindo da escolha em ilustrar o álbum com O Jardim das Delícias Terrenas, obra de 1504 do holandês Hieronymus Bosch, a banda praticamente assume ao ouvinte suas intenções com o novo disco logo na capa. É como se o quinteto simplesmente transportasse ao presente toda a fluidez mística/erótica concentrada no eixo central da tela. Dividida em três atos, o material revela nas asas laterais representações visuais do céu e do inferno, mantendo ao centro, uma orgia carregada pelas cores e exageros. Em um esforço de provocação talvez maior do que a própria tela de Bosch está Vamos Pro Quarto, obra que sustenta o que há de mais libertino nas sensações humanas. Céu ou inferno, nada disso importa, afinal, como regem os versos do novo álbum, a Cérebro Eletrônico parece encarar qualquer destino em um estágio ausente de preocupação e busca constante pelos prazeres mundanos.

 

Cérebro Eletrônico

Vamos Pro Quarto (2013, Independente)

Nota: 8.4
Para quem gosta de: Supercordas, Cidadão Instigado e Tatá Aeroplano
Ouça: Não Bateu Nosso Santo, A Internet Parou e Canibais Ancestrais

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.