Disco: “Vazio Tropical”, Wado

/ Por: Cleber Facchi 12/06/2013

Wado
Brazilian/Indie/Alternative
http://wado.com.br/

Por: Cleber Facchi

Wado

A busca por trabalhos desenvolvidos em cima de temáticas e conceitos bem definidos sempre foi a base ou pelo menos um princípio para os registros de Wado. Catarinense situado no Alagoas, o artista trouxe no manuseio das transformações específicas – líricas ou instrumentais – a base para cada um de seus projetos, um catálogo que já acumula seis exemplares de pleno invento para a música nacional. Seja a herança negra em Atlântico Negro (2009), os ritmos periféricos que deram vida ao dançante Terceiro Mundo Festivo (2008), ou mesmo os acertos eletrônicos que alimentaram a modernização de Samba 808 (2011), cada álbum assinado pelo músico dança livremente por estilos em apego temporário. Estranho que ao alcançar Vazio Tropical (2013, Oi Música), o músico pareça inclinado a se distanciar do mesmo propósito.

Espécie de regresso e também afastamento involuntário aos lançamentos prévios do músico, o novo álbum de Wado – quarto sem a banda de apoio, O Realismo Fantástico -, navega pelo passado com um toque inevitável de presente. Extensão menos sintética do que alcançou em 2011, o registro surge como um trabalho quase “desplugado”, traduzindo no aspecto moroso dos sons a premissa para um álbum de razões bucólicas, plenamente sutis. Tratado em cima de acordes simples de violão, harmonias controladas de piano e pontos de percussão administrados de forma precisa, o disco traz no recolhimento natural o talvez conceito que há tempos projeta a atuação do cantor. Contudo, longe de uma fórmula, com o atual lançamento o artista flutua pelos sons, como se buscasse experimentar durante o tempo, porém com parcimônia.

Com produção assinada por Marcelo Camelo, o disco traça uma inevitável relação com as ambientações testadas pelo músico carioca em Toque Dela (2011). São arranjos de guitarras bastante similares em Rosa, o uso de instrumentos de sopro na projeção de Flores do Bem e até guitarras aproximadas em Tão Feliz, música que inclusive conta com a presença vocal de Camelo e carrega emanações capazes de esbarrar na essência do Hurtmold. Entretanto, Vazio Tropical é incontestavelmente um disco de Wado, que durante todo o tempo aprimora a relação com os versos políticos (em Primavera Árabe e Cidade Grande) e discorre sobre o amor dentro de uma linguagem particular  (em Rosa), expandindo o que foi iniciado no trabalho passado.

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Ponto de recomeço, o álbum traz na sutileza dos arranjos e vocais um perfume natural de descoberta. Muito próximo de Lucas Santtana no resultado exposto em Sem Nostalgia (2009), Wado revisita a MPB da década de 1970 como quem coleciona melodias e pequenos acréscimos para a obra. Por todos os cantos do trabalho se escondem instrumentais brandos, mas de agitação poética, matéria similar ao proposto por Morais Moreira no clássico Acabou Chorare (1972). Até os instantes mais românticos de Paulinho da Viola (pós-Dança da Solidão) borbulham vez ou outra, principalmente na maneira como Zelo e Rosa são arquitetadas com timidez e confissão. É dentro dessa desenvoltura tímida que Camelo aparece, amarrando as canções dentro de forte aproximação e lembrando em diversos aspectos a tonalidade em Sou (2008), primeiro disco solo do ex-Los Hermanos.

Tratado como um novo registro solo, Vazio Tropical nada mais é do que um pedaço da relação que o catarinense, Momo, Cícero e Camelo parecem moldar em conjunto. Registro irmão do sombrio Cadafalso (2013), quase continuação de Toque Dela e talvez uma previsão do sucessor de Canções de Apartamento (2011), a obra traz na relação com os colaboradores uma evolução do que foi apresentado há dois anos. Enquanto Samba 808 brincava com as vozes e sons em uma medida heterogênea, hoje Wado valoriza o oposto, trazendo na relação com os visitantes um proposito de homogeneidade para o disco. Ainda que a presença de cada colaborador deixe marcas visíveis – principalmente Cícero -, o álbum nunca foge à lógica original, se abrigando em uma morada delicada e de limites bem definidos.

Ao mesmo tempo em que dissolve a poesia da obra com metáforas convincentes – resultado visível na construção de Quarto Sem Porta e Cais Abandonado -, Wado e os parceiros apostam na simplicidade como o principal condimento lírico para o trabalho. “Os olhos dela ensinam estrelas a brilhar/ Vai doer/ Os braços dela ensinam ondas a quebrar/ Vai doer mais depois vai passar” arrasta o músico em um simples, porém, convincente término de relacionamento exposto em Rosa, um dos pequenos exemplares da poesia cativante que o música administra pela obra. Não apenas ao expor os sentimentos temos o esforço dos compositores, efeito que percorre de forma criativa no grito de liberdade em Primavera Árabe (“Arranco a burca e beijo a boca/ Espero as pedras e hematomas”), no universo particular de Cantos dos Insetos ou mesmo na faixa de abertura, a cotidiana e crítica Cidade Grande.

Inicialmente distinto em relação ao universo prévio de Wado e já acusado como uma extensão da obra de Marcelo Camelo, Vazio Tropical talvez seja o disco que mais se aproxima dos lançamentos anteriores do músico. Do romantismo tímido que revive em instantes músicas como Frágil e Vai Ver, ao manuseio simples que resgata o samba encaixado em toda a discografia do músico, o álbum se sustenta como um olhar tímido para o passado – o que talvez assuste os habituados aos sons tropicais do cantor, principalmente o que foi entregue pós-Terceiro Mundo Festivo. Ainda assim, Wado não foge à regra, tratando do registro com confissões tão próximas, que mais parecem nossas.

Wado

Vazio Tropical (2013, Oi Música)

Nota: 9.2
Para quem gosta de: Marcelo Camelo, Lucas Santtana e Cícero
Ouça: Rosa, Canto dos Insetos e Cidade Grande

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.