Disco: “Vista Pro Mar”, Silva

/ Por: Cleber Facchi 18/03/2014

Silva
Indie/Synthpop/Electronic
http://silva.tv/

Por: Cleber Facchi

Silva

Bastam os instantes iniciais de Vista Pro Mar (2014, Slap), segundo álbum de estúdio do capixaba Silva, para perceber que os rumos do artista agora são outros. “Eu sou de remar/ Sou de insistir/ Mesmo que sozinho”. Como bem entregam os versos da autointitulada faixa de abertura, o cantor e compositor contorna a própria timidez do álbum de estreia, Claridão (2012), em busca de uma sonoridade abrangente, ainda que intimista e naturalmente particular. Um eco entre a melancolia (agora ensolarada) e o constante diálogo com o público, exercício que ultrapassa os limites da poesia sorumbática, mergulha nos arranjos versáteis e cresce como um genuíno cardápio da música pop.

Como já havia confessado em entrevista, “Vista Pro Mar foi feito num momento diferente”, trata-se de um trabalho que nasceu na “Flórida com dias ensolarados, numa piscina, de férias, vendo gente bonita, ouvindo Poolside, João Donato, Cashmere Cat e Frank Ocean”. Dentro desse novo conjunto de referências, Silva apresenta ao público um álbum que emula sensações litorâneas, premissa instalada nos samples de ondas e ruídos praianos que preenchem todo o álbum. Veranil, o disco usa dessa mesma sensação nostálgica como um mecanismo de composição para as faixas. Um estágio permanente que se divide entre a calmaria atual e a sensação de despedida que aos poucos se aproxima e rege a ambientação lírica das faixas.

Por vezes contradizendo o estágio de euforia anunciado pelo próprio criador, o novo álbum se apresenta como um mosaico de delicadas sensações – algumas felizes, outras naturalmente tristes. Um trabalho que sorri de forma evidente, mas amarga (de maneira quase inevitável) a futura separação. A julgar pelo detalhamento de faixas como Entardecer e É Preciso Dizer, Vista Pro Mar se faz como um trabalho marcado de forma expressiva pelo isolamento do músico. Gravado em Portugal, o disco não esconde a sensação de “última semana de férias”, como se o músico desfrutasse de todas as mordomias – sentimentais e físicas -, mas avistasse de perto o fim desse ambiente sabático.

Silva

Ainda que entristecido em diversos aspectos instrumentais e líricos, o presente álbum mantém firme o toque esperançoso que orquestra os sentimentos do cantor. Enquanto Claridão se revelava como um trabalho consumido pela saudade (Moletom), descrença (Cansei) e até uma estranha aceitação da morte (2012), Vista Pro Mar contorna a melancolia e suspira doces percepções. Basta a carga de sentimentos entusiasmados no interior de Janeiro (“A gente pode sem medo/ Se pertencer/ O amor é cego, mas hoje/ Eu posso ver tão bem”) para perceber que os rumos aqui são outros. Há tristeza (Volta) e constante amargura (É Preciso Dizer), mas a vontade de seguir em frente parece ainda maior.

Mais uma vez atento ao que rege a cena alternativa, Silva passeia pela obra de uma centena de outros artistas sem perder a imposição autoral dos próprios arranjos. Enquanto Universo cai nas soluções artesanais da Chillwave, Volta olha com atenção para a eletrônica recente, se acomodando em batidas pontuais e um catálogo de samples rústicos, quase caseiros. Há também a interferência doce de Fernanda Takai, no dueto Okinawa, uma natural aproximação do músico com o espírito dos anos 1980. Sobram ainda passagens pela obra de Youth Lagoon (É Preciso Dizer), Blood Orange (Capuba) e ambientações típicas do capixaba, como em Janeiro, uma expansão abrangente dos inventos testados há dois anos. A real beleza do disco talvez se manifeste de forma ainda mais atrativa nos experimentos, arquitetura explícita na bossa nova de Ainda e até no pop “convencional” da música Disco Novo.

Dominado pela explícita sensação de crescimento, Vista Pro Mar é um trabalho que aponta para novos públicos e tendências sem necessariamente excluir o que foi conquistado em Claridão. O domínio de Silva sobre as próprias experiências, dramas e paixões rege com simplicidade a atmosfera doce do trabalho, um disco que mesmo íntimo de uma série de conceitos complexos e distantes das redundâncias típicas do pop, em nenhum momento exclui a comunicação direta com o ouvinte. Há invento, desconstrução e certa dose de isolamento, mas, acima de tudo, um conjunto aberto de canções a serem visitadas com plena satisfação.

 

Silva

Vista Pro Mar (2014, Slap)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Mahmundi, Marcelo Jeneci e Castello Branco
Ouça: Janeiro, Universo e Disco Novo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.