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Críticas

Björk

: "Vulnicura"

Ano: 2015

Selo: One Little Indian

Gênero: Experimental, Eletrônica

Para quem gosta de: FKA Twigs, Kate Bush

Ouça: Atom Dance, Lionsong

8.8
8.8

Disco: “Vulnicura”, Björk

Ano: 2015

Selo: One Little Indian

Gênero: Experimental, Eletrônica

Para quem gosta de: FKA Twigs, Kate Bush

Ouça: Atom Dance, Lionsong

/ Por: Cleber Facchi 27/01/2015

O sofrimento sempre esteve diluído em cada novo registro de Björk. Seja de forma maquiada, dentro dos limites anárquicos do KUKL, ou de maneira explícita, na melancolia confessional de Unravel e All Is Full Of Love, mergulhar nos trabalhos da artista islandesa é o mesmo que sufocar em meio a tormentos sentimentais tão centrados na vida da compositora, como íntimos do próprio ouvinte. Todavia, mesmo a completa previsibilidade dos atos e emoções parece corrompida ao esbarrar nos versos amargos de Vulnicura (2014, One Little Indian). Uma peça ainda marcada pelo mesmo caráter conceitual/temático dos grandes álbuns de Björk, porém, tão honesta e liricamente explícita, que mais parece uma curva isolada dentro da trajetória da cantora.

Como um espinho doloroso, incômodo e que precisa ser arrancado, o nono álbum de estúdio de Björk foi posto para fora em pouquíssimos meses. Do anúncio (não oficial), em setembro de 2014, até o lançamento da obra, em janeiro de 2015 – forçado pelo vazamento precoce do trabalho na internet -, foram pouco mais de quatro meses, um prazo curto dentro dos padrões da cantora – em extensa turnê desde o álbum Biophilia, em 2011. O motivo de tamanha urgência? A separação de Björk e Matthew Barney, parceiro da cantora na última década e o principal tempero para a matéria-prima que explode em soluços angustiados por todo o registro.

Longe das batidas tribais lançadas em Volta (2007) ou do minimalismo eletrônico apresentado em Biophilia (2011), Vulnicura se projeta como um trabalho denso e sensível. A julgar pelo arranjo de cordas que abre o disco em Stonemilker, todo o esforço de Arca, produtor central da obra, se concentra em resgatar o mesmo clima doloroso aprimorado pela cantora a partir do clássico Post, em 1995. Batidas arrastadas, bases orquestrais e arranjos eletrônicos corroídos pela tristeza; mais do que uma simples obra de separação, Björk assume ao longo do trabalho o exorcismo dos próprios sentimentos. Uma continua extração de cada farpa, dor e tormento acumulado nos últimos anos.

Todo esse efeito doloroso resulta em uma obra hermética, como se um mesmo tema – a separação de Björk e Matthew Barney – fosse fragmentado em detalhados atos específicos. Não por acaso, diversas canções ao longo do álbum ultrapassam os limites típicos de uma música “comercial”. Faixas como Atom Dance e Family – esta última, produzida por The Haxan Cloak -, com mais de oito minutos de duração, ou mesmo a extensa Black Lake, dez instáveis minutos em que os vocais de Björk são moldados lentamente dentro do vasto campo eletrônico da composição.

Por falar na voz da cantora, interessante observar um maior estágio de liberdade por parte de Björk em relação aos dois últimos álbuns de estúdio. Livre dos atos marcados de Biophillia, a islandesa parece replicar os mesmos acertos conquistados na fase Homogenic (1997) ou qualquer disco ao vivo entregue na última década. Mesmo a interpretação da voz como “instrumento” em Medúlla (2004) parece limitada frente ao posicionamento grandioso de Lionsong e qualquer outra canção “operística” do álbum. Vulnicura estabelece um ato ainda maior em Atom Dance, faixa em que Björk concede espaço para a delicada interferência de Antony Hegarty (Antony and the Johnsons), sustentando mais de oito minutos de pura dor e, ao mesmo tempo, leveza.

Oposto ao trabalho de Cat Power em Sun (2012) ou Lykke Li com I Never Lern (2014), Vulnicura parece montada de forma distinta quando comparado a qualquer obra recente de separação. Trata-se de um registro esquivo da construção de singles, imediata absorção ou mesmo faixas de maior apelo comercial, fixando na amargura e honestidade dos versos o principal componente do trabalho. Mesmo “isolada”, curioso notar como a cantora estabelece uma doce sensação de conforto ao longo do disco, um misto constante de dor e acolhimento.

Sentimentalmente fragmentada durante toda a obra, espalhada em pequenos cacos emocionais, Björk tenta remontar a imagem forte (e talvez esquecida) de si própria, transformando os versos da derradeira Quicksand em um resumo involuntário não apenas sobre o trabalho, mas sobre ela mesma: “Quando eu estou quebrada, estou completa / E quando estou completa, estou quebrada“.

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.