Disco: “Yeezus”, Kanye West

/ Por: Cleber Facchi 19/06/2013

Kanye West
Hip-Hop/Rap/Electronic
http://kanyewest.com/

Por: Cleber Facchi

Kanye West

Kanye West é deus em um paraíso que ele próprio construiu. Com mais de 15 anos de carreira e um catálogo mínimo perante a maioria dos rappers – cinco registros em estúdio e dois projetos em colaboração -, o artista trouxe nos próprios exageros e imensas egotrips a base para algumas das obras mais importantes do Rap atual. São as orquestrações de The College Dropout (2004) e Late Registration (2005), o pop eletrônico de Graduation (2007) e a dor exposta em 808s & Heartbreak (2008) até alcançar o misto de delírio e invenção que toma conta de My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010). Uma carreira que rompe naturalmente com os limites do Hip-Hop, forçando West a crescer e morrer para ressuscitar em Yeezus (2013, Def Jam), sexto registro solo e, de forma bastante nítida, um recomeço para o artista e o público.

Irônico (ou seria insano?), o artista desfila pelo novo álbum em uma medida raivosa e que praticamente força o ouvinte a se desprender do que foi revelado anteriormente. Ainda que a valorização das batidas sintéticas e a forma como os samples são explorados reforcem a relação imposta em Graduation, a cada passo dado pelo disco West mostra que os rumos e propostas são outras, imprevisíveis. Por vezes circundado pela massa de ruídos impostos pelo Brostep, dançando pela música Industrial e reforçando aspectos raros, porém típicos da Dancehall, o rapper encontra nas batidas de moldes experimentais o percurso para um registro que lentamente se afasta dele próprio para observar o todo. West pode até ser deus, mas vive em um domínio longe de qualquer cenário paradisíaco e de pleno caos.

Pressionado pela própria relação com o Occupy Wall Street ou talvez pelo peso da paternidade, West se distancia bruscamente da própria imagem para descrever o cenário obscuro que o rodeia – uma imagem distorcida, presente e em plena decadência social. Não se trata mais do universo íntimo ou dos exageros egocêntricos do artista, mas algo que vai além do que foi trabalhado liricamente nos discos passados. Mesmo que faixas à exemplo de I Am A God (que ironicamente conta com a participação de Deus) destoem do propósito central do disco, músicas como New Slaves, Blood On The Leaves e Black Skinhead trazem de volta o registro ao eixo coletivo. É como se o rapper assumisse a mesma curva imposta em No Church in the Wild, parceria com Frank Ocean e Jay-Z no álbum Watch The Throne (2011), porém, dentro de uma estufa musical que se relaciona com os próprios exageros musicais que há tempos o acompanham.

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Curioso observar que mesmo de esforço conceitual e temática coletiva, Yeezus talvez seja a obra mais “solitária” de West. São apenas quatro colaborações – Chief Keef, Justin Vernon, Kid Cudi, King L – e um time fechado de produtores – incluem Hudson Mohawke, Daft Punk e RZA -, desempenho raro, ainda mais se observarmos o bloco de artistas que passeavam livremente por MBDTF. Com apenas 40 minutos de duração, o álbum traz no propósito intenso o principal combustível para o trabalho, disco que raramente se deixa respirar. Do momento em que tem início On Sight, passando pela aceleração de Black Skinhead até o bloco final de canções – bem delimitadas por Guilt Trip e Send It Up -, tudo é exposto de forma imediata, urgente, como se apenas a imagem de West e uma bateria eletrônica fosse visível durante todo o invento do registro.

Obra mais experimental do artista até aqui – tanto na forma como os versos são articulados, como na maneira qual os sons são expostos -, Yeezus parece se desprender de tudo o que o rapper testou previamente. Em alguns aspectos é possível aproximar o trabalho daquilo que os membros do Death Grips testaram com The Money Store (2012), principalmente quando observamos a angústia de Black Skinhead e a aceleração desgovernada de Send It Up. De esforço anárquico, o registro não permite em nenhum momento que o ouvinte assuma uma possível linearidade e segurança, visto que o percurso incorporado por Kanye durante toda a produção do álbum é irregular de forma intencional, quebrando bruscamente com o óbvio na maior parte do tempo.

É preciso observar que mesmo os limites tortos aproveitados durante o disco não excluem a possibilidade de que faixas “comerciais” brilhem desmedidas. Exemplo significativo disso está no manuseio dos samples e vozes femininas que ocupam Blood on the Leaves (com colagens de Strange Fruit, de Nina Simone) e Bound 2 (faixa que revive clássicos das décadas de 1950 e 1970, inclusive a música de mesmo nome interpretada pelo Ponderosa Twins Plus One). West parece atravessar um percurso instável, porém, jamais se distancia dos limites prévios que o ajudaram a esculpir toda a discografia. Fica a sensação de que as propriedades expostas em MBDTF foram sintetizada em uma versão compacta de pequenas alucinações épicas, uma década de lançamentos em um concentrado conceitualmente instável de 10 novas músicas.

Yeezus é naturalmente instável, excêntrico e justamente por isso genial. Trata-se de um típico trabalho de Kanye West, obra que mesmo previsível em estrutura e conceitos egocêntricos faz de cada faixa um princípio natural para a transformação. O rapper ainda é um gigante dentro da música pop, um dos poucos se levarmos em conta as vendagens – digitais e físicas – ou mesmo o impacto que o artista consegue causar em cada trabalho. Dentro desse universo de acertos particulares e pequenos milagres, quem deposita sua fé no semi-deus do rap norte-americano não deve custar a ter a graça atendida.

Kanye West

Yeezus (2013, Def Jam)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Jay-Z, Frank Ocean e Kid Cudi
Ouça: Black Skinhead, Blood on the Leaves e Send It Up

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.