Discografia Comentada: Au Revoir Simone

/ Por: Cleber Facchi 15/02/2011

Au Revoir Simone
Indie Pop/Synthpop/Female Vocalists
http://www.myspace.com/aurevoirsimone

Por: Cleber Facchi

Imagine a simplicidade e a beleza do Belle and Sebastian, mas expressa através de doses maciças de sintetizadores e batidas eletrônicas simplistas. Imagine agora Isobel Campbell multiplicada por três e escondida atrás de delicadas composições feitas à base de teclados e bateria eletrônica. Saiba então que isso existe, e se chama Au Revoir Simone, um trio de garotas vindas do Brooklyn e que desde 2003 tem impressionado o mundo através de suas criações adocicadas e suavemente melancólicas. Um som que apesar de eletrônico repassa um sentimento bucólico e de uma profundidade orgânica.

Heather D’Angelo, Érica Foster e Annie Hart são como três pássaros dotados de um canto delicado, desses que chegam para complementar aqueles passeios pelo bosque, despejando em nossos ouvidos sua suntuosa melodia. O que poderia se transformar em uma ideia minimalista e simples de mais, nas mãos dessas três garotas se converte em um fruto de criatividade excepcional. Cada faixa construída pela banda parece polvilhada em açúcar e acrescida de doses bem complementares de puro cuidado e delicadeza. Tudo bem, isso parece até um exagero, mas é difícil não esbarrar em adjetivos como “delicado”, “doce” e “minucioso” ao tentar descrever a sonoridade proposta pelo trio.

A sessão de delicadezas iniciada pela banda teve início com Verses of Comfort, Assurance & Salvation de 2005, um exercício de como conseguir conquistar o público com uma ternura impecável. O disco que conta apenas com oito faixas, cada uma de curtíssima duração, tem Through the Backyards como canção de abertura. As batidas abafadas de bateria eletrônica logo abrem para que o vocal tenro das garotas e seus suspiros descompromissados possam ambientar o ouvinte e transportá-lo para dentro de um universo de tons pastel e um sentimento de quase embriaguez.

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O leitor mais interessado em uma sonoridade “pesada” já deve ter visto que o Au Revoir Simone não tem nada a fornecer a ele, então se arrisque a ouvir fixas como Hurricanes, com as três garotas cantando em coro e as batidas levemente dançantes ao fundo. Tudo bem que o som delas não tem nada a ver com seu estilo, encare então como uma fuga, uma alternativa a sonoridade que lhe é de interesse. Por mais que as canções do trio pareçam delicadas demais na primeira audição, logo vai ser difícil não, nem que esporadicamente suas canções. É como passar a vida inteira bebendo café sem conhecer açúcar. Um dia você descobre o quão bem casa o amargo do café com a doçura do tempero e nunca mais abandona a mistura. Com o som dessas garotas é o mesmo.

Faixas como The Disco Song em que o trio se vale de solinhos são os momentos onde os melhores acertos se tornam visíveis, além do charme e da graça nas composições o trio mostra que também sabe se utilizar do instrumento com propriedade. Mesmo nos momentos mais minimalistas do disco como Back in Time as garotas chegam o tempo todo com algum pequeno detalhe, provando não serem apenas especialistas em tocar o sentimento das pessoas (o que já é muita coisa), mas também são ótimas na criação de suas texturas e no desenvolvimento do acorde das canções.

Talvez o mais estranho em ouvir as músicas do Au Revoir Simone, seja o fato de que mesmo sem trazerem grandes mudanças em seu estilo no decorrer do disco é praticamente impossível deixar de ouvi-lo. As faixas não parecem fluir de maneira datada ou repetitiva, mesmo sabendo que na canção seguinte a que você está ouvindo mais uma dose de sintetizadores melancólicos vai acabar dando as caras. O que explica isso é difícil, talvez o sentimento real que constrói as faixas seja também o que nos estimula a ouvi-las.

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Passados dois anos desde, algumas várias apresentações por Nova Iorque e pelo resto dos EUA, e as garotas voltaria com The Bird Of Music (2007) em que as doses de sintetizadores se repetiriam, agora de uma maneira muito mais “profissional”. A forma hermética dada ao primeiro disco parece inexistente com esse novo trabalho. Os vocais e a sonoridade chegam mais abertos, alegres. Mesmo as canções mais sussurradas parecem fluir de maneira muito mais dinâmica.

A primeira grande mudança fica visível logo na tríade de abertura. The Lucky One, Sad Song e Fallen Snow transbordam uma sonoridade muito mais plural. É como se no primeiro disco as três se revezassem no uso de um único sintetizador e compartilhassem o mesmo microfone ao mesmo tempo. Com esse segundo disco cada uma parece dona de seu próprio instrumento e justamente por isso torna-se visível uma gama de elementos e formas que quando encaixadas vão dando movimento ao trabalho. Em I Couldn’t Sleep, por exemplo, até os vocais surgem de maneira distinta, quase de maneira robotizada, uma quase versão do que seria um Kraftwerk feminino.

A forma versátil como o trio explora canções como A Violent Yet Flammable World e Don’t See the Sorrow faz parecer que elas vêm dotadas de uma infinidade de instrumentos e mecanismos de som para muito além de seus únicos sintetizadores. Há uma vivacidade real nas criações, nada perece fluir de maneira abstrata e sintética, como dito no começo do texto, o som feito Au Revoir Simone se comporta de maneira orgânica, um tipo de som vivo.

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Para os habituados com a sonoridade mais ponderada das garotas do Brooklyn Dark Halls, Night Majestic e Stars deixam elas ampliarem o peso das batidas, enquanto as camadas esvoaçadas e sintetizadores acabam mais reclusas. Uma boa oportunidade também para que os vocais não cheguem dentro do tradicional formato quase asmático que se apodera de alguma das faixas. Pela primeira vez elas parecem cantoras, um feito que se intensificaria no trabalho seguinte, mas que aqui pode ser encontrado de maneira satisfatória nessas três canções. Pela primeira vez também, o ritmo chega não de uma maneira contemplativa, mas dentro de um formato até dançante, feito inimaginável tendo apenas o primeiro álbum como referência.

Apesar de boa parte da crítica especializada ter condenado esse segundo álbum fica mais do que visível a ideia dele como um exercício de criação. É como se D’Angelo, Foster e Hart buscassem trabalhar a mesma sonoridade do disco de estreia, mas não se limitando apenas ao lançamento de mais um trabalho idêntico ao anterior. A força desse “treino” viria com o disco seguinte, em que o trio de fato encontraria um rumo a ser seguido.

Still Night, Still Light (2009) une a delicadeza e sofisticação do álbum de estreia com as batidas e o ritmo mais acelerado do segundo disco, tudo em uma unidade praticamente perfeita. As batidas chegam de maneira concisa, os sintetizadores não se limitam apenas à criação de camadas abafadas de doçura, além do abandono desse lado “inocente” que permeava as canções anteriores. Se com o debute as garotas se mostravam ainda como pudicas ingênuas, o segundo álbum funciona como uma transição, um lento abandonar da inocência e da ternura. Com o terceiro álbum de estúdio o Au Revoir Simone não é mais um grupo de garoas, mas sim três belas mulheres, adultas e donas de um som tão maduro quanto sua aparência física.

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Another Likely Story chega carregada de uma amargura visível, mesmo que esse sentimento tente o tempo todo se esconder por detrás de acordes e solos delicados proporcionados pelas teclas que dão vida à faixa. Entretanto com Shadows, a segunda faixa do álbum a angústia e a dor se mostram por inteiro mesmo que ao final a busca por uma redenção, tanto na letra como na sonoridade, acabe surgindo de maneira um tanto quanto forçada. Na sequência o trio vem exigindo tudo ou nada naquela que é não apenas a melhor faixa do disco, mas uma das melhores composições do grupo até então: All Or Nothing. Mesmo com sua seriedade a canção acaba se mostrando uma faixa profundamente agradável, algo que se justifica por sua sonoridade bem acabada e pelo refrão marcante.

Para quem achava que a eficiência da banda se encerraria nessas três canções de abertura Knight of Wands chega para mostrar que ainda há muito com o que se encantar através das canções do trio. A melancolia por sua vez parece tomar conta definitiva do álbum, algo que dificilmente seria alterado dali pra frente. Se antes era uma doçura sincera e apaixonada que pontuava as criações da banda, agora é a frieza e a dor que governam. The Last One conta com quase dois minutos de acordes delicadamente tristes até a entrada da letra confessional e dos vocais soturnos ao fundo, como se tudo fosse cantado com certo desdém e raiva.  “Deixe-me, deixe-me ir, pois você nunca soube e nunca saberá” gritam de maneira silenciosa os versos tristes da canção.

Mesmo quando a batida surge de maneira mais aberta, sendo quase possível dançar as camadas de som e as criações melancólicas te desmotivam a isso. O que parece começar de maneira animada em Trace a Line, logo se transforma em mais uma confissão entristecida. Still Night, Still Light vai te puxando cada vez mais para dentro de sua atmosfera infeliz. Se antes elas encantavam por nos apresentarem seu lado juvenil e adocicado, agora é a tristeza da maturidade que nos cativa. Duas formas diferentes de nos prenderem e que estranhamente condizem com diferentes ângulos de nossas próprias vidas.

Verses of Comfort, Assurance & Salvation (2005)

The Bird Of Music (2007)

Still Night, Still Light (2009)

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.