Entrevistas: Gaía Passarelli / Igor Filus

/ Por: Cleber Facchi 17/01/2012

Gaía Passarelli – Jornalisa e VJ

Ao final do ano passado lancei como trabalho de conclusão de curso um livro documentário elencando os 150 melhores discos da música brasileira dos anos 2000, o Pequenos Clássicos Modernos (sim, o nome da nossa sessão aqui no blog). Como estou em processo de revisão dos textos para lançar uma segunda edição definitiva do livro e nossa página de entrevistas está meio parada, resolvi aproveitar duas das entrevistas que estão no livro e apresentar para vocês. Tratam-se de duas conversas rápidas, uma com Igor Filus (Charme Chulo) e outra com a Gaía Passarelli (MTV), ambos falando sobre a produção musical brasileira na última década.

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O que você apontaria como a grande mudança entre a relação jornalismo e música durante essa primeira década do século XXI?

A participação do leitor como criador de conteúdo. Não é mais preciso saber escrever, ter dinheiro para comprar discos e nem manjar de tecnologia. Os blogs de música são criados às vezes por pessoas que já trabalham na indústria musical de alguma forma, mas na maior parte das vezes vêm do desejo de fãs e entusiastas de repartir suas descobertas e sentimentos. Hoje os blogs têm participação fundamental na crítica musical, às vezes pro bem e às vezes nem tanto. Não significa que tudo quanto é blog de música seja bom e confiável – mas até aí, o mesmo é válido para as revistas/tv/rádio, não é?

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As produções independentes e voltadas para o público alternativo são o último refúgio da boa música em solo tupiniquim, ou você defende que ainda é possível encontrar artistas que se arrisquem em trabalhos inventivos, mesmo ligados a uma major ou capazes de dialogar com o grande público?

O desafio de todo artista “alternativo” é aprender a dialogar com o grande público para crescer, comercial e artisticamente. Não há nada de errado em ser capaz de atingir a massa. Errado é sacrificar sua vocação artística para fazer algo que você acha uma droga. A música massificada é ruim em qualquer época, com raras exceções. Eu acho que é possível encontrar artistas dispostos a se arriscar criativamente na busca por esse tal diálogo com o grande público. Não por acaso alguns dos nomes de destaque da cena independente estão em franca ascensão.

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O que falta para o rock ou para a música independente brasileira em relação ao que é produzido em âmbito internacional?

Direção de Arte.

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A influência estrangeira na música nacional ainda é latente ou hoje é possível nos depararmos com artistas donos de uma sonoridade totalmente própria e desvinculada do que é produzido lá fora?

O Brasil é dono de uma das culturas populares mais próprias do mundo. Numa lista de discos mais vendidos do país o que você vai encontrar é Exaltasamba, Leandro e Leonardo. Isso é totalmente brasileiro, goste você ou não. Mas eu não acho que a procura por uma raiz patriótica seja importante. Importante é o artista compor/tocar/cantar o que acredita. Independente se parece rock inglês ou se lembra Secos & Molhados.

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Na sua opinião, qual o melhor disco brasileiro lançado entre 2000 e 2010? E por quê?

Gui Boratto – Chromophobia (2007). Lançado por um selo alemão chamado Kompakt, o melhor disco de techno feito no Brasil na década poderia ter sido feito em qualquer lugar do mundo. Isso faz parte da graça do estilo. E não impede que Boratto, um produtor musical vindo de hits voltados pra um mercado mais pop, tenha feito uma música cheia de personalidade, dançante, sensível e muito bonita – não é isso que todo mundo pensa da música brasileira?

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Igor Filus (Vocalista da banda Charme Chulo)

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Como músico, o que você observa como a principal característica da cena independente nacional ao longo da primeira década dos anos 2000?

Musicalmente, olhando pra trás hoje sinto que havia uma vontade geral de recriar o rock nacional, mais ou menos como ele havia sido feito nos anos 80, valorizando a língua portuguesa e as influências gringas do momento, que também estavam baseadas fortemente num revival oitentista. Mercadologicamente fomos uma espécie de cobaia da internet e da quebra do mercado fonográfico, gerando muita especulação e euforia pela mudança toda que estava acontecendo.

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Ainda falta espaço para que as bandas independentes divulguem seu trabalho ou falta interesse do grande público em fugir dos sons tradicionais?

Acho que não falta espaço pra divulgar seu trabalho, mas a banalização que houve com a democratização da produção musical resultou em queda de qualidade inevitavelmente, mesmo que tenha sido algo que fez parte natural do processo. O público teve mais liberdade também, mas por outro lado tudo ficou mais disperso.

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Você acha que o ouvinte brasileiro jovem está mais maleável em relação ao constante cruzamento de sons e estilos em uma mesma banda ou através de uma única faixa. É possível cruzar rock com música sertaneja sem que ainda brotem alguns comentários preconceituosos ou olhares de reprovação?

Qualquer tipo de experiência musical que se faça ou se proponha só vai ser entendida se for bem feita, bem concebida, porque no final das contas é a música que interessa e é ela que tem de ser boa o bastante e estar acima de qualquer idéia mirabolante de experimentos musicais. Fazer qualquer experimento é válido e é ótimo, o difícil é ser simples e objetivo no final das contas, como toda música popular de qualidade é.

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Mesmo que a Charme Chulo tenha dois discos lançados – Charme Chulo de 2007 e Nova Onda Caipira de 2009 – você ainda acredita que o lançamento em formato físico é uma boa solução para as bandas e artistas iniciantes ou mesmo para os grupos já veteranos?

Acredito que sim, pois o trabalho físico bem apresentável mais do que nunca será a primeira prova de que a banda tem mais esmero pelo que está fazendo. Se for possível lançar em vinil e divulgar nesse formato hoje em dia é melhor ainda, tenho certeza. A divulgação para a grande mídia ainda é importante, apesar de estar perdendo espaço para esse contato direto com o público que a internet cada vez mais possibilita. É um mundo novo totalmente diferente que temos hoje de dez anos atras. Está começando a baixar a poeira da revolução digital, acredito que voltaremos a ter uma nova ordem e um novo chão com o passar da década atual.

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Na sua opinião, qual o melhor disco brasileiro lançado entre 2000 e 2010? E por quê?

Fico com o debut do Vanguart. Especialmente por esse disco representar muito bem o espírito da década de 2000, com todas suas promessas não cumpridas de um novo grande tempo para o rock brasileiro, assim como a força de uma geração verdadeiramente romântica e batalhadora, que fez tudo sozinha e que considero como a “última dos moicanos”.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.