Glam Rock: 10 Discos Essenciais

/ Por: Cleber Facchi 25/11/2014

“O bom e velho Rock’n Roll com batom”. Embora simples, a interpretação de John Lennon sobre o Glam Rock continua como a mais significativa. Resultado das principais transformações culturais que definiram a década de 1970, o gênero inaugurado na Inglaterra no final da década anterior trouxe no uso de guitarras sujas, versos provocativos e forte carga sexual a base para algumas das obras mais influentes de todo o período.

Entre trabalhos marcados pelo caráter cênico, registros consumidos pela crueza das canções e músicos que se transformaram em personagens, selecionamos 10 obras essenciais que definiram o estilo. De David Bowie em The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars (1972) ao brasileiro Edy Star em Sweet Edy (1974), é hora de retocar a maquiagem e relembrar a fase mais purpurinada do rock clássico. Menções honrosas para Mott (1973) do Mott the Hoople, Here Come the Warm Jets (1974) de Brian Eno e Kimono My House (1974) do Sparks.

.

T. Rex
Electric Warrior (1971, Reprise)

Electric Warrior é um trabalho que seduz o ouvinte logo nos primeiros segundos. Inaugurada pelo clima despretensioso e guitarras psicodélicas de Mambo Sun, o sexto álbum de estúdio do T. Rex parece sintetizar o que há de mais assertivo na curta produção de Marc Bolan – morto aos 29 anos em um acidente de carro. Em meio a versos rápidos, temas lisérgicos e arranjos levemente distorcidos, o músico aos poucos se afasta das experiências conquistadas em solo britânico, mergulhando de cabeça no rock e também na cultura estadunidense. Pensado para o público norte-americano, grande parte do registro foi desenvolvido durante uma excursão da banda pelos EUA. Com sessões gravadas em Londres, Nova York e Los Angeles, a responsabilidade de montar o álbum acabou nas mãos de Tony Visconti, escultor da estrutura homogênea e atmosfera leve que invade cada espaço do disco. Morada de clássicos como Get It On e Jeepster, Electric Warrior serviu para aproximar o T. Rex do grande público, transformando o material assinado por Bolan na inspiração para o trabalho de bandas como The Smiths e Guns N’ Roses.

.

David Bowie
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972, RCA)

David Bowie sempre interpretou cada novo registro em estúdio como um natural ato de experimento. Mesmo a boa recepção de Hunky Dory, em 1971, não impediu que o artista britânico assumisse uma postura renovada no ano seguinte, transformando o single Starman na passagem para o universo de ficcional do clássico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Cabelos tingidos de vermelho, visual espalhafatoso e maquiagem evidente, Bowie abandonou a própria identidade para assumir o papel de Ziggy Stardust, um alienígena que tenta salvar a Terra da destruição, mas sucumbe aos excessos do rock. Confortável em um ambiente cênico, porém, realista, o alter ego do cantor encontra na própria sexualidade ambígua, exageros lisérgicos e abusos constantes os principais componentes para o lirismo da obra. Acompanhado de perto pelo guitarrista Mick Ronson, Bowie não apenas despeja uma série de composições marcantes para o período, como a base para uma série de registros alheios ao próprio trabalho. De artistas próximos, caso de Lou Reed e Iggy Pop, a nomes recentes, como Lady Gaga e TV On The Radio, quem prestou atenção na mensagem de Ziggy Stardust encontrou uma fonte criativa inesgotável

.

Lou Reed
Transformer (1972, RCA)

Lou Reed parecia diferente, talvez livre, quando apresentou Transformer em novembro de 1972. Entregue poucos meses após o primeiro disco solo, lançado em abril do mesmo ano, as simples melodias de voz, arranjos e confissões expostas na inaugural Vicious indicavam uma mudança em relação aos últimos trabalhos do músico, principalmente com o The Velvet Underground. Inspirada por Andy Warhol, a canção parece ser a base para o universo de excessos, romantismo e personagens explorados ao longo do registro, como um novo passeio de Reed pelas ruas de Nova York, vide Walk on the Wild Side. Parte dessa mudança e acessível diálogo com o grande público nasce da constante interferência dos produtores do disco, David Bowie e Mick Ronson. Sem necessariamente romper com a essência do artista nova-iorquino, aos poucos a dupla acrescenta um pouco de cor ao ambiente cinza da obra, resgatando e por vezes adaptando conceitos testados um ano antes em Hunky Dory (1971). Base para o trabalho seguinte de Reed, Berlin (1973), Transformer por vezes soa como uma extensão do clássico The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, outro encontro bem sucedido entre Bowie e Ronson, além de um dos pilares para este disco.

.

Roxy Music
For Your Pleasure (1973, Island/Polydor)

Com um rico acervo de obras espalhadas ao longo de toda a década de 1970, eleger um único trabalho do Roxy Music se transforma em uma tarefa ingrata. Mesmo que Country Life (1974) e o próprio álbum de estreia do grupo, lançado em 1972, sintetizem todos os excessos e tratamento cênico incorporado à música da época, são as explosões registradas no interior de For Your Plasure que resumem com acerto a completa versatilidade do coletivo britânico. Fruto explícito da relação turbulenta entre o vocalista Bryan Ferry e Brian Eno, tecladista do grupo, cada ato do registro se transforma em um instrumento de provocação. Enquanto a voz limpa de Ferry ocupa com destaque as oito faixas do álbum, ruídos, harmonias anárquicas e sintetizadores lançados por Eno tentam invadir e conquistar o território do rival. O resultado desse duelo eufórico está na criação de músicas como Do the Strand e The Bogus Man, composições tão complexas hoje quanto na época em que foram lançadas. Irritado, Eno deixaria o Roxy Music no mesmo ano, enquanto Ferry seguiria aos comandos do grupo até o lançamento de Avalon, em 1982.

.

Alice Cooper
Billion Dollar Babies (1973, Warner Bros)

Em 1973, Alice Cooper já acumulava cinco discos oficiais e vasta experiência em estúdio. Contudo, mesmo a boa recepção do público e completo domínio de músicas, como School’s Out, em algumas das principais paradas de sucesso dos Estados Unidos, seriam pequenos frente ao sucesso de Billion Dollar Babies. Mergulhado em temas soturnos, como necrofilia, estupro e morte, Cooper parecia criar o conceito exato para o personagem maquiado que interpretava nos palcos. Número um em vendas nos Estados Unidos e na Inglaterra, o sucesso do álbum fez com que No More Mr. Nice Guy, Hello Hooray e demais faixas do trabalho fossem repetidas exaustivamente em grande parte das estações de rádio, entretanto, foram as guitarras sujas e versos irônicos de Elected que realmente expandiram os domínios do músico. Apresentada como single em 1972, a faixa produzida por Bob Ezrin – também responsável pelo disco -, serviu para que Cooper criasse euforia em relação ao novo álbum, preparando o terreno obscuro que seria explorado em essência ao longo de Billion Dollar Babies.

.

New York Dolls
New York Dolls (1973, Mercury)

Bem-humorada, a simples imagem que ocupa a capa do primeiro álbum do New York Dolls resume não apenas o trabalho proposto pelo grupo norte-americano em 1973, mas também as principais marcas e exageros típicos do Glam Rock. Salto alto, perucas e batom. Antecipando uma série de conceitos do Punk Rock, o registro produzido pelo veterano Todd Rundgren sustenta no uso de guitarras rápidas e versos pegajosos a base para uma das peças mais icônicas da década de 1970. Em meio a temas urbanos, delírios adolescentes e sexualidade detalhada, David Johansen e Johnny Thunders, principais compositores da banda, transformaram faixas como Looking for a Kiss e Trash em um retrato cômico, ainda que realista, da Nova York de 1970. Incapaz de atingir o grande público e interpretada como uma piada (sem graça) por parte da imprensa estadunidense, o banda levaria tempo conquistar o devido reconhecimento. Queridinho de artistas como Morryssey, o New York Dolls serviria de base para o trabalho de bandas como Ramones e Kiss, sendo o principal esboço de Malcolm McLaren durante a “montagem” do Sex Pistols.

.

Secos & Molhados
Secos & Molhados (1973, Continental)

Música folclórica, uma pitada de pop, fragmentos tropicalistas, teatro e provocação. Em um cenário ocupado pela Ditadura Militar, o álbum de estreia do Secos e Molhados parecia servir como passagem para um universo paralelo. Entre pirilampos, fadas e sacis, os integrantes de rosto maquiado, personagens desse mundo imaginário e resposáveis por nortear o ouvinte desavisado. Enquanto o vocal andrógino de Ney Matogrosso se espalha inquieto no interior de faixas como Sangue Latino, O Vira e Assim Assado, João Ricardo tece nas bases de violão a tapeçaria que cobre todo o registro. Suspiros melancólicos acomodados em Rosa de Hiroshima, crueza explícita nos vocais de Mulher Barriguda e o exagero que consome os arranjos de Primavera nos Dentes. Em um ambiente de incertezas, cada faixa se transforma em um objeto a ser explorado pelo ouvinte, movido pelo desembrulhar lento dos temas que a banda explora até a última nota de Fala. Na capa icônica do trabalho, a cabeça dos integrantes servidas em bandejas, como alimentos.

.

Edy Star
Sweet Edy (1974, Som Live/Joia Moderna)

Um escândalo. Depois de desfilar ao lado de Raul Seixas na ópera-rock da Sociedade Grã-Kavernista e cantar em diferentes cabarés do Rio de Janeiro, Edy Star apresentou ao público seu primeiro trabalho em carreira solo: Sweet Edy. Entre faixas autorais e versões para músicas de Jorge Mautner (Olhos de Raposa), Caetano Veloso (O Conteúdo) e Moraes Moreira (Pro Que Der na Telha), o músico abre as cortinas do próprio espetáculo, convidando o espectador a lentamente explorar um cenário detalhado pelo brilho das lantejoulas e vocais andróginos. Como um refúgio, cada faixa do trabalho se abastece de pequenas referências nacionais e temas inspirados em conceitos estrangeiros. Um meio termo entre o David Bowie da fase Ziggy Stardust e as experiências lançadas um ano antes pelos Novos Baianos em Acabou Chorare (1972). Mesmo dotado de um brilho próprio, Sweet Edy logo seria apagado pela pressão do Regime Militar – tanto o visual como os temas abordados pelo cantor não agradaram aos militares. Homossexual assumido, Star encontrou no preconceito outra barreira para a expansão de sua obra, tirada de catálogo por quase quatro décadas e relançada somente em 2011 pelo selo Joia Moderna.

.

Rita Lee & Tutti Frutti
Fruto Proibido (1975, Som Livre)

Depois de um breve ensaio em Atrás do Porto Tem uma Cidade (1974), primeiro álbum acompanhada com os novos parceiros do Tutti Frutti, em Fruto Proibido Rita Lee apresentava uma obra de fato completa. Em direção contrária ao trabalho explorado em Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida (1997), ainda inspirada pela essência d’Os Mutantes, a cantora encontrou nas guitarras de Luis Sérgio Carlini um estímulo para o inevitável crescimento da própria voz. Em meio a flertes com o Hard Rock, diálogos com a música pop e adaptações do rock britânico apresentado no mesmo período, a dupla encontra o ambiente perfeito para o nascimento de faixas como Ovelha Negra e Agora Só Falta Você. Ao lado de Paulo Coelho, clássicos como Esse Tal de Roque Enrow e Cartão Postal. Em Dançar pra não Dançar, Ovelha Negra na própria faixa-título, um breve aquecimento para o acervo autoral de Lee, seguido até o homônimo álbum de 1979, início da parceria com o marido e companheiro de produção Roberto de Carvalho.

.

Queen
A Night At The Opera (1975, EMI)

Espalhafatoso, teatral e brilhante. Dos pianos que inauguram Death on Two Legs (Dedicated to…), ao respiro instrumental de God Save the Queen, toda a estrutura detalhadas em A Night At The Opera cresce como um verdadeiro espetáculo. Em meio a flertes com o rock progressivo – vide os conceitos de Bohemian Rhapsody e The Prophet’s Song -, faixas essencialmente comerciais – como You’re My Best Friend -, além do completo domínio vocal de Freddie Mercury, escapar das amarras lançadas pelo quarto álbum de estúdio do Queen é uma tarefa quase impossível. Em uma nítida manifestação de crescimento por parte da banda, toda a estrutura lançada em Sheer Heart Attack, de 1974, ganha um tempero grandioso. As guitarras de Brian May, a execução precisa da bateria de Roger Taylor e até o baixo denso de John Deacon, como o espetáculo anunciado no título do trabalho, todos os movimento da banda são executados com precisão e passos marcados. Fragmentos delicados (Love of My Life) ou épicos (I’m in Love with My Car) que mantém a atenção do ouvinte em alta. Sente confortavelmente e prepare os fones de ouvido: o espetáculo vai começar.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.