O doce (en)canto de Tulipa

/ Por: Cleber Facchi 16/04/2012

Por: Cleber Facchi
Foto: Caio Domingues

 

Há quem insista em olhar para os movimentos criativos que de tempo em tempo proliferam nas capitais estrangeiras como o máximo da inovação e do florescimento cultural. São justamente estes que esquecem o quanto a produção nacional, também de forma constante, cresce grandiosa para além de Londres, Nova York ou qualquer outro grande centro musical. Se há duas décadas foi Recife a principal fábrica de talentos e renovações em solo brasileiro, hoje São Paulo assume esse posto, trazendo na voz e na delicadeza poética de Tulipa Ruiz a melhor representação de todo esse cenário.

Figura de maior destaque no famigerado movimento da “Música Popular Paulista”, a cantora e os parceiros de banda transformaram a apresentação no Sesc Osasco no último sábado (14) em uma bela representação do que caracteriza a produção musical brasileira no atual momento – pelo menos enquanto a produção de Belém no Pará não expande seus domínios. Prestes a encerrar a turnê iniciada em 2010 com o lançamento do elogiadíssimo Efêmera, Ruiz levou ao palco a totalidade do registro, que mesmo passados dois anos desde que surgiu ao público, ainda mantém o mesmo espírito gracioso de outrora, mesmo que em alguns momentos pequenos focos de desgaste se tornem perceptíveis.

Acompanhada pelo irmão Gustavo Ruiz e do pai Luiz Chagas, Tulipa conseguiu estabelecer um clima familiar e alegre para além dos limites do palco, algo facilmente representado pela plateia variada que se acumulava em um bloco único no espaço. Com um público composto por adolescentes, jovens adultos, casais e senhorinhas, a cantora teve no esforço entusiasmado dos presentes uma resposta contrária ao que disse pouco antes de iniciar a romântica Às Vezes: “Meu único hit”. Um erro, afinal, a cada nova composição lançada o público participativo saboreava frase por frase, cantando à plenos pulmões e transformando mesmo a cômoda Do Amor em um achado grandioso e tão empolgado quanto qualquer clássico da música pop.

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Ciente das próprias limitações e da linearidade que toma conta dos companheiros de banda, Tulipa aproveita os reduzidos espaços entre uma faixa e outra para promover pequenos gracejos e diálogos com o público, o que culminou em uma versão cômica e quase teatral do clássico Da Maior Importância. Música de Caetano Veloso eternizada por Gal Costa, a faixa serve como uma brecha para captar parte das referências que acompanham a cantora, figura que atravessa décadas atrás de influências para as músicas que compõem bem como reforços na maneira de cantar e interpretar as composições. Há de tudo no universo que circunda a artista, que se encontra tanto com a voz de Baby Consuelo, como com a herança deixada por Marisa Monte nos primeiros registros da década de 1990.

Protagonista de um “movimento” que ajudou a criar, Tulipa sabe o quanto manter a versatilidade é algo necessário para sua carreira, logo, nada mais natural do que ver a cantora passeando suave pela música pop (A Ordem das Árvores), rock (Brocal Dourado) e até velharias da nossa música (Sushi) de maneira convincente, característica que se mantém até o encerramento do show. A estratégia talvez seja a resposta mais do que imediata ao diversificado culto que se forma durante a apresentação, com indivíduos de diferentes idades (e gostos) acompanhando apaixonados os vocais da cantora.

Em alguns momentos é possível observar no espetáculo uma sensação de entrega ou devoção do público de forma tão intensa quanto foram os shows do Los Hermanos na última década. Até confetes dourados – a exemplo do que o público fazia na execução de Todo Carnaval Tem Seu Fim – foram lançados durante a adorável Brocal Dourado. Mesmo com um repertório ainda pequeno – o próximo disco deve sair até o fim do ano –, Tulipa Ruiz parece sim ser a principal representante do que há na nossa música atualmente, substituindo as barbas que caracterizavam a produção de outrora, por peitos, sorrisos nada tímidos e toda uma delicadeza genuinamente feminina.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.