Os 50 Melhores Discos Brasileiros de 2019 [10-01]

/ Por: Cleber Facchi 20/12/2019

Qual é o seu disco favorito de 2019? De MC Tha a Terno Rei, de Emicida à Ana Frango Elétrico, é hora de relembrar alguns dos principais trabalhos que abasteceram o cenário brasileiro nos últimos meses. São registro que transitam por diferentes sonoridades, gêneros e propostas essencialmente distintas, indicativo da completa pluralidade que define a nossa música.


#10. Siba
Coruja Muda (2019, EAEO Records / YB Music)

Em um cenário de caos político onde a realidade é constantemente negada e substituída por notícias falsas enviadas por aplicativos, ganha quem consegue tratar do óbvio por meio das metáforas e da sutileza poética. Longe de parecer uma surpresa, é exatamente isso que o pernambucano Siba garante ao ouvinte no terceiro álbum de estúdio em carreira solo, Coruja Muda (2019, EAEO Records / YB Music). São versos políticos, divagações cômicas e pequenas crônicas musicadas que utilizam da animalização dos indivíduos como estímulo para uma obra que mesmo maquiada pela alegoria, se revela ao público por completo, sustentando do primeiro ao último verso uma mensagem clara e de fácil compreensão. “Dos bichos da criação a aranha é a mais feia / Mas ela tem uma teia de boa conexão / Que é pra ter informação de todo bicho esquisito / Não posta fake do mito e nem vídeo de alguém que apanha / A internet da aranha só pega mosca ou mosquito“, canta na divertida Só É Gente Quem Se Diz. São versos curtos, rápidos, em que utiliza da simbologia animalesca para explorar o atual cenário político do Brasil. Cigarras, abelhas, muriçocas, patos e macacos que passam por escândalos de corrupção, acordos de delação premiada e instantes de breve revolta, apontando parte da direção temática seguida pelo artista no decorrer da obra. Leia o texto completo.

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#9. MC Tha
Rito de Passá (2019, Independente)

MC Tha pede passagem. Em Rito De Passá (2019, Independente), primeiro álbum de estúdio da cantora e compositora paulistana, cada fragmento do disco se revela ao público em pequenas doses, como um precioso exercício de apresentação. Da construção dos versos, sempre sensíveis e guiados por experiências intimistas, passando pela formação dos arranjos que vão do funk ao uso de elementos regionais, difícil não pensar na obra como uma extensão natural de tudo aquilo que a artista de Cidade Tiradentes, bairro localizado na Zona Leste de São Paulo, vem explorando desde o início da carreira. Concebido em um intervalo de poucos meses, o trabalho que conta com direção musical e produção de Pedrowl (Lia Clark, O’Hearts) se espalha em meio a versos marcados pela forte religiosidade, profunda entrega sentimental, frustrações e instantes de doce melancolia. Retalhos instrumentais e poéticos que confirmam a completa versatilidade da artista, acessível e provocativa na mesma proporção. Canções que ampliam tudo aquilo que a MC Tha havia originalmente testado em músicas como Olha Quem ChegouBonde da Pantera e Valente. Leia o texto completo.

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#8. Djonga
Ladrão (2019, Ceia)

Abram alas para o rei! Em um intervalo de apenas três anos, Djonga foi de um personagem desconhecido da cena mineira para um dos grandes nomes e principais articuladores do rap nacional. Síntese desse intenso processo criativo e comprometimento estético se revela com naturalidade nas canções de Ladrão (2019, Ceia), obra que não apenas resgata uma série de conceitos originalmente testados nos dois primeiros álbuns de estúdio do rapper, Heresia (2017) e O Menino Que Queria Ser Deus (2018), como reforça de maneira explícita o forte discurso político e crítica social que há tempos vem sendo refinada pelo artista belo-horizontino. “Quando eu era criança, eu andava na rua e me sentia ladrão. Mesmo quando nunca tinha roubado nada, as pessoas olhavam com medo. O tempo passou e eu entendi que tipo de ladrão eu devia ser, esse que busca e traz de volta pras minhas e pros meus. Aí eu fui lá e fiz o que eu sempre fiz: roubei, roubei e trouxe de volta“, escreveu no texto de apresentação do trabalho. De fato, do momento em que tem início, em Hat-Trick, até alcançar a derradeira Falcão, cada verso disparado pelo rapper encontra em pequenas conquistas pessoais e na celebração ao povo preto a base para o fortalecimento criativo da obra.

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#7. BaianaSystem
O Futuro Não Demora (2019, Máquina de Louco)

A mensagem proposta pelo BaianaSystem em O Futuro Não Demora (2019, Máquina de Louco) é bastante clara: “Você tem poder para mudar o mundo“. Sequência ao elogiado Duas Cidades (2016), obra que serviu para estreitar a relação entre o discurso político e a essência festiva que há mais de uma década embala o trabalho de Roberto Barreto (guitarra baiana), Seko Bass (baixo) e Russo Passapusso (voz), o novo álbum traz de volta a dualidade explícita no registro que o antecede, porém, em um sentido ainda mais amplo, contestador e, ao mesmo tempo, esperançoso. Trata-se de uma obra marcada pela estrutura cíclica dos elementos, conceito que vai da renovação imposta pela Água, logo na abertura do disco, ao Fogo, elemento caótico que garante fechamento ao registro. Parte dessa forte conexão entre as faixas vem da forma como o próprio álbum foi concebido. Longe dos palcos, o trio e um time seleto de colaboradores decidiu se isolar em Itaparica, ilha baiana localizada a 13 quilômetros da capital Salvador e um paradisíaco ponto de conexão entre as experiências acumuladas por cada integrante da banda. O resultado essa simbiose criativa está na produção de um registro que exige ser apreciado do início ao fim, sem pausas. Canções que mesmo trabalhadas em uma estrutura própria, acabam servindo de alicerce para a faixa seguinte. Leia o texto completo.

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#6. O Terno
Atrás/Além (2019, Máquina de Louco)

Nostalgia da novidade, saudades do futuro“. A dualidade explícita nos versos de Passado / Futuro, penúltima composição de Atrás/Além (2019, Risco) sintetiza com naturalidade a relação de Tim Bernardes (voz, pianos, guitarra) com a passagem do tempo, alicerce criativo para grande parte das canções presentes no quarto álbum de estúdio do grupo paulistano O Terno. Sequência ao bem-sucedido Melhor Do Que Parece (2016), o trabalho completo pela presença de Biel Basile (bateria) e Guilherme D’Almeida (baixo) encontra em memórias de um passado ainda recente, conflitos existencialistas e na melancolia da vida adulta um doloroso exercício temático. Conceito que não apenas traduz as principais angústias de seus realizadores, como dialoga diretamente com o ouvinte. “Quero descansar, mas também quero sair / Quero trabalhar, mas quero me divertir / Quero me cobrar, mas saber não me ouvir / Quero começar, mas quero chegar no fim“, canta em Pegando Leve, um olhar curioso sobre o inconstante fluxo do nosso tempo, a ausência de certeza que sufoca a geração millennial e a necessidade de amadurecer. Versos marcados pela constante sensação de deslocamento, conceito que vem sendo aprimorado pela banda desde o primeiro álbum de estúdio da carreira, 66 (2012), mas que alcança novo e delicado refinamento nas canções do presente álbum. Leia o texto completo.

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#5. Emicida
AmarElo (2019, Laboratório Fantasma)

Instantes de doce celebração e versos consumidos pelo caos. Em AmarElo (2019, Laboratório Fantasma), terceiro e mais recente álbum de estúdio de Emicida, o rapper paulistano utiliza da dualidade dos sentimentos como um estímulo natural para a construção das letras. Canções que tratam sobre amizade (Quem Tem Um Amigo Tem Tudo), relacionamentos (9nha) e as Pequenas Alegrias da Vida Adulta de forma sempre sensível, conceito anteriormente testado pelo artista, durante o lançamento do ótimo Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015), porém, completo pelo lirismo sóbrio de composições que apontam para o que há de mais doloroso em nosso cotidiano. Não por acaso, Emicida escolheu a crescente Principia, colaboração com Fabiana Cozza e as Pastoras do Rosário, como faixa de abertura do disco. Dotada de uma força descomunal, lembrando o encontro entre Kanye West e Chance The Rapper, em Ultralight Beam, a composição vai do ódio à libertação, do medo ao acolhimento em uma estrutura que trata do amor como um componente de transformação. O próprio texto de encerramento da canção, interpretado pelo Pastor Henrique Viera, aponta isso. “O amor perdoa o imperdoável. Resgata a dignidade do ser. É espiritual. Tão carnal quanto angelical. Não tá no dogma ou preso numa religião“, reforça, indicando a direção seguida pelo artista até a música de encerramento do álbum, a trilíngue Libre, reencontro com a dupla franco-cubana Ibeyi. Leia o texto completo.

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#4. Céu
APKA! (2019, SLAP)

Sintetizadores trabalhados de forma atmosférica, batidas econômicas e o aceno leve: “Olá, como vai você?“, questiona a voz em tom acolhedor, ainda que consumida pela saudade. Em um intervalo de poucos segundos, Céu sutilmente transporta o ouvinte para dentro do quinto álbum de estúdio da carreira, APKÁ! (2019, Slap). Sequência ao elogiado Tropix (2016), obra em que se permite provar de referências eletrônicas, rumando em direção ao pop dos anos 1970, o novo disco preserva a essência nostálgica do registro que o antecede, porém, aporta em diferentes campos conceituais. São melodias empoeiradas e instantes de doce contemplação que não apenas dialogam, como resgatam a essência romântica de diferentes obras produzidas na década de 1980. Perfeita representação desse cuidado da cantora em revisitar o passado se faz evidente logo nos primeiros minutos do disco, na agridoce Coreto. Concebida em meio a batidas minimalistas, ruídos e sintetizadores pontuais, a canção composta com Gal Costa em mente utiliza da incerteza do amor como um estímulo para a lenta sobreposição dos arranjos. “Teu coração, já nos provou não ter sustento / Pra suportar a erupção / De uma voz incandescente como as lavas de um vulcão / Mas você petrificou, tudo, tudo que queimava“, canta enquanto prepara o terreno para o refrão quase caricatural que cita uma das principais rádios de São Paulo e sua tradicional programação romântica — “Tô cantando mais que nunca / O que aflora, eu quero ser a sua trilha / Quero tocar na sua rádio / Alfa by night“. Leia o texto completo.

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#3. Black Alien
Abaixo de Zero: Hello Hell (2019, Extrapunk Extrafunk)

Esse é o retorno do cretino / Dos clássicos, hits, hinos e o bolso cheio de pino“. A rima crua explícita logo nos primeiros minutos de Área 51, música de abertura de Abaixo de Zero: Hello Hell (2019, Extrapunk Extrafunk), diz muito sobre o caminho percorrido por Gustavo de Almeida Ribeiro no terceiro álbum de estúdio como Black Alien. Sequência ao bem-recebido Babylon By Gus – Vol. II: No Príncipio Era O Verbo (2015), primeiro registro de inéditas do rapper carioca após um longo hiato de mais de uma década, o presente álbum costura passado e presente de forma sempre provocativa, partindo de experiências particulares do artista para dialogar com temas externos. Exemplo disso está na profunda versatilidade que invade as rimas em Carta pra Amy. Enquanto reflete sobre a própria relação com o vício em drogas e o permanente processo de reabilitação (“Vencer a mim mesmo é a questão, questão que não me vence / Minha cabeça falante fala pra caralho / E, aí, my talking head stop making sense“), o rapper estabelece pequenos diálogos conceituais com diferentes personalidades do mundo da música. De Amy Winehouse, exaltada no título da canção, passando por Kurt Cobain e Nina Simone, interessante notar como o Black Alien utiliza desses diferentes personagens para discutir o peso da fama e a passagem do tempo de forma sempre provocativa, honesta.

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#2. Terno Rei
Violeta (2019, Balaclava Records)

Ouvir as canções de Violeta (2019, Balaclava Records) é como se deparar com o produto final de um lento processo de amadurecimento criativo. Terceiro álbum de estúdio do grupo paulistano Terno Rei, o sucessor do bom Essa Noite Bateu Com Um Sonho (2016) traduz de maneira simples tudo aquilo que a banda – hoje composta por Ale Sater (voz e baixo), Bruno Paschoal (guitarra), Greg Vinha (guitarra), Luis Cardoso (bateria) –, vem produzindo desde o início da carreira, com Vigília (2014). Canções de amor, conflitos existencialistas e instantes de breve celebração que se articulam de maneira honesta, sempre tocante, como um permanente diálogo entre os integrantes da banda e o próprio ouvinte. A principal diferença em relação aos últimos trabalhos do grupo está no teor esperanço, quase sorridente, que serve de sustento aos versos. “E quero me jogar nesse azul / No infinito destes braços / Pois aqui me sinto livre / Eu aqui me sinto em casa / Eu aqui me sinto inteiro“, cresce a voz de Sater em Yoko, faixa de abertura do disco e um precioso indicativo da mudança de direção que orienta a experiência do ouvinte. De fato, poucas vezes antes o som produzido pela Terno Rei pareceu tão acessível, pop. Das harmonias de vozes trabalhadas em composições como Medo (“Quem não tem mais medo sou eu“), passando pelas guitarras de Solidão de Volta, música que aponta para os anos 1980, cada elemento do disco parece pensado para seduzir o público médio sem grandes dificuldades. Leia o texto completo.

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#1. Ana Frango Elétrico
Little Electric Chicken Heart
(2019, Risco)

Palavra e melodia, sentimento e desconstrução. Em Little Electric Chicken Heart (2019, Risco), segundo e mais recente álbum de estúdio de Ana Frango Elétrico, você pode esperar de tudo, menos pelo óbvio. Entregue ao público poucos meses após o lançamento do também curioso Mormaço Queima (2018), obra em que se permite brincar com a fragmentação dos arranjos e vozes, Ana Fainguelernt, verdadeiro nome da artista responsável pelo projeto, utiliza do presente álbum como uma colorida extensão do disco anterior. São camadas de guitarras, metais e referências sobrepostas de forma propositadamente inexata, torta, indicando o caminho percorrido pela musicista carioca até o último instante da obra. Síntese desse criativo processo de transformação se faz evidente logo nos primeiros minutos do disco, em Saudades. São pouco menos de quatro minutos em que Fainguelernt parte de uma base contida e atmosférica, como uma bossa tropical, para um cenário consumido pela incerteza dos elementos. Um ziguezaguear estético que passa pela obra de Jorge Ben Jor, perverte o pop empoeirado dos anos 1960 e chega até o presente cenário em uma estrutura própria da artista carioca, sempre sonora, feita para grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição. Leia o texto completo.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.