Os 50 Melhores Discos de 2020 – Até Agora

/ Por: Cleber Facchi 19/06/2020

Nunca antes a música foi tão importante. Isolados, vivendo em um contexto de pandemia e crise global, são as vozes, batidas e melodias compartilhados por diferentes artistas que acabam servindo como elemento de libertação. Trabalhos que convidam o ouvinte a dançar, confortam, provocam ou simplesmente dialogam com esse momento de maior contemplação. É partindo desse mesmo direcionamento que apresentamos nossa tradicional lista com os melhores discos lançados no primeiro semestre deste ano. De Fiona Apple à Dua Lipa, de Mahmundi a Kiko Dinucci, sobram registros importantes que nos acompanharam nos últimos meses. Para a composição do material, foram selecionados apenas trabalhos lançados até o dia 15 de junho. Leia, ouça cada um deles e compartilhe.


 

Arthur Melo
Adeus (2020, Sentinela Discos)

Saudade, solidão e recordações de um passado distante. Em Adeus (2020, Sentinela Discos), terceiro e mais recente álbum de estúdio do cantor e compositor mineiro Arthur Melo, cada fragmento do disco produzido e gravado inteiramente pelo músico, estabelece em memórias empoeiradas e pequenas desilusões sentimentais a base para grande parte das faixas. São canções concebidas de forma caseira, sem pressa, como e cada componente da obra fosse trabalhado em uma medida própria de tempo. Um exercício de essência intimista, como um convite a revisitar o que há de mais doloroso e acolhedor nas experiências resgatadas pelo artista. “Hoje é segunda meu amor / A tristeza é presente / Essa canção já ficou bege / Tem gosto de carnaval do interior“, relembra em 2012, o Ano Bege, segunda faixa do trabalho e um indicativo do lirismo melancólico que serve de sustento ao disco. Instantes em que Melo perverte as ambientações ensolaradas de Agosto (2017) e Nhanderuvuçu (2018), porém, em nenhum momento sufoca pela própria tristeza, fazendo do ambiente particular detalhado ao longo do registro o estímulo para uma obra quase sensorial, sempre convidativa, como se feita para ser desvendada pelo público. Leia o texto completo.

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Bad Bunny
YHLQMDLG (2020, Rimas)

Romances fracassados, noites embriagadas e instantes de profunda entrega sentimental. Em YHLQMDLG – uma abreviação para “Yo Hago Lo Que Me da La Gana“, em português “Eu faço o que quero” –, Benito Antonio Martínez Ocasio, o Bad Bunny, segue de onde parou durante a produção do primeiro álbum de estúdio da carreira, o bem-recebido X 100pre (2018). São versos consumidos pela saudade e o permanente desejo do eu lírico em encontrar um novo amor, estrutura que assume contornos festivos durante a entrega do ainda recente Oasis (2019), colaboração com o colombiano J Balvin, mas que volta a se repetir de forma ainda mais sensível em cada uma das canções que recheiam o presente registro do rapper porto-riquenho. “Vá embora / Ninguém está te segurando e a porta está aberta / Não se preocupe pela gente, nossa história já está morta / Espero que você seja feliz e se divirta / Mas não volte aqui“, canta em Vete, canção escolhida para anunciar a chegada do registro e uma clara síntese de tudo aquilo que Ocasio entrega ao público até a derradeira <3. Um misto de trap, reggaeton e R&B, estrutura que naturalmente aponta para o trabalho de veteranos como Drake, com quem colaborou em Mia, mas que em nenhum momento corrompe a identidade criativa do porto-riquenho, efeito direto do romantismo agridoce que serve de sustento ao disco. Leia o texto completo.

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Blake Mills
Mutable Set (2020, New Deal Records / Verve Records)

Blake Mills é um desses personagens invisíveis, porém, sempre presentes da indústria da música. Em mais de uma década de carreira, o multi-instrumentista norte-americano não apenas se relacionou criativamente com nomes como Fiona Apple, John Legend, Jesca Hoop e Sky Ferreira, como esteve diretamente envolvido na produção de algumas das obras mais sensíveis lançadas nos últimos anos, caso de No Shape (2017), de Perfume Genius, e Semper Femina (2017), um dos grandes registros de Laura Marling. Trabalhos sempre regidos pela interferência discreta do californiano, proposta que acaba se refletindo no quarto e mais recente álbum de estúdio do artista, o minimalista Mutable Set. Marcado pela economia dos arranjos, o sucessor do também delicado Look EP (2018), entregue há dois anos, nasce como uma obra despida de possíveis excessos. É como se Blake transportasse para dentro de estúdio a mesma base esquelética que serve de sustentação aos trabalhos entregues por alguns de seus principais parceiros criativos. Canções pontuadas pelo reducionismo de pianos, batidas e guitarras, proposta que naturalmente preserva a identidade do músico californiano, porém, confessa de maneira sutil algumas de suas principais referências criativas. Leia o texto completo.

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Caribou
Suddenly (2020, City Slang / Merge)

Não foram poucos os caminhos trilhados por Dan Snaith em mais de duas décadas de carreira. Do minimalismo que embala as canções do introdutório Start Breaking My Heart (2000), quando ainda se apresentava sob o título de Manitoba, passando pelo experimentalismo torto de Up in Flames (2003), até alcançar a neo-psicodelia de The Milk of Human Kindness (2005) e Andorra (2007), já como Caribou, sobram instantes de evidente acerto, ruptura estética e busca por novas possibilidades dentro de estúdio. Entretanto, foi com a chegada de Swim (2010), casa de músicas como Odessa e Leave House, além, claro, do doce romantismo detalhado em Our Love (2014), que o produtor canadense alcançou sua melhor forma, dialogando com uma parcela ainda maior do público. Interessante perceber em Suddenly, décimo e mais recente álbum de estúdio do artista que também se apresenta como Daphni, uma extensão natural de tudo aquilo que Snaith tem produzido desde o início da década passada. São canções que transitam por entre gêneros e sonoridades sempre distintas, porém, conceitualmente amarradas pela base eletrônica que serve de sustento ao disco. Instantes em que o produtor canadense vai da completa leveza, como na introdutória Sister, com seus sintetizadores e melodias atmosféricas, à força das batidas em Never Come Back, música que parece dialogar com o trabalho de contemporâneos como Four Tet e Hot Chip. Leia o texto completo.

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Carly Rae Jepsen
Dedicated Side B (2020, 604 / School Boy / Interscope)

Você nunca sabe que precisa de um disco até ouvir suas canções. Com Dedicated Side B não é diferente. Complemento ao disco homônimo entregue no último ano, o trabalho, mais uma vez, reflete a capacidade de Carly Rae Jepsen em passear pelo pop dos anos 1970 e 1980 de forma deliciosamente nostálgica e autoral. Canções que evocam os primeiros registros de Madonna, flertam com a obra de Donna Summer e Cyndi Lauper, porém, estabelecem no romantismo agridoce da artista canadense, típico do repertório consolidado em Emotion (2015), a passagem para um universo de novas possibilidades e sentimentos tratados de forma sempre confessional, íntimos de qualquer ouvinte. “E por algum tempo, eu estive / Cantando uma canção de ninar a cada noite / Sussurrando que é seu direito de me machucar / Se você quisesse, mas o amor não é cruel“, reflete na inaugural This Love Isn’t Crazy. São pouco menos de quatro minutos em que a cantora não apenas se entrega sentimentalmente, como estabelece na força das batidas, vozes e uso destacado dos sintetizadores a base para grande parte das faixas. Um colorido catálogo de ideias que se completa pela presença do velho colaborador, o multi-instrumentista Jack Antonoff (Lorde, St. Vincent), mas que cresce na forma como a artista reserva ao público um vasto conjunto de experiências românticas e instantes de doce melancolia, como um complemento ao repertório entregue no último ano. Leia o texto completo.

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Charli XCX
How I’m Feeling Now (2020, Atlantic / Asylum)

Em pleno processo de divulgação do colaborativo Charli (2019), obra que contou com a presença de nomes como Christine and The Queens, HAIM e Sky Ferreira, Charli XCX se viu forçada a cancelar todos os compromissos e se trancar em casa por conta da pandemia de Covid-19. Entretanto, sempre prolífica, a cantora e compositora inglesa decidiu aproveitar do período de isolamento para investir em um novo registro de inéditas, How I’m Feeling Now, álbum que preserva a essência do disco entregue há poucos meses, porém, estabelece na melancolia dos versos e inquietações estimuladas pelo próprio distanciamento a passagem para um trabalho de essência documental. “Brilho labial e eu estou parecendo uma estrela / Tenho uma bolsa pequena, mas tenho um grande coração / Na conversa por vídeo, saia fofa e sutiã / Estou me sentindo tão bem, meio que me sentindo uma vadia“, brinca na introdutória Pink Diamond, faixa em que utiliza desse novo jeito de se relacionar à distância como estímulo para a composição dos versos. São letras sempre intimistas e libertadoras, como se uma vez imersa nesse ambiente restrito, a cantora fosse capaz de rever diferentes aspectos da própria vida sentimental, estrutura que se reflete em outros momentos ao longo da obra. Leia o texto completo.

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Chloe x Halle
Ungodly Hour (2020, Parkwood / Columbia)

Mesmo repleto de boas composições, como Down e Warrior, o excesso de colaboradores e a produção turbulenta fez do introdutório The Kids Are Alright (2018), uma obra que mais parecia formatar do que preservar a identidade criativa das irmãs Chloe e Halle Bailey. Longe do minimalismo dos arranjos e uso destacado da voz, conceito proposto na mixtape The Two of Us (2017), a dupla acolhida por Beyoncé decidiu se aventurar em estúdio, proposta que talvez não tenha agradado aos antigos seguidores das artistas de Atlanta, mas que alcança um precioso ponto de equilíbrio nas canções que embalam o maduro Ungodly Hour. Misto de sequência e fina desconstrução do material entregue nos últimos registros de inéditas, o trabalho concentra o que há de melhor nesses dois universos criativos. De um lado, composições de essência comercial, como se pensadas para dialogar com uma parcela cada vez maior do público. No outro, o evidente comprometimento estético e entrega de cada integrante, estrutura que não apenas se reflete na escolha da dupla em assinar grande parte da produção das faixas, como, principalmente, em transportar para dentro de estúdio um delicado conjunto de experiências sentimentais. São versos sempre intimistas, fortes, conceito detalhado tão logo o álbum tem início, na atmosférica música de abertura (“Nunca peça permissão / Peça perdão“), mas que acaba orientando a experiência do ouvinte até o último segundo do disco. Leia o texto completo.

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Christian Lee Hutson
Beginners (2020, ANTI-)

Beginners é um trabalho que você provavelmente já ouviu uma dezena de vezes. São canções marcadas pelo minimalismo dos arranjos, passeios pelo cancioneiro norte-americano e o uso sempre delicado da voz, proposta que tanto evoca a obra de veteranos, como Elliott Smith e Sufjan Stevens, como nomes recentes aos moldes de Angelo De Augustine e Lucy Dacus. Entretanto, o que torna o novo álbum de Christian Lee Hutson, colaborador frequente de Phoebe Bridgers, tão interessante, são justamente as histórias narradas pelo artista até a derradeira Single for the Summer. “20 de outubro / Pelos de cachorro, um cobertor em seu ombro / Lendo o menu com sotaque / Tentando fazer você rir”, canta em meio a versos descritivos que embalam a introdutória faixa de abertura e se completam pelo refrão melancólico: “não lembro de envelhecer, mas estou desacelerando / Não sei se vou sentir sua falta para onde estou indo agora“. Fragmentos sentimentais que se confundem em meio a memórias da infância e início da vida adulta. Um resgate particular de tudo aquilo que o músico tem vivido desde o último álbum de estúdio, Yeah Okay, I Know (2015), porém, em um sentido cada vez mais amplo, como se Hutson fizesse das próprias emoções um componente de diálogo com o ouvinte. Leia o texto completo.

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Christine and The Queens
La Vita Nuova (2020, Because Music)

A mensagem repassada por Héloïse Letissier em La Vita Nuova é bastante clara. Primeiro registro de inéditas da cantora e compositora francesa desde o bem-recebido Chris (2018), o trabalho de apenas seis faixas encontra na força dos sentimentos, medos e desilusões amorosas a base para cada uma das composições apresentadas pela artista. “É verdade, gente, fiquei triste / É verdade, pessoal, eu fui embora / É verdade, gente, eu estou perdendo“, confessa na introdutória People, I’ve Been Sad, um R&B empoeirado que lembra a boa fase de Michael Jackson e serve de passagem para todo o restante da obra. Concebido em um intervalo de poucos meses, o registro que conta com co-produção de Ash Workman (Metronomy, Girl Ray), transita por entre idiomas, fórmulas e variações instrumentais partindo sempre de um único propósito: fazer da dor que consome os sentimentos de Letissier o estímulo para uma obra de linguagem universal. Trata-se de uma representação minuciosa de tudo aquilo que a cantora viveu nos últimos meses, vide a morte inesperada da própria mãe e uma série de outros problemas pessoais. Leia o texto completo.

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Cícero
Cosmo (2020, Independente)

O infinito emoldurado na capa de Cosmo, quinto e mais recente álbum de estúdio de Cícero Rosa Lins, funciona como um indicativo claro do material entregue pelo cantor e compositor carioca no decorrer da obra. Instantes em que o artista responsável pela composição de registros como Canções de Apartamento (201), Sábado (2013) e A Praia (2015) condensa a imensidão dos sentimentos em um curto bloco de experiências pessoais. Canções que celebram a alegria dos dias, o medo da solidão e a inevitabilidade da passagem do tempo, como uma extensão particular do repertório apresentado no antecessor Cícero & Albatroz (2017). Não por acaso, o músico carioca fez da atmosférica Falso Azul a faixa de abertura do disco. “Céu não há / Hoje foi embora / Tem, mas não tá ou não quer aparecer / Alto lá / Onde ninguém mora / Longe daqui“, canta enquanto sintetizadores climáticos e as vozes complementares de Beatriz Pessoa, Mari Milani e Leonor Arnaut correm ao fundo da canção, sem pressa. Um lento desvendar de ideias e inquietações pessoais, proposta que orienta com naturalidade a experiência do ouvinte até o último instante da obra. Leia o texto completo.

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Destroyer
Have We Met (2020, Merge / Dead Oceans)

Difícil olhar para a extensa produção de Dan Bejar na última década e não entender toda a seleção de obras apresentadas pelo artista canadense como parte de um único registro. Do amadurecimento instrumental e poético que embala as canções do atmosférico Kaputt (2011), passando pelo espírito decadente de Poison Season (2015), trabalho em que busca inspiração em grandes musicais da Broadway, elementos do jazz clássico e até nos livros de Clarice Lispector (1920 – 1977), cada fragmento criativo se entrelaça de forma complementar. Composições marcadas pela melancolia dos temas e permanente sensação de isolamento vivida pelo eu lírico, estrutura que ganha ainda mais destaque no soturno Have We Met. Sequência ao material entregue no também referencial Ken (2017), registro inspirado pelas canções de Morrissey, The Cure e outros nomes de destaque da década de 1980, Have We Met é, parta todo os efeitos, um resgate conceitual de tudo aquilo que foi produzido para o Destroyer nos últimos dez anos. Concebido de forma caseira, em meio a captações noturnas na cozinha de Bejar, o álbum encontrou na produção minuciosa de John Collins (The New Pornographers, Tegan and Sara), parceiro de longa data do artista, um importante componente criativo para o fortalecimento da obra. Em um intervalo de mais de três meses, Collins se dedicou a inserir camadas instrumentais, ruídos e pequenas variações melódicas extraídas de sessões descartadas dos antigos trabalhos da banda, como o uso de metais detalhados em Kaput e arranjos de cordas em Poison Season. Leia o texto completo.

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Dua Lipa
Future Nostalgia (2020, Warner)

Future Nostalgia não é apenas um disco. São vários. Conceitualmente ancorado no pop dos anos 1980 e 1990, o segundo álbum de estúdio da cantora e compositora britânica Dua Lipa, encontra no aspecto revisionista dos elementos o estímulo para uma seleção de faixas que parecem pensadas para grudar na cabeça do ouvinte. Canções que utilizam da nostalgia não vivenciada da própria artista como estímulo para um repertório que vai dos primeiros anos de Madonna ao som florescente do Blondie, das batidas eletrônicas de Kylie Minogue ao romantismo cômico de Lily Allen, proposta que orienta com naturalidade a experiência do público até a derradeira Boys Will Be Boys. Longe de parecer uma obra inovadora, afinal, não há nada aqui que Taylor Swift já não tenha testado em 1989 (2014) e Carly Rae Jepsen em E•MO•TION (2015), Future Nostalgia encanta justamente pela capacidade da artista em replicar o passado de forma simples e direta. São sintetizadores e batidas cuidadosamente encaixadas dentro de estúdio, minúcia que se reflete tão logo o disco tem início, na autointitulada música de abertura, e segue em meio a canções capazes de rivalizar com alguns dos principais sucessos da cantora, como IDGAF e, principalmente, New Rules, faixa que alavancou Dua Lipa para o topo das principais paradas de sucesso. Leia o texto completo.

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Empress Of
I’m Your Empress Of (2020, Terrible / XL)

Não é de hoje que Lorelay Rodriguez tem flertado com as pistas. Queridinha de alguns dos nomes mais interessantes da produção eletrônica, como a dupla DJDS, com quem colaborou em Why Don’t You Come On, e o espanhol Pional, parceiro em The Way That You Like, a cantora e compositora norte-americana utiliza justamente dessa base referencial como estímulo para as canções que embalam o recente I’m Your Empress Of. Composições que preservam a identidade conceitual detalhada desde a estreia com Me (2015), porém, se permitem avançar criativamente, proposta que se reflete até a música de encerramento do trabalho, Awful. Como indicado durante o lançamento de Give Me Another Chance, primeira composição do disco a ser apresentada ao público, Rodriguez e seus parceiros de estúdio, os produtores BJ Burton, Jim-E Stack e Mikey Freedom Hart, encontram nas pistas dos anos 1980 e 1990 a base para grande parte das canções. Da construção das batidas, visivelmente inspirada pela obra de veteranos como Cassius, passando pelo uso complementar das vozes, íntimas da recente fase de Robyn, em Honey (2018), tudo soa como um olhar curioso para o passado. Leia o texto completo.

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Empty Country
Empty Country (2020, Get Better)

Como vocalista e principal articulador do Cymbals Eat Guitars, o músico Joseph D’Agostino trabalhou na composição de alguns dos exemplares mais significativos da produção independente na última década. Da estreia com Why There Are Mountains (2009), passando pela entrega de registros como Lenses Alien (2011), LOSE (2014) e Pretty Years (2016), sobram composições que refletem a capacidade do cantor e compositor estadunidense em não apenas preservar a própria identidade, como em estabelecer pequenos diálogos criativos com a obra de veteranos como Modest Mouse, Pavement e The Wrens. Com o fim das atividades da banda, D’Agostino decidiu investir em um novo projeto, o Empty Country. Entretanto, é partindo da mesma base melódica empregada nos últimos trabalho do Cymbals Eat Guitars que o artista norte-americano revela ao público as canções do presente disco. São coros de vozes, guitarras carregadas de feitos e harmonias nostálgicas que vão do Big Star a Tom Petty. Uma criativa colagem de ideias e referências pessoais, estrutura que convida o ouvinte a se perder em um território marcado pela nostalgia dos temas. Leia o texto completo.

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Fiona Apple
Fetch the Bolt Cutters (2020, Epic)

Quando foi a última vez que sentimos tamanho impacto com o lançamento de um disco? Na chegada de My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), de Kanye West? Talvez. Quando Beyoncé pegou muita gente de surpresa com o autointitulado registro visual? Pode ser. Nas rimas impressas por Kendrick Lamar, em To Pimp a Butterfly (2015), e Frank Ocean, em Blonde (2016)? Provavelmente. Quinto e mais recente álbum de estúdio da cantora e compositora norte-americana Fiona Apple, Fetch the Bolt Cutters é, como esses e outros trabalhos importantes que surgiram na última década, um registro que já nasce clássico. Impactante do primeiro ao último verso, a obra encontra na força dos sentimentos detalhados pela pianista estadunidense a base para uma seleção de faixas que alterna entre o desequilíbrio pessoal e a permanente busca por autoaceitação. Sequência ao doloroso The Idler Wheel Is Wiser than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More than Ropes Will Ever Do (2012), um dos registros mais viscerais que surgiram na última década, Fetch the Bolt Cutters cresce como um produto das experiências, conflitos intimistas e traumas acumulados pela cantora nova-iorquina desde a estreia com Tidal (1996). “Eu sou a mulher que quer que você ganhe / E eu estava esperando / Esperando você para me amar“, canta para si mesma, em I Want You to Love Me, faixa que aponta a direção seguida até o último instante da obra, em On I Go. São composições de essência caótica, sempre autobiográficas, conceito reforçado logo nos primeiros minutos do disco, em Shameika, faixa em que parte da agressão sofrida na infância como estímulo para uma série de desajustes na vida adulta – “Shameika não era gentil e ela não era minha amiga, mas / Ela chegou até mim e nunca mais a verei … Shameika disse que eu tinha potencial“. Leia o texto completo.

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Four Tet
Sixteen Oceans (2020, Text)

Desde o início da carreira, a grande beleza da obra de Kieran Hebden sempre esteve na capacidade do produtor em investir na composição de faixas puramente dançantes, porém, marcadas pelo maior refinamento estético. Exemplo disso está em toda a sequência de músicas apresentadas desde o fim da década de 1990, como nas ambientações de Pause (2001) e Rounds (2003), mas, principalmente, nas texturas, inserções pontuais e vozes tratadas como instrumentos em There Is Love in You (2010), registro que não apenas revelou algumas das criações mais delicadas do britânico, caso de Angel Echoes e Love Cry, como transportou o som de Four Tet para um novo território criativo. Curioso perceber em Sixteen Oceans (2020, Text), décimo e mais recente álbum de estúdio do produtor britânico, uma clara continuação do material entregue em There Is Love in You. Do uso destacado dos sintetizadores, passando pela fragmentação das vozes, batidas e captações orgânicas, poucas vezes antes um registro apresentado pelo artista pareceu refletir tamanho esmero. São camadas instrumentais, ruídos e inserções pontuais que parecem feita para serem desvendadas pelo ouvinte, cuidado que se reflete até a econômica Mama Teaches Sanskrit. Leia o texto completo.

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Grimes
Miss Anthropocene (2020, 4AD).

Passado, presente e futuro se confundem na estranha narrativa de Miss Anthropocene. Quinto e mais recente álbum de estúdio de Grimes, o trabalho produzido em um intervalo de quase dois anos encontra na imagem de uma “deusa antropomórfica das mudanças climáticas“ o estímulo para um delicado conjunto de faixas em que “cada composição é tratada como uma personificação diferente da extinção humana“, como resume o texto de lançamento da obra. Frações poéticas que vão do aquecimento global ao panteão grego, da inevitabilidade da morte ao domínio de inteligências artificiais, estrutura que faz do presente disco uma resposta sombria ao material entregue no pop colorido do antecessor Art Angels (2015). De fato, do momento em que tem início, em So Heavy I Fell Through the Earth, com seus sintetizadores e guitarras carregadas de efeitos, até alcançar o pop etéreo de IDORU, faixa de encerramento do disco, difícil não pensar em Miss Anthropocene como um ponto de equilíbrio entre o propositado exagero do álbum anterior e as melodias celestiais de Visions (2012). Canções que atravessam o experimentalismo eletrônico para flertar com o rock caricato dos anos 2000, principalmente o nu-metal, gênero que tem sido incorporado pela artista canadense desde o último ano, durante a apresentação da turbulenta We Appreciate Power, parceria com HANA. Leia o texto completo.

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Jamie xx
Essential Mix (2020, BBC Radio 1)

Em quase três décadas de criação, não foram poucos os artistas que fizeram da passagem pelo cultuado Essential Mix, programa de duas horas da BBC Radio 1 nas madrugadas de sábado, o estímulo para alguns dos trabalhos mais importantes da produção eletrônica. São nomes como Paul Oakenfold, Daft PunkNicolas JaarBasement Jaxx e outros representantes do gênero que utilizaram do espaço para apresentar suas próprios criações, confessar referências, resgatar músicas esquecidas e, principalmente, fazer o ouvinte dançar. Uma criativa colisão de ideias e experiências que ganha ainda mais destaque com a recente apresentação do britânico Jamie xx. Sequência ao material entregue há nove anos, durante a primeira passagem do produtor pelo programa, a recente performance do também integrante do The xx evidencia a imagem de um artista maduro e versátil durante a montagem de todo o repertório. São 120 minutos em que James Thomas Smith, verdadeiro nome do músico inglês, vai das raves dos anos 1990 aos clubes de jazz, do experimentalismo eletrônico ao uso de ritmos brasileiros, cuidado que se reflete até a faixa de encerramento do trabalho, uma apresentação ao vivo do saxofonista estadunidense Kamasi Washington. Leia o texto completo.

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Jay Electronica
A Written Testimony (2020, Roc Nation)

Dez anos, esse foi o tempo necessário para que Elpadaro F. Electronica Allah, o rapper Jay Electronica, finalizasse o primeiro trabalho de estúdio da carreira, A Written Testimony (2020, Roc Nation). Em atuação desde a segunda metade dos anos 1990, quando ganhou notoriedade na cena de Nova Orleães, o artista que já havia colaborado com nomes como Erykah Badu e Just Blaze, em Act I: Eternal Sunshine (The Pledge) (2007), encontra no presente álbum uma extensão natural de tudo aquilo que havia testado desde o início da carreira. Canções pontuadas por temas existencialistas, debates raciais e versos marcados pela forte religiosidade, proposta que sutilmente amplia tudo aquilo que Allah havia testado em preciosidades como Exhibit A (2009) e Exhibit C (2009). Não por acaso, Jay Electronica inaugura o disco com a atmosférica The Overwhelming Event. Concebida a partir de trechos de um discurso do líder religioso e ativista político Louis Farrakhan, a canção discute a força do movimento negro nos Estados Unidos, repressão e o constante avanço do conservadorismo em uma interpretação quase apocalíptica. Fragmentos de vozes que se espalham em meio a inserções minuciosas de samples, ruídos e ambientações ocasionais, direcionamento anteriormente testado nos antigos trabalhos do rapper, mas que ganha ainda mais destaque no presente disco. Leia o texto completo.

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Josyara / Giovani Cidreira
Estreite (2020, Joia Moderna)

A colorida sobreposição de corpos que estampa a imagem de capa de Estreite, bem-sucedido encontro entre Josyara e Giovani Cidreira, funciona como um indicativo da forte aproximação criativa entre a dupla baiana. Ideias que se entrelaçam de forma sempre precisa, detalhista, como fragmentos de um mesmo bloco de experiências sentimentais, sonoras e líricas. Canções concebidas a partir de poemas de amor, medos e conflitos existencialistas que se espalham em uma cama de formas econômicas, como se cada fragmento do disco fosse observado de maneira independente, valorizando cada elemento destacado no decorrer da obra. Perfeita representação desse resultado ecoa com naturalidade logo nos primeiros minutos do disco, na introdutória Palma. Da construção das batidas, ainda íntimas do material entregue no experimental Mix$take (2019), último registro de Cidreira, passando pela guitarra atmosférica de Josyara, fruto do som incorporado em Mansa Fúria (2018), tudo soa como um perfeito ponto de equilíbrio entre as ideias compartilhadas pela dupla baiana. Um misto de passado e presente, troca e reinterpretação, conceito que se reflete até a faixa de encerramento do disco, a densa Farol. Leia o texto completo.

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Jup do Bairro
Corpo Sem Juízo (2020, Independente)

O que pode um corpo sem juízo? A pergunta lançada por Jup do Bairro funciona como um indicativo do universo de pequenas incertezas que serve de sustento ao primeiro trabalho de estúdio da multiartista paulistana. Composições que transitam por entre gêneros, temas e colaboradores sem necessariamente perder a própria coerência. São versos políticos, delírios românticos, medos e conflitos intimistas, conceito reforçado tão logo o disco tem início, na atmosférica Transgressão, mas que acaba se refletindo até a derradeira faixa-título. Um espaço onde tudo e nada pode acontecer ao mesmo tempo. Exemplo disso está na forma como a cantora/rapper muda de identidade a cada nova composição, proposta que vai do pop eletrônico e R&B, em All You Need Is Love, encontro com Rico Dalasam, Linn da Quebrada e BadSista, ao hard rock de Pelo Amor de Deize, bem-sucedida colaboração com Deize Tigrona. Canções que se entrelaçam de forma inexata, jogando com a experiência do ouvinte até o último instante do trabalho.

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Kehlani
It Was Good Until It Wasn’t (2020, Atlantic)

Kehlani talvez não faça parte do primeiro escalão do R&B norte-americano, entretanto, poucos artistas surgidos na última década mantém tamanha consistência e refinamento no processo de composição quanto a cantora de Oakland, Califórnia. Seja na busca por uma sonoridade cada vez mais voltada ao pop, marca do introdutório SweetSexySavage (2017), primeiro álbum de estúdio da carreira, ou no parcial recolhimento de obras como You Should Be Here (2015) e While We Wait (2019), sobram instantes em que a ex-integrante do PopLyfe desvenda e amplia a própria identidade criativa, proposta que muito se assemelha ao trabalho de contemporâneas como Tinashe e Jhené Aiko, essa última, parceira de longa data da artista. É justamente dentro desse território particular que a cantora e compositora norte-americana embala as canções do confessional It Was Good Until It Wasn’t. Segundo e mais recente trabalho de estúdio, o álbum concebido em um intervalo de poucos meses, utiliza de memórias ainda vívidas como estímulo para a formação dos versos. Composições que partem do recente término de relacionamento entre Kehlani e o rapper YG, passam pelo nascimento da primeira filha da artista e seguem em meio a instantes de doce melancolia, conceito que tem sido explorado desde os primeiros registros autorais. Leia o texto completo.

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Kiko Dinucci
Rastilho (2020, Independente)

Quem canta é a madeira“. A frase extraída do texto de apresentação de Rastilho, segundo álbum de Kiko Dinucci em carreira solo, funciona como um indicativo claro do caminho percorrido pelo músico paulistano durante toda a execução da obra. Livre da urgência, personagens escusos e ambientações urbanas que marcam as canções do antecessor Cortes Curtos (2017), o guitarrista do Metá Metá e colaborador de nomes como Elza Soares e Jards Macalé passeia em meio fórmulas pouco usuais e paisagens sertanejas, fazendo do violão solitário e lirismo psicodélico das vozes ecoadas a ponte para um universo fantástico, como um refúgio conceitual que costura passado e presente de forma sempre delirante. Não por acaso, Dinucci escolheu a instrumental Exu Odara como música de abertura do disco. De essência atmosférica, a faixa aponta a direção seguido durante toda a produção do trabalho. São movimentos sempre calculados do violão, como se cada nota disparado pela mão direita do artista arrastasse o ouvinte para o núcleo da obra. Exemplo disso está na sertaneja Marquito, composição que une forma e movimento de maneira detalhista, gerando a imagem de um ambiente árido, como um passeio pelo sertão nordestino, experiência que se reflete até o último instante do disco. Leia o texto completo.

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Laura Marling
Song for Our Daughter (2020, Chrysalis / Partisan)

Com exceção do primeiro álbum de estúdio, Alas, I Cannot Swim (2008), Laura Marling parece ter encontrado no uso de temas e conceitos específicos a passagem para cada novo trabalho de estúdio. Foi assim com o lançamento de I Speak Because I Can (2010), obra em que discute o peso do machismo e a repressão sofrida diariamente pelas mulheres; na poesia existencialista de A Creature I Don’t Know (2011), um canto amargo sobre a própria solidão; nos três diferentes atos de Once I Was an Eagle (2013) e, principalmente, no lirismo acolhedor de Semper Femina (2017), registro em que utiliza de sentimentos, medos e vivências compartilhadas por diferentes personagens femininas como estímulo para a composição dos versos. Em Song for Our Daughter, sétimo e mais recente álbum de estúdio da cantora inglesa, a passagem para um novo território criativo. Inspirada pela obra de Maya Angelou (1928 – 2014), Marling utiliza dos versos detalhados ao longo do trabalho como um componente de diálogo com uma filha imaginária. São canções marcadas por conflitos existencialistas, desilusões amorosas e momentos de evidente entrega sentimental, como uma extensão melódica do material entregue pela poetisa norte-americana em uma de suas principais criações, Carta a Minha Filha (2009). Leia o texto completo.

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Lido Pimienta
Miss Colombia (2020, ANTI-)

Em 2016, quando Lido Pimienta deu vida ao premiado La Papessa, grande vencedor do Polaris Music Prize de 2017, uma das principais premiações culturais do Canadá, o fenômeno da música latina parecia muito distante do cenário que conhecemos hoje. Longe do sucesso em torno de Despacito, da ascensão de nomes J Balvin e Bad Bunny, ou do aspecto revolucionário em torno da obra de Rosalía, vide o elogiado El Mal Querer (2018), a cantora e compositora de origem colombiana parecia seguir uma trilha isolada, quase solitária, conceito que se reflete na doce melancolia que serve de sustento aos versos e temas instrumentais detalhados de forma sutil ao longo do álbum. Quatro anos após a entrega do registro, interessante perceber nas canções de Miss Colombia (2020, ANTI-), segundo e mais recente álbum de estúdio, a passagem para uma obra que não apenas resgata tudo aquilo que a cantora havia testado no disco anterior, como firma Pimienta como um dos principais símbolos dessa nova identidade latina. Da fotografia de capa, um misto de quinceañera e imagem religiosa, passando pela composição dos versos e seleção dos ritmos, cada fragmento do trabalho encontra na essência da artista um importante componente de transformação. Leia o texto completo.

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Lyra Pramuk
Fountain (2020, Bedroom Community)

Não existe instrumento mais versátil do que a voz humana. E Lyra Pramuk parece entender bem isso. Não por acaso, para o primeiro álbum em carreira solo, a cantora, compositora e produtora norte-americana utiliza do próprio canto como um estímulo para cada uma das sete faixas que recheiam o introdutório Fountain. São sobreposições etéreas, texturas e ambientações sempre detalhistas, precisas, estrutura que se reflete na forma como a artista residente em Berlim assume diferentes identidades criativas a cada nova criação, como um exercício claro do desejo da musicista em brincar com as possibilidades. Colaboradora frequente de outros entusiastas do uso instrumental da voz, como Colin Self e Holly Herndon, essa última, responsável pelo ainda recente Proto (2019), obra em que utiliza de uma inteligência artificial como forma de emular as vozes humanas, Pramuk faz do bem-sucedido debute um ponto de equilíbrio entre o pop e a música erudita. São ambientações melancólicas que se entrelaçam de forma transcendental, estrutura que vai da produção eletrônica ao doce experimentalismo, cuidado que se reflete até a faixa de encerramento do disco, a extensa New Moon. Leia o texto completo.

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Mahmundi
Mundo Novo (2020, Universal Music)

Marcela Vale não poderia ser mais explícita. Ponto de partida para uma nova fase na carreira da cantora e compositora carioca como Mahmundi, Mundo Novo, terceiro e mais recente álbum de estúdio, estabelece na busca por diferentes sonoridades um delicado ponto de ruptura criativa. Composições que pervertem o pop nostálgico que embala os primeiros registros autorais, como o homônimo disco entregue há quatro anos, porém, preservam lirismo convidativo e leveza que tem sido aprimorada desde o antecessor Pra Dias Ruins (2018), obra que revelou uma artista cada vez mais acessível, conceito reforçado nas canções do presente trabalho. De essência radiofônica, como se feito para ser sintonizado e absorvido em um passeio de carro pela cidade, Mundo Novo estabelece nas relações humanas a base para grande parte das canções. “Ser humano é ser plural. Conviver não é só uma opção que a gente faz. O convívio é a nossa condição, é questão de sobrevivência, identidade“, reflete o mineiro Paulo Nazareth, no texto de abertura do disco. Também colaborador em Convívio, terceira faixa do trabalho, o músico parece apontar a direção seguida pela artista até a canção de fechamento do álbum, Vai. Leia o texto completo.

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Mombojó
Deságua (2020, Independente)

Em tempos de evidente retrocesso e avanço do conservadorismo, Deságua nasce como um refúgio. Sexto e mais recente álbum de estúdio do grupo pernambucano Mombojó, o trabalho de essência multimídia, completo pelo filme de Luan Cardoso, estabelece um delicado ponto de equilíbrio entre o forte discurso político e a leveza dos arranjos. Instantes em que a banda formada por Felipe S (guitarra e voz), Marcelo Machado (guitarra e voz), Missionário José (baixo e voz), Chiquinho Moreira (teclados e vocoder) e Vicente Machado (bateria e voz) pinta um minucioso retrato do atual cenário brasileiro, porém, preservando o lirismo esperançoso que há tempos embala as canções do quinteto. “A coragem / Todos os demais valores dependem dela … Não vamos deixar esse país para trás“, cresce a letra de O Valor da Coragem, faixa concebida a partir de trechos do discurso de Fernando Haddad após as eleições de 2018. Trata-se de uma delicada síntese do material que orienta a experiência do público durante toda a execução da obra. Canções pontuadas por momentos de maior exaltação, porém, regidas pela leveza dos versos e forte sensação de acolhimento, proposta que se reflete de maneira sutil até a música de encerramento do disco, Ontem Quis. Leia o texto completo.

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Moses Sumney
Grae (2020, Jagjaguwar)

Moses Sumney já havia dado uma boa mostra do próprio trabalho como lançamento de Aromanticism (2017). Um misto de soul, rock e pop de câmara que passa por diferentes campos da música de forma sempre sensível, estrutura que se reflete em algumas das principais faixas do disco, como Lonely World e Make Out in My Car. Composições que refletem a capacidade do cantor e compositor norte-americano em transformar as próprias experiências, desilusões amorosas e desejos na base para cada novo registro autoral, proposta que não apenas ganha novo significado nas canções de Grae, segundo e mais recente álbum de estúdio, como reflete o completo domínio criativo e entrega do artista californiano. Como indicado logo nos primeiros minutos do trabalho, na introdutória InsulaGrae se revela ao público como uma obra sobre isolamento e autodescoberta. “‘Isolamento’ vem da ‘insula’, que significa ‘ilha’“, repete a voz da poetisa Ayesha K. Faines, indicando parte da temática adotada por Sumney. São versos mergulhados em temas existencialistas, medos e conflitos particulares que vão da própria masculinidade, em Virile, às relações humanas, em In Bloom, estrutura que não apenas preserva, como sutilmente amplia o repertório detalhado no disco anterior. Canções que partem da mente inquieta do próprio artista, porém, pensadas para dialogar com os sentimentos de qualquer indivíduo. Leia o texto completo.

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Olívia de Amores
Não É Doce (2020, Independente)

A vida não é doce, mas tem seus momentos menos amargos. É partindo dessa linha de pensamento, que a cantora e compositora amazonense Olívia de Amores entrega ao público o primeiro álbum em carreira solo, Não É Doce. Concebido a partir de desilusões amorosas, memórias afetivas e instantes de profunda entrega sentimental, o registro produzido em parceria com Bruno Prestes, encontra na delicadeza dos versos um contraponto à visceralidade dos arranjos. Canções que partem de vivências reais como forma de dialogar com o ouvinte, convidado a se perder pelo território particular da artista manauara. Obra de sentimentos, Não É Doce diz a que veio logo no primeiros minutos, em La Cancionera. “Pra me ver te buscar a qualquer custo / Não, não era justo, não / Agora você vai e faz o que quiser / Com outra mulher“, canta enquanto guitarras fortes se espalham em meio a ambientações latinas e flertes com o rock dos anos 1970. Um misto de passado e presente, estrutura que orienta a experiência do público até a faixa de encerramento, a extensa Brado Apocalíptico. São pouco mais de sete minutos em que a cantora preserva o lirismo confessional do restante do álbum, porém, se entrega ao uso de temas psicodélicos, lembrando as paisagens instrumentais de nomes como Queens of The Stone Age. Incontáveis blocos de ruídos que se entrelaçam em uma medida própria de tempo, sem pressa, como se a artista saboreasse cada nota compartilhada com o ouvinte. Leia o texto completo.

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Owen Pallett
Island (2020, Domino)

Seu amor era um vento quente, como o mundo que você deixou, ele desaparece e uma ilha surge à vista“. O fragmento final de Transformer, música de abertura em Island, é bastante significativo para entender o trabalho de Owen Pallett no primeiro registro de inéditas desde o cultuado In Conflict (2014). Marcado pela temática da solidão, o registro discute isolamento, medo e o distanciamento dos indivíduos a partir de memórias pessoais e versos sempre intimistas. São narrativas sempre particulares, porém, tratadas de forma metafórica, como se o cantor e arranjador canadense fizesse dos próprios conflitos um importante componente de diálogo com qualquer indivíduo solitário. Conceitualmente dividido em quatro atos, o trabalho que teve parte das canções registradas no histórico estúdio Abbey Road e colaboração da Orquestra Contemporânea de Londres, a mesma que acompanhou o Radiohead em A Moon Shaped Pool (2016), se revela ao público como uma obra de estrutura crescente. Instantes em que Pallett, parceiro de estúdio de nomes como Arcade Fire, Frank Ocean e Taylor Swift, vai da economia dos arranjos, como na já citada Transformer, à força dos instrumentos e orquestrações sempre grandiosas, conceito que orienta toda a sequência de músicas nas segunda metade do álbum, vide a derradeira In Darkness. Leia o texto completo.

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Perfume Genius
Set My Heart on Fire Immediately (2020, Matador)

Mike Hadreas tinha quase 30 anos quando decidiu largar tudo e se dedicar integralmente à carreira como músico. Na contramão de outros nomes que surgiram no mesmo período, ainda imberbes, o artista residente na região de Seattle acumulava um longo histórico de ameaças de morte sofridas por conta de sua sexualidade, problemas de saúde causados por uma doença inflamatória, crises familiares e um caso de espancamento organizado por um grupo homens no bairro onde morava. Talvez por isso, a voz do cantor e compositor norte-americano se revele de maneira tão carregada logo após o breve respiro dado nos minutos iniciais de Whole Life. “Metade de toda a minha vida se foi“, reflete de forma melancólica, apontando a trilha contemplativa seguida durante toda a execução de Set My Heart on Fire Immediately. Quinto e mais recente álbum do músico estadunidense, o sucessor do elogiado No Shape (2017), nasce como uma interpretação de Hadreas sobre diferentes aspectos da própria carreira, relacionamentos e conflitos pessoais. Instantes em que o artista se despe por completo e utiliza do lirismo autobiográfico como forma de dialogar com o ouvinte. “Você pode descrevê-los para mim? / Você pode apenas encontrá-lo para mim?“, clama na delicada Describe, composição em que sufoca pela peso da depressão e problemas de saúde, porém, anseia pela felicidade e a busca por um novo começo, dualidade que se reflete até o último instante da obra, como um passeio pela mente inquieta do cantor. Leia o texto completo.

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Pessoas Que Eu Conheço
Ideologia Chinesa (2020, 40% Foda/Maneiríssimo)

Batidas deliciosamente dançantes, sintetizadores e retalhos de vozes que se transformam em um importante componente melódico. Em Ideologia Chinesa, primeiro álbum de estúdio do produtor Lucas de Paiva como Pessoas Que Eu Conheço, cada fragmento do disco estabelece no uso de pequenos detalhes a base para grande parte das faixas. Canções que parecem pensadas para as pistas, porém, revelam ao público incontáveis camadas instrumentais, indicativo de um território mágico que se abre para a visitação temporária do ouvinte. Um misto de passado e presente, nostalgia e reinterpretação, como se o artista carioca confessasse algumas de suas principais referências criativas. Exemplo disso ecoa com naturalidade em House Aprovado Pelo Governo, sexta faixa do disco. São pouco mais de cinco minutos em que Paiva, colaborador de nomes como Mahmundi e Clarice Falcão, passeia em meio a reverberações ensolaradas que evocam o trabalho de veteranos como MJ Cole e Lone, flerta com a obra de James Brown e ainda convida o ouvinte a mergulhar em uma piscina de ondulações cristalinas e sintetizadores sempre precisos. São pinceladas instrumentais que rapidamente capturam a atenção do ouvinte, porém, encantam pelo uso de pequenos detalhes. Leia o texto completo.

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Porridge Radio
Every Bad (2020, Secretly Canadian)

Marcado pela força dos versos, Every Bad (2020, Secretly Canadian) é uma obra de sentimentos transbordantes. Do momento em que tem início, nas crescente Born Confused (“Obrigada por me deixar / Obrigada por me fazer feliz“), até alcançar a melancólica Homecoming Song (“Eu sou um navio afundando / E não há nada dentro“), faixa de encerramento do disco, cada fragmento do segundo álbum de estúdio do Porridge Radio encontra em desilusões amorosas, medos e conflitos existencialistas de Dana Margolin um importante estímulo para a composição das letras. Canções que beiram o evidente descontrole emocional, sempre intensas, como se tudo fosse delicadamente exposto pela guitarrista britânica. “Minha mãe diz que eu pareço um desastre nervoso / Porque eu roo minhas unhas até a carne / E às vezes eu sou apenas uma criança, escrevendo cartas para mim mesma / Desejando em voz alta que você estivesse morto“, confessa em Sweet, uma das primeiras composições do disco a serem apresentadas ao público e uma clara síntese do material entregue no sucessor de Rice, Pasta and Other Fillers (2016). “Eu estava ouvindo muito o Melodrama, da Lorde, quando escrevi isso. Quando tocamos isso como uma banda, tudo se juntou muito rápido e virou essa música dramática e intensa, alta e tranquila“, respondeu no texto de apresentação da obra, indicando parte das inspirações e da profunda entrega emocional que serve de sustento ao disco. Instantes em que Margolin se revela por completo, fazendo dos próprios conflitos um importante componente de diálogo com o ouvinte. Leia o texto completo.

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Rashid
Tão Real (2020, Foco Na Missão)

A mensagem de Rashid é clara: “esse é um disco pra você ouvir na rua“. Livre de possíveis conceitos, proposta reforçada logo nos primeiros minutos do trabalho, o rapper paulistano faz do sétimo álbum de estúdio da carreira, Tão Real, uma obra marcada pela força das rimas e evidente diálogo com o presente. Canções que discutem o peso do racismo (“Tem noção que a cada 23 minuto, uma mãe preta fica de luto? / Vidas que vão sem clemência ou tributo“), caos urbano (“Sem dia de folga, domingo, nem feriado / É o Game of Thrones da rua, não é seriado“) e a necessidade de seguir em frente (“E minha meta é mais que encher a geladeira / Eu luto por melhora para a vida inteira“) de forma bem-resolvida, livre de uma maquiagem alegórica. A principal diferença em relação ao álbum anterior, Crise (2018), está na forma como rapper trabalha os versos de forma sempre intimista, como fragmentos de um diário transformado em música. “Mas tem dia que desmorono, perco a linha / Meu som dá força pu’cês, mas e eu? Onde busco a minha?“, questiona na melancólica faixa-título. São versos curtos, porém, sempre decididos. Instantes em que Rashid deixa de lado a imagem forte estampada na capa do disco para rimar sobre as próprias emoções. “Com retratos de dias que me modelam / Mas não fotos reveladas, fotos que revelam / Que o zica memo é o Michel e até espanta / Porque ele vive essas coisas tudo aí que o Rashid só canta“, completa. Leia o texto completo.

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Rico Dalasam
Dolores Dala Guardião do Alívio (2020, Independente)

Como pode tamanho sentimento caber dentro de um registro tão curto? Primeiro trabalho de inéditas de Rico Dalasam em três anos, Dolores Dala Guardião do Alívio estabelece na força das rimas, romances e vivências acumuladas pelo artista paulistano a passagem para uma de suas obras mais sensíveis. Um misto de dor e alívio, recolhimento e transformação, conceito reforçado logo nos primeiros minutos do EP, no delicado texto de abertura – “não falaria de alívio se não tivesse doído tanto. Tanto que eu não pude ser o mesmo ou o mesmo de antes“–, mas que acaba se refletindo durante toda a execução do material. Com produção dividida entre Mahal Pita (BaianaSystem), Dinho Souza e o próprio artista, o trabalho de cinco faixas nasce como um produto das memórias e experiências pessoais que tumultuaram a vida de Dalasam nos últimos anos. Um respiro aliviado e evidente busca por recomeço após o imbróglio judicial envolvendo direitos autorais sobre a música Todo Dia, colaboração com Pabllo Vittar, e uma tentativa estúpida, por parte do público, em “cancelar” o trabalho do rapper. “Porque a melhor versão de nós nunca foi na agonia, na confusão dos ódios, na distração dos brancos … E a gente ainda é a parte viva do mundo“, reforça na introdutória DDGA. Leia o texto completo.

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Rina Sawayama
Sawayama (2020, Dirty Hit)

Quem acompanha o trabalho de Rina Sawayama desde o mini-álbum Rina, uma das grandes surpresas de 2017, sabe que a cantora e compositora de origem japonesa segue por vias poucos convencionais. Seja no diálogo com a música produzida nos anos 1980, como em Ordinary Superstar, ou na forma como prova de elementos do R&B, marca de Cyber Stockholm Syndrome e Tunnel Vision, essa última, bem-sucedida colaboração com o cantor Shamir, sobram momentos em que a artista residente em Londres perverte o pop tradicional em prol de um resultado deliciosamente estranho, como a passagem para um território particular. Satisfatório perceber nas canções de Sawayama, aguardado registro de estreia da artista, uma natural extensão desse mesmo conceito criativo. Do momento em que tem início, na teatral Dynasty, até alcançar a derradeira Snakeskin, Sawayama e seu principal parceiro de composição, o produtor Clarence Clarity, costuram três ou mais décadas de referências em um álbum que parece maior a cada nova audição. Canções que vão da PC Music ao nu metal, da eurodisco à ball culture de forma imprevisível, proposta que força uma audição atenta durante toda a execução da obra. Leia o texto completo.

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Run The Jewels
RTJ4 (2020, Jewel Runners / RBC / BMG)

Quando surgiu, no início da década passada, o Run The Jewels parecia ser apenas um encontro temporário entre dois artistas que vinham de uma sequência de grandes obras. De um lado, Killer Mike, com PL3DGE (2011) e o político R.A.P. Music (2012), no outro, El-P, com bem-recebido Cancer For Cure (2012), primeiro registro de inéditas do produtor nova-iorquino depois de um longo período de hiato. Entretanto, a parceria entre a dupla não apenas resultou em um catálogo de grandes obras, como se transformou em um dos projetos mais cultuados e ativos do rap estadunidense. Composições que se espalham em meio a batidas fortes, temas eletrônicos e colaborações com diferentes artistas, proposta que ganha novo resultado nas canções de RTJ4. Primeiro registro de inéditas da dupla em quatro anos, o sucessor de Run The Jewels 3 (2016), mostra Mike e El-P de volta aos trilhos, revelando a mesma força criativa do material entregue em Run the Jewels 2 (2014), um dos grande exemplares do rap norte-americano na última década. Composições que se entrelaçam em uma estrutura frenética, conceito que se reflete tão logo o disco tem início, na já conhecida Yankee And The Brave (ep. 4), mas que acaba orientando a experiência do ouvinte até a música de encerramento do álbum, A Few Words for the Firing Squad (Radiation). Leia o texto completo.

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Soccer Mommy
Color Theory (2020, Loma Vista)

A grande beleza da obra de Soccer Mommy sempre esteve na capacidade de Sophie Allison em utilizar de uma instrumentação diminuta como contraponto à força dos sentimentos detalhados em cada verso. Um doloroso exercício criativo que passeia por memórias da infância, relacionamentos fracassados e a constante sensação de isolamento do eu lírico, estrutura que se reflete em algumas das principais faixas apresentadas pela artista durante o lançamento de Clean (2018), caso de Your Dog, Cool e todo o fino repertório que encontra em vivências da musicista um estímulo para a formação das letras. Interessante perceber em Color Theory, segundo álbum de estúdio da guitarrista estadunidense, um delicado ponto de ruptura criativa. Produzido em parceria com o experiente Gabe Wax, produtor que já trabalhou ao lado de nomes como The War On Drugs e Beirut, o registro de dez faixas preserva a essência confessional detalhada no trabalho que o antecede, porém, se permite avançar criativamente, provando de novas sonoridades, melodias atmosféricas e diferentes formas de fazer música. Leia o texto completo.

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Taco de Golfe
Nó Sem Ponto II (2020, Independente)

Entre camadas de guitarras cristalinas, um universo de pequenos detalhes a serem desvendados pelo ouvinte. Dois anos após o lançamento do primeiro álbum de estúdio da carreira, Folge (2018), Alexandre Damasceno (bateria), Filipe Williams (baixo) e Gabriel Galvão (guitarras) estão de volta com um novo trabalho do Taco de Golfe: Nó Sem Ponto II. Marcado pela minúcia dos elementos, o registro de dez faixas preserva a essência cirúrgica dos últimos lançamentos da banda de Aracaju, como Erro e Volto (2019) e Cato (2020), porém, estabelece no uso de ambientações labirínticas e instantes de evidente delírio um importante componente de aprimoramento estético. Exemplo disso está na abordagem psicodélica que toma conta de Caiu da Escada Rindo, terceira faixa do disco. Entre guitarras cíclicas de Galvão, talvez emulando um mantra, perceba como a linha de baixo de Williams corre por entre as brechas da canção, contornando as batidas sempre versáteis de Damasceno. Um delicado exercício criativo que dialoga com a essência de veteranos do pós-rock, como Mogawai e Tortoise, mas que em nenhum momento perverte o frescor e fina identidade do trio sergipano. Leia o texto completo.

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Tame Impala
The Slow Rush (2020, Modular / Interscope)

O grande problema em em adotar uma estética ou sonoridade muito específica, como revisitar o rock dos anos 1970, é que cedo ou tarde você precisa se decidir entre preservar o aspecto referencial da própria obra ou se reinventar dentro de estúdio. Com o lançamento de Currents (2015), Kevin Parker claramente optou pela segunda opção. Parcialmente distante das guitarras e atmosfera densa que marca os antecessores Innerspeaker (2010) e Lonerism (2012), o cantor e compositor australiano fez do terceiro registro de inéditas do Tame Impala a passagem para o pop nostálgico dos anos 1980. Canções inspiradas pela obra de veteranos do período, como Michael Jackson (The Moment) e Prince (Love/Paranoia), porém, ainda da lisergia empoeirada que apresentou o grupo no início da década passada. Em The Slow Rush, quarto e mais recente álbum de estúdio do Tame Impala, Parker segue de onde parou há cinco anos, porém, se permite avançar criativamente, revelando uma série de pistas sobre o futuro da banda. Do momento em que tem início, na base delirante de One More Year, passando pelo flerte com o pop, em Borderline, até alcançar as batidas de Gilmmer e Is It True, com suas guitarras e sintetizadores à la Daft Punk, evidente é o esforço do grupo em dialogar com uma parcela maior do público e mergulhar de vez nas pistas. Leia o texto completo.

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Tatá Aeroplano
Delírios Líricos (2020, Voador Discos)

Sexto e mais recente álbum de Tatá Aeroplano em carreira solo, Delírios Líricos é um trabalho que começa pela capa, na melancólica imagem de Luiz Romero. Acompanhado apenas de um cachorro, o músico paulistano posa em um ambiente consumido pela passagem do tempo. São restos de uma antiga construção, o sofá destruído, uma cadeira de balanço vazia e a vegetação rasteira que parece colorir parte desse cenário marcado por memórias de um passado ainda recente. Uma interpretação visual para o território poético que o artista desbrava de forma contemplativa até o último instante do disco, na delicada O Silêncio das Serpentes. Uma vez imerso nessa atmosfera marcada pela força dos sentimentos e arranjos cuidadosamente trabalhados pelos parceiros Dustan Gallas, Junior Boca, Bruno Buarque e Lenis Rino, Aeroplano se divide entre criações recentes e faixas compostas há quase duas décadas. É o caso da comovente Trinta Anos Essa Noite. Escrita no início dos anos 2000, a canção se espalha em meio a versos embriagados, medos e momentos de doce conformismo, como se o músico paulistano se entregasse à própria solidão. “Eu sigo o meu caminho / Pra sempre sempre ser sozinho“, canta. São versos intimistas que se espalham em uma trama de guitarras empoeiradas, evocando Roberto Carlos em obras como O Inimitável (1968). Leia o texto completo.

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The Soft Pink Truth
Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase? (2020, Thrill Jockey)

Você provavelmente conhece o trabalho de Drew Daniel como uma das metades do Matmos, projeto de experimentalismo eletrônico que ainda conta com a interferência direta de M.C. Schmidt. Entretanto, foi com o The Soft Pink Truth, criado no início dos anos 2000, que o artista californiano revelou ao público algumas de suas principais criações. Do uso de temas dançantes que marcam o introdutório Do You Party? (2003), passando pelas reinterpretações de Why Do the Heathen Rage? (2014), obra em que transporta para as pistas diferentes exemplares do metal extremo, cada registro entregue pelo produtor norte-americano parece mergulhar o ouvinte em um mundo de novas possibilidades. Primeiro registro de Daniel em cinco anos, Shall We Go on Sinning So That Grace May Increase? nasce como um bom exemplo desse resultado. Obra que mais se distancia dos antigos trabalhos do produtor, o álbum que busca inspiração em trechos bíblicos de Romanos 6:1 – “permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?” –, utiliza desse aspecto contemplativo, quase religioso, como estímulo para um repertório de essência transcendental. São ambientações minimalistas, ruídos e sobreposições etéreas, leveza que se reflete tão logo o disco tem início, na crescente Shall, e segue até a derradeira May Increase. Leia o texto completo.

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The Weeknd
After Hours (2020, XO / Republic)

Quem conheceu o trabalho de Abel Tesfaye, o The Weeknd, por conta do sucesso em torno de Can’t Feel My Face, uma das principais músicas de Beauty Behind the Madness (2015), segundo álbum de estúdio do artista canadense, provavelmente deixou passar algumas de suas criações mais sensíveis. Longe do direcionamento comercial que embala os registros mais recentes do cantor e compositor norte-americano, como Kiss Land (2013) e Starboy (2016), sobrevive nos introdutórios House of Balloons (2011), Thursday (2011) e Echoes of Silence (2011), parte da coletânea Trilogy (2012), a passagem para um fino catálogo de ideias e criações intimistas marcadas pela força dos sentimentos. Interessante perceber nas canções de After Hours, quarto e mais recente álbum de estúdio do artista canadense, um parcial regresso ao mesmo território criativo detalhado nos primeiros registros autorais de Tesfaye. Obra de sentimentos, como tudo aquilo que o músico tem produzido desde a entrega do confessional My Dear Melancholy, (2018), trabalho em que canta sobre o fim de relacionamento com a cantora Selena Gomez, o novo disco encontra em memórias de um passado ainda recente o estímulo para um dos projetos mais tocantes do artista. Leia o texto completo.

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Thiago França
KD VCS (2020, YB Music)

Thiago França é um desses personagens onipresentes da música brasileira. Seja como integrante do Metá Metá, com quem trabalhou na composição de alguns dos registros mais influentes da última década, ou nos encontros com Rodrigo Ogi, Gui Amabis e Don L, sobram momentos em que o saxofonista aparece cercado por diferentes colaboradores, ampliando os limites da própria obra. Talvez por isso seja tão desconfortável mergulhar nas canções de KD VCS. Longe dos habituais parceiros de estúdio, o músico mineiro encontra no próprio isolamento a passagem para um de seus registros mais desafiadores. Instantes de delicado improviso que se completam pelo uso de ambientações quase silenciosas, indicativo de novo direcionamento estético adotado pelo artista. Não por acaso, França inaugura o disco com a atmosférica Aguiã, Alufã. São pouco mais de cinco minuto em que o artista segue em uma medida própria de tempo, baforando notas ruidosas que se completam pelo uso da percussão cintilante, como sinos de vento balançando em uma janela. São camadas instrumentais que surgem e desaparecem sem ordem aparente, como um lento desvendar de ideias e possibilidades criativas. Frações econômicas que apontam a direção seguida individualmente pelo músico até o encerramento do trabalho. Leia o texto completo.

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U.S. Girls
Heavy Light (2020, 4AD)

Heavy Light está longe de parecer uma obra fácil. Contraponto curioso ao material entregue no antecessor In a Poem Unlimited (2018), o novo álbum de Meghan Remy como U.S. Girls preserva a essência nostálgica do material entregue há dois anos, conceito reforçado logo nas introdutórias 4 American Dollars e Overtime, porém, se permite avançar criativamente, provando de novas possibilidades, fórmulas pouco usuais e instantes de breve experimentação. São canções que atravessam a música produzida entre os anos 1970 e 1980 para mergulhar em um universo próprio da artista canadense, proposta que orienta a experiência do público até a derradeira Red Ford Radio. Com base nessa estrutura, Remy entrega ao público uma obra que exige ser observada em suas particularidades, como se cada composição exercesse um função específica para o desenvolvimento do disco. Exemplo disso está na sequência formada entre Born To Lose e And Yet It Moves / Y Se Mueve. São pouco menos de sete minutos em que a multi-instrumentista canadense parte do mesmo soul-rock detalhado por David Bowie em Young Americans (1975) para um rock latino marcado pelo forte discurso político, tema central e importante elemento de aproximação entre as faixas do disco. Leia o texto completo.

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Waxahatchee
Saint Cloud (2020, Merge)

Quando deu vida aos primeiros trabalhos como Waxahatchee, caso de American Weekend (2012) e Cerulean Salt (2013), Katie Crutchfield parecia simplesmente seguir a fórmula de outros nomes recentes da cena norte-americana, mergulhando de forma nostálgica no rock produzido entre o final dos anos 1980 e início da década de 1990. Um misto de passado e presente, reverência e fino toque de transformação que embala algumas das principais faixas entregues pela cantora e compositora estadunidense durante o período, caso de Coast to Coast, Dixie Cups and Jars e Be Good. Entretanto, com a chegada de Ivy Tripp (2015) e sequência formada entre Out in the Storm (2017) e Great Thunder EP (2018), a sonoridade adotada pela artista do Alabama passou a ser outra. Composições que atravessam os habituais blocos de ruídos levantados pela multi-instrumentista para mergulhar no cancioneiro dos anos 1970. O mesmo olhar curioso para o passado, porém, partindo de um novo direcionamento estético, proposta que ganha ainda mais destaque nas canções do saudosista Saint Cloud, quinto e mais recente álbum de estúdio de Crutchfield. Leia o texto completo.

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Westerman
Your Hero Is Not Dead (2020, Partisan)

O caminho escolhido por Will Westerman para o primeiro álbum de estúdio da carreira, Your Hero Is Not Dead, está longe de parecer o mais acessível. Longe de um resultado imediato, o cantor e compositor britânico que começou a carreira imitando o estilo de Kings of Leon e Neil Young, decidiu investir em uma obra de essência contemplativa, econômica. São fragmentos de vozes, arranjos tratados de forma minimalista e o propositado distanciamento de uma estrutura radiofônica. Mesmo o uso de refrãos e versos fáceis, como nos momentos mais convidativos do disco, se revelam de maneira pouco convencional. Mais do que garantir respostas, Westerman parece interessado em jogar com a interpretação do público, convidado a mergulhar em um cenário de pequenas incertezas. “Seu herói não está morto / Seu herói não está morto“, anuncia logo nos minutos iniciais do disco, na introdutória Drawbridge, canção que se abre para a inserção de melodias acústicas, pianos tratados de maneira complementar e ambientações sempre improváveis, como um indicativo da sonoridade incorporada pelo músico até a autointitulada faixa de encerramento do trabalho. Frações poéticas e instrumentais que surgem e desaparecem durante toda a execução da obra, conceito anteriormente testado durante o lançamento de Ark EP (2018), mas que ganha maior destaque à medida em que Westerman avança pelo interior do registro. Leia o texto completo.

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Yaeji
What We Drew 우리가 그려왔 (2020, XL)

Longe de qualquer traço de previsibilidade, Yaeji tem feito da criativa desconstrução dos elementos a passagem para cada novo registro autoral. Canções que vão do techno ao R&B em uma linguagem deliciosamente torta, particular. São fragmentos eletrônicos que se espalham em meio a versos cantados em coreano, ambientações sujas e instantes de doce contemplação, como se do isolamento gerado das gravações em um estúdio montado no próprio quarto, a cantora e produtora nova-iorquina brindasse o ouvinte com um universo de novas possibilidades, estímulo para o material entregue em What We Drew 우리가 그려왔. Menos urgente em relação ao conjunto de faixas apresentadas nos dois primeiros EPs de inéditasWhat We Drew 우리가 그려왔 encontra na propositada ruptura estética a base para grande parte das canções. São músicas que utilizam de uma estrutura pré-definida, porém, acabam mergulhando em um precioso labirinto de ideias, como se diferentes obras fossem condensadas dentro de um único registro. Um lento desvendar de temas eletrônicos e experiências particulares que mudam de direção a todo instante, indicativo da completas versatilidade da artista. Leia o texto completo.

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Yves Tumor
Heaven to a Tortured Mind (2020, Warp Records)

De todas as músicas entregues por Yves Tumor durante o lançamento de Safe in the Hands of Love (2018), Noid segue como uma das mais curiosas. Longe do experimentalismo eletrônico que marca grande parte do trabalho, sobrevive na escolha dos samples, instrumentação destacada e uso das vozes a passagem para um universo criativo completamente reformulado. É como se longe da atmosfera densa detalhada nos introdutórios When Man Fails You (2015) e Serpent Music (2016), o cantor, compositor e produtor norte-americano entrasse no rock dos anos 1970 o estímulo para um novo direcionamento estético, proposta que ganha ainda mais destaque nas canções de Heaven to a Tortured Mind. Registro mais acessível e desafiador do músico de Miami, o trabalho que conta com produção assinada por Justin Raisen (Angel Olsen, Kim Gordon), mostra a capacidade de Sean Bowie, grande responsável pelo projeto, em transitar por diferentes possibilidades temáticas, porém, preservando a própria identidade criativa. Exemplo disso está na introdutória Gospel For A New Century, música que parte de trechos de 이송아, da sul-coreana Lee Son Ga, para mergulhar em um universo de vozes complementares, ruídos e batidas cíclicas, como uma extensão do som apresentado em Noid. Leia o texto completo.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.