Os 50 Melhores Discos de 2021 (Até Agora)

/ Por: Cleber Facchi 14/06/2021

Depois de um período de forte instabilidade vivido no último ano, com registros sendo adiados e um volume de lançamentos menor, a produção nacional e internacional deu um salto considerável nos últimos meses. Do isolamento causado por conta da pandemia de Covid-19, o estímulo para uma seleção de álbuns que funcionam como documentos do tempo em que vivemos, mas que em nenhum momento se limitam a uma estrutura previsível, transitando por diferentes abordagens criativas, ritmos e novas possibilidades dentro de estúdio. O resultado desse processo está na entrega de um repertório conceitualmente amplo e bem resolvido, direcionamento que se reflete não apenas no movimento de veteranos como Nick Cave, St. Vincent e Madlib, mas em diversos nomes recentes que aproveitaram para apresentar seus primeiros trabalhos, caso de Olivia Rodrigo, Jadsa e Mbé. Dentro desse cenário marcado pela riqueza de ideias e pluralidade de estilos, trago uma lista de álbuns que considero essenciais e que movimentaram o mundo da música entre janeiro e junho deste ano.


Antônio Neves
A Pegada Agora É Essa (2021, Far Out Recordings)

Instantes de doce calmaria que antecedem momentos de completo delírio. Em A Pegada Agora É Essa (2021, Far Out Recordings), segundo e mais recente álbum do multi-instrumentista, arranjador e produtor carioca Antônio Neves, passado e presente da música produzida no Rio de Janeiro se encontram em um turbilhão instrumental e poético que aponta para as mais variadas direções criativas. Canções que vão do jazz ao samba, do rock ao uso de temas experimentais de forma sempre inexata, torta, como um acumulo natural de tudo aquilo que artista que já colaborou com nomes como Elza Soares, Moreno Veloso e Ana Frango Elétrico tem produzido desde o início da carreira. Não por acaso, Neves inaugura o disco com a caótica Simba. Como um soco, a composição rapidamente situa o ouvinte no interior do álbum, porém, perverte qualquer traço de normalidade, tornando o caminho até o encerramento da obra deliciosamente incerto. São arranjos quebradiços, pianos e metais que se chocam em meio a fragmentos de vozes e ruídos aleatórios, proposta que ganha ainda mais destaque na música seguinte, a própria faixa-título do trabalho. Da construção das batidas, que parecem saídas de alguma bateria de escola de samba, passando pelo uso de guitarras que evocam Fela Kuti e até o som da interferência de um celular, cada elemento da canção parece transportar o ouvinte para um novo e sempre inusitado território criativo. Leia o texto completo.

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BaianaSystem
OxeAxeExu (2021, Máquina De Louco)

Em um ano de isolamento, sem Carnaval, ouvir o som produzido pelo BaianaSystem ganha novo significado. Não por acaso, o coletivo baiano decidiu investir em um formato diferente para apresentar ao público o sucessor do elogiado O Futuro Não Demora (2019). Intitulado OxeAxeExu, o registro de 20 faixas e pouco menos de 60 minutos de duração se divide em três atos específicos de sabor agridoce. Composições que funcionam como uma fuga breve da realidade, sempre festivas e ensolaradas, mas que a todo momento regressam ao cenário de pandemia, caos político e social. A mesma dualidade explícita nas canções de Duas Cidades (2016), grande obra do grupo de Salvador, porém, partindo de uma abordagem completamente distinta. “Sem a pandemia, esse álbum não existiria“, comentou Russo Passapusso, vocalista da banda, em entrevista ao Correio Braziliense. “São reflexões sobre coletividade e o que podemos fazer para sair da situação que vivemos hoje“, completa. E isso se percebe logo na primeira leva apresentada pelo BaianaSystem. Partindo da benção nas introdutórias Reza Forte e Raminho, o grupo completo por Roberto Barreto, SekoBass, Junix 11 e o produtor Daniel Ganjaman mergulha na montagem de um repertório essencialmente político, marca do contestador Navio Pirata. Canções regidas pela criativa colagem de ritmos que tradicionalmente definem a obra do coletivo, porém, nunca descartáveis, refinamento bastante evidente no ragga de Monopólio. “Dia de quarentena, ninguém vai na capela / Por favor, me dê / O nome de quem manda na quadrilha pra eu saber“, dispara. Leia o texto completo.

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Black Country, New Road
For the First Time (2021, Ninja Tune)

De tempos em tempos, a cena britânica oferece ao público algum novo exemplar que preserva a essência de outros registros próximos, mas que parece seguir por uma trilha pouco convencional. Foi assim com Go Tell Fire to the Mountain (2011), do Wu Lyf, The Ooz (2017), do King Krule e, mais recentemente, Schlagenheim (2019), do Black Midi. Trabalhos que apontam para a obra de veteranos como Public Image Ltd. e Wire, porém, utilizam de uma linguagem completamente anárquica, conceito que acaba se refletindo com bastante naturalidade no primeiro álbum de estúdio do coletivo Black Country, New Road, For the First Time (2021, Ninja Tune). Hoje formado por Isaac Wood (voz, guitarras), Tyler Hyde (baixo), Lewis Evans (saxofone), Georgia Ellery (violino), May Kershaw (teclados), Charlie Wayne (bateria) e Luke Mark (guitarras), o grupo londrino lançou há dois anos a extensa Sunglasses, faixa que não apenas reflete parte da identidade criativa da banda inglesa, como orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução da presente obra. São canções que se espalham em uma medida própria de tempo, sem pressa, estrutura que oferece ao coletivo a chance de brincar com as possibilidades dentro de estúdio e fazer de cada composição a passagem para um ambiente deliciosamente torto e imprevisível. Leia o texto completo.

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Black Midi
Cavalcade (2021, Rough Trade)

Os últimos meses foram bastante tumultuados para os integrantes do Black Midi. Enquanto a banda se preparava para trabalhar na divulgação do introdutório Schlagenheim (2019), o avanço da pandemia de Covid-19 fez com que todas as apresentações do quarteto fossem canceladas, incluindo duas performances na capital paulista. Nesse meio tempo, Matt Kwasniewski-Kelvin, guitarrista e um dos vocalistas do grupo, decidiu se distanciar para tratar da própria saúde mental, reservando aos membros remanescentes, Geordie Greep (voz e guitarra), Cameron Picton (baixo, sintetizadores e vozes) e Morgan Simpson (bateria) a difícil tarefa de produzir o segundo disco de inéditas, feito consolidado com brilhantismo e fino toque de delírio nas canções de Cavalcade (2021, Rough Trade). Verdadeiro abalroamento conceitual, rítmico e estético, proposta reforçada logo na imagem de capa do disco, o trabalho que conta com co-produção de Marta Salogni (The xx, Sampha) e John ‘Spud’ Murphy, nasce como um avanço frenético em relação ao material entregue durante o lançamento do primeiro álbum de estúdio do Black Midi. São estruturas fermentadas que escorrem por entre as brechas do registro. Massas tortas de ruídos e improvisos desconcertantes, estrutura que tende ao jazz, mas em nenhum momento se fecha em um espaço hermético e inacessível, efeito direto do completo domínio de Greep em não apenas conduzir, com manipular a audiência, convidada a se perder em um território que alterna entre momentos de maior calmaria e doce experimentação. Leia o texto completo.

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Cassandra Jenkins
An Overview on Phenomenal Nature (2021, Ba Da Bing)

O brilho cintilante que flutua pela delicada imagem de capa de An Overview on Phenomenal Nature (2021, Ba Da Bing), segundo e mais recente disco de Cassandra Jenkins, funciona como uma representação do som atmosférico que embala a experiência do público durante toda a execução da obra. São delicadas paisagens instrumentais, vozes econômicas e instantes em que a cantora e compositora nova-iorquina parece envolver o ouvinte, convidado a se perder em um território dominado pela poesia descritiva da musicista que estreou há quatro anos com Play Till You Win (2017), registro que segue uma trilha completamente distinta em relação ao material incorporado no presente álbum. A exemplo do que Tamara Lindeman busca desenvolver no quinto e mais recente álbum como The Weather Station, Ignorance (2020), Jenkins e seus parceiros de estúdio, entre eles o produtor e multi-instrumentista Josh Kaufman (The National, Muzz), se concentram na produção de uma obra que se revela ao público em uma medida própria de tempo. São incontáveis camadas de guitarras, pianos e metais que surgem e desaparecem durante toda a execução do registro, como um complemento aos poemas ora mergulhados em experiências reconfortantes, ora consumidos pela dor da artista. Leia o texto completo.

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CHAI
Wink (2021, Sub Pop)

Bastam os minutos iniciais de Donuts Mind If I Do, música de abertura em Wink, para que o ouvinte seja prontamente transportado para dentro do terceiro e mais recente álbum de estúdio do CHAI. São camadas de sintetizadores, batidas cuidadosamente encaixadas e vozes em coro, como um acumulo de tudo aquilo que as parceiras Mana, Kana, Yuki e Yuna haviam testado durante o lançamento do disco anterior, Punk (2019), porém, partindo de uma abordagem ainda mais sensível e detalhista. Instantes em que o quarteto japonês não apenas preserva a própria essência, como confessa referências de forma sempre particular, costurando gracejos vocais e melodias que assentam lentamente, indicativo do completo domínio do grupo em relação ao material apresentado. E isso fica ainda mais evidente na composição seguinte, Maybe Chocolate Chips. Completa pela participação do rapper Ric Wilson, a canção incorpora parte dos elementos apresentados durante o lançamento do álbum anterior, como as vozes e ambientações eletrônicas, porém, parte de uma abordagem essencialmente etérea e cadenciada, íntima do R&B. “Confie em si mesmo / Seja especial, seja especial comigo“, cresce a letra da canção que se espalha em meio a inserções pontuais, batidas e rimas complementares. Esse mesmo direcionamento acaba se refletindo em outros momentos ao longo da obra, como In Pink, bem-sucedido encontro com o rapper Mndsgn e uma colorida sobreposição de ideias que vai do pop da década de 1980 ao soul dos anos 2010 de forma hipnótica. Leia o texto. completo.

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Danny L Harle
Harlecore (2021, Mad Decent)

Junto de A. G. Cook e SOPHIE, Danny L Harle foi um dos responsáveis por moldar a cara da música pop na última década. Conhecido pelas criações como colaborador de diferentes nomes da PC Music, o artista londrino passou os últimos anos se revezando em uma série de composições ao lado de Charli XCX, Rina Sawayama, Clairo e outros personagens importantes do gênero. São canções marcadas pelo caráter referencial dos temas, uso estilizado das vozes, sintetizadores e batidas que apontam para diferentes campos da produção eletrônica, proposta que ganha ainda mais destaque no material entregue em Harlecore (2021, Mad Decent), primeiro álbum de estúdio do produtor. Conceitualmente dividido em quatro blocos específicos de canções, um para cada identidade adotada por Harle, o registro parte de uma abordagem própria do produtor britânico, porém, estabelece no curioso diálogo com um time seleto de colaboradores o principal componente criativo para o fortalecimento da obra. São personagens como DJ Mayhem, concebido em parceria com o também produtor Hudson Mohawke; MC Boing, ao lado do conterrâneo Lil Data, e DJ Ocean, pseudônimos em que estreita a relação com a cantora e compositora norte-americana Caroline Polachek, com quem tem colaborado em estúdio desde a entrega do elogiado Peng (2019). Leia o texto completo.

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Djonga
Nu (2021, Ceia Ent.)

Eu sei o quanto eu sou sujo, mesquinho, avarento, invejoso, irado, desconfiado e qualquer coisa a mais que ‘cê possa botar. Covarde, entendeu? Mentiroso. Eu conheço, acontece que eu não gosto“. Extraído do documentário Rogério Duarte, o Tropikaoslista (2015), de Walter Lima, o trecho que encerra o novo álbum de Djonga, Nu (2021, Ceia Ent.), funciona como uma representação exata de tudo aquilo que o rapper mineiro busca desenvolver ao longo do trabalho. São canções que preservam a essência errática do artista belo-horizontino, celebram conquistas, excessos e histórias de superação, mas que em nenhum momento sufocam pela vaidade do próprio realizador. Instantes em que somos confrontados pela mesma rima crua explícita em obras como Heresia (2017) e O Menino Que Queria Ser Deus (2018), porém, partindo de um evidente exercício de amadurecimento pessoal. Sequência ao material entregue no ainda recente Histórias da Minha Área (2020), Nu, assim como os registros que o antecedem, diz a que veio logo na introdutória Nós. São pouco mais de três minutos em que o rapper parte de uma abertura melancólica (“A gente nasce sozinho e morre sozinho / A gente nasce sozinho e morre sozinho“), citando Emicida, porém, estabelece no minucioso cruzamento das rimas o estímulo para capturar a atenção do ouvinte. “Outro dia acordei herói, dormi inimigo / Mais que a buceta das Kardashian, eu sou perseguido / Falam de reinserção, mas agem igual polícia / Nem me olham no olho, novão olha pro próprio umbigo“, reflete em meio a versos em que discute o próprio cancelamento e comentários recebidos após uma apresentação lotada no Rio de Janeiro, em dezembro do último ano, durante um dos momentos mais críticos da pandemia de Covid-19. Leia o texto completo.

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Domenico Lancellotti
Raio (2021, Arraial)

Raio, como tudo aquilo que Domenico Lancellotti tem produzido ao longo da última década, é um trabalho feito para ser absorvido aos poucos, sem pressa. Com produção dividida entre Petrópolis, no Rio de Janeiro, e Lisboa, capital de Portugal, onde reside desde 2019, o sucessor de Serra dos Órgãos (2017) mostra um artista contido, mas não menos detalhista e inventivo. São incontáveis camadas instrumentais, melodias nostálgicas que passeiam por diferentes campos da música brasileira e instantes de profunda entrega sentimental. Um precioso exercício criativo onde cada fragmento assume uma função específica, riqueza que se percebe tão logo o registro tem início, na construção labiríntica de Vai a Serpente, mas que acaba se refletindo até a derradeira Newspaper. “É um registro sobre transformação permanente“, resume Lancellotti no texto de apresentação do álbum. Canções que se espalham em uma medida própria de tempo, sussurrando segredos, ruídos e porções instrumentais que pouco a pouco movimentam o disco. Não por acaso, cada composição serve de passagem para a faixa seguinte. Entrelaces rítmicos e melódicos que garantem ao trabalho uma sensação de obra viva, como um bloco imenso que se divide em porções específicas, porém, nunca isoladas. Exemplo disso acontece logo nos minutos iniciais, quando sintetizadores cósmicos e a percussão rastejante Vai a Serpente desemboca no minimalismo de Snake Way, música completa pelos sopros de Joana Queiroz e a voz doce de Nina Miranda, também parceira em Mushroom Room. Leia o texto completo.

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Dry Cleaning
New Long Leg (2021, 4AD)

A grande beleza do som produzido pelo Dry Cleaning sempre esteve na linguagem contrastante que marca as criações do grupo inglês. São guitarras e ruídos metálicos que se espalham em meio a batidas essencialmente tortas, como um contraponto à voz sóbria e quase inalterada de Florence Shaw. Instantes em que o quarteto, completo pelos músicos Nick Buxton (bateria), Tom Dowse (guitarra) e Lewis Maynard (baixo), vai de encontro ao som produzido por veteranos como Sonic Youth, Pixies e Television, porém, preservando a própria identidade criativa, conceito bastante explícito durante o lançamentos dos introdutórios Sweet Princess (2019) e Boundary Road Snacks and Drinks (2019), mas que ganha ainda mais destaque com a chegada de New Long Leg (2021, 4AD). Regido em essência pela poesia descritiva de Shaw, o primeiro álbum de estúdio do Dry Cleaning passeia pela noite, incorpora o tédio do cotidiano e discute as angústias vividas pela compositora inglesa de forma tão intimista quanto provocativa e sarcástica. Canções quase imagéticas, como se a cantora detalhasse desde a textura das paredes ao cheiro de perfume das pessoas com quem esteve envolvida. “Braços fracos não podem abrir a porta, cancelar o Kung Fu / Vai ficar tudo bem, só preciso estranhar e me esconder um pouco e comer um sanduíche velho da minha bolsa“, canta na introdutória Scratchcard Lanyard, música que reflete a sensação de deslocamento do eu lírico, proposta que embala a experiência do ouvinte até a canção de encerramento, Every Day Carry. Leia o texto completo.

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Duda Beat
Te Amo Lá Fora (2021, Independente)

Quanto tempo leva para um coração partido cicatrizar? Em se tratando das canções apresentadas em Te Amo Lá Fora (2021, Independente), segundo e mais recente álbum de estúdio de Duda Beat, as feridas expostas no antecessor Sinto Muito (2018) parecem permanentemente abertas, sangrando versos de amor e instantes de maior comoção. Embora vendido pela cantora e compositora pernambucana como uma obra “para alegrar as pessoas“, o registro que conta com produção de Tomás Tróia, parceiro romântico e colaborador de longa data da artista, e Lux Ferreira, músico que já trabalhou com nomes como MahmundiFelipe Vellozo, estabelece no mesmo lirismo entristecido de composições como Pro Mundo Ouvir e Todo Carinho a base para grande parte do presente disco. E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do trabalho, na introdutória Tu e Eu. Entre camadas de sintetizadores e fragmentos extraídos de Coração de Papel, música composta pela conterrânea Cila do Coco, Eduarda Bittencourt Simões, verdadeiro nome da cantora, confessa: “Cheguei ‌e‌ ‌tava‌ ‌tocando‌ ‌nosso‌ ‌som‌ ‌/ Grave‌ ‌bateu‌ ‌e‌ ‌doeu‌ ‌meu‌ ‌coração‌ / ‌Não‌ ‌sei‌ ‌se‌ ‌foi‌ ‌a‌ ‌canção‌ ‌ou‌ ‌minha‌ ‌decepção‌ / De‌ ‌te‌ ‌ver‌ ‌com‌ ‌outra‌ ‌pessoa‌“. É como se o ouvinte fosse prontamente transportado para o mesmo ambiente criativo e sentimental do disco entregue há três anos. Frações poéticas que se dividem entre a melancólica busca por libertação e desejo incontrolável de reconciliação, como memórias de um passado ainda recente que insistem em reviver desejos e sensações. Leia o texto completo.

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Erika de Casier
Sensational (2021, 4AD)

Nascida em Portugal, porém, residente em Copenhague, na Dinamarca, Erika de Casier passou os últimos anos refinando a própria estética. Passado o lançamento do introdutório, Essentials (2019), obra que revelou músicas como Little Bit e Do My Thing, a cantora, compositora e produtora portuguesa mergulhou em estúdio com Natal Zaks, parceiro de longa data, para investir na construção de um novo registro de inéditas. O resultado desse processo está nas canções do delicado Sensational (2021, 4AD), trabalho em que preserva a essência minimalista do material entregue há dois anos, porém, alcança um evidente ponto de amadurecimento lírico e instrumental, cuidado que embala com naturalidade a experiência do ouvinte até a canção de encerramento, Call Me Anytime. Conceitualmente inspirado pelo R&B produzido entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, o registro de essência nostálgica confessa algumas das principais referências criativas da artista portuguesa. São ecos de Aaliyah, Mônica, Brandy e outros nomes importantes que surgiram durante o período. Canções que estabelecem no reducionismo das batidas um estímulo natural para a construção dos versos, sempre íntimos das experiências mais intimistas vividas pela cantora. “Eu te escrevi duas vezes noite passada / Gostaria de poder retroceder / Retirar tudo o que eu disse / Mas eu não posso fazer isso“, confessa na introdutória Drama, música que se espalha em meio a memórias de um passado recente, proposta que ecoa de forma ainda mais sensível ao longo da obra. Leia o texto completo.

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Febem
Jovem OG (2021, Ceia Ent. / Empire)

Jovem OG (2021, Ceia Ent. / Empire) é uma verdadeira celebração. Mais recente lançamento de Felipe Disiderio, o Febem, o trabalho que conta com produção de CESRV, parceiro de longa data do artista, preserva a essência do registro que o antecede, Running (2019), porém, estabelece nas rimas do rapper paulistano um importante ponto de transformação. Canções que exaltam as conquistas e pequenos excessos do ex-integrante do grupo Zero Real Marginal, mas que em nenhum momento tapam os olhos para a realidade. Frações descritivas que passeiam pela periferia de qualquer centro urbano, utilizam de narrativas noturnas, cenas e personagens para construir uma obra de essência viva, como se diferentes histórias e possibilidades fossem condensadas dentro de cada composição. E isso fica bastante explícito logo nos primeiros minutos do registro, na introdutória Jovem. São pouco mais de dois minutos em que Febem e CESRV apresentam parte das regras, temas e conceitos que serão explorados no restante do trabalho. Da fluidez das vozes incorporadas pelo convidado, o cantor/rapper Smile – “Nunca estive tão bem / Posso voar também” –, passando pela base eletrônica que vai do grime à club house e citações a Djonga – “E quem falou que o disco antigo é fraco / Vai tomar no cu” –, tudo soa como um preparativo para as rimas despejadas pelo rapper minutos à frente. “Que agora é nossa vez de ser feliz, de dar risada / Paz na quebrada acaba de ser decretada / E mesmo que eu ainda ande pelo vale da sombra / Volta de ré, filha da puta, cancelei sua ronda“, anuncia. Leia o texto completo.

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Fernando Motta
Ensaio Pra Destruir (2021, Geração Perdida)

Entre guitarras carregadas de efeitos, texturas e vozes submersas, os sentimentos de Fernando Motta ganham forma em Ensaio Pra Destruir (2021, Geração Perdida). Terceiro e mais recente álbum de estúdio do cantor e compositor mineiro, o sucessor de Desde Que o Mundo É Cego (2017) segue uma trilha parcialmente distinta em relação ao material que tem sido apresentado pelo artista belo-horizontino desde a estreia com Andando Sem Olhar pra Frente (2016). São canções que se distanciam do uso de poemas e ambientações etéreas, por vezes arrastadas, fazendo da vulnerabilidade explícita nos versos e blocos quase intransponíveis de ruídos o estímulo para uma obra essencialmente humana e tangível, como se as experiências compartilhadas pelo músico também fossem nossas. Não por acaso, Motta fez de Tridimensional a composição escolhida para anunciar o disco. Acessível quanto próxima de tudo aquilo que o músico havia testado anteriormente, a faixa ganha forma em meio a camadas de guitarras e versos cantaroláveis, estreitando a relação com o ouvinte logo em uma primeira audição. É como se o artista incorporasse o mesmo pop rock testado em Violeta (2019), dos paulistanos da Terno Rei, porém, utilizando de uma linguagem ainda mais radiofônica, conceito que se reflete em outros momentos ao longo da obra. Canções como Elogio à Destruição, que parece saída de algum disco do Ride, em que o cantor mineiro se concentra na formação de melodias aprazíveis e letras que evocam lugares, personagens e sensações de forma sempre descritiva. “Envolto em nuvens de cetim / Ao te ver dançar / Sobre as uvas / Doce intuição / O elogio à destruição“, canta. Leia o texto completo.

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Floating Points / Pharoah Sanders
Promises (2021, Luka Bop)

Quem há tempos acompanha o trabalho de Sam Shepherd, o Floating Points, sabe do fascínio do produtor britânico pela obra de veteranos do jazz e da música produzida nos campos mais remotos do planeta. Mesmo conhecido pelas composições e temas dançantes, como em Crush (2019), e colaborações com nomes importantes da cena eletrônica, caso de CaribouFour Tet, foi em busca desses momentos de maior experimentação, tratamento evidente em Marhaba (2015) e Elaenia (2015), que o artista inglês deu vida a algumas de suas principais criações. São registros marcados pela colorida colagem de ritmos e minucioso processo de pesquisa, mas que hoje se revelam como meros esboços quando próximos do material cuidadosamente apresentado em Promises (2021, Luaka Bop). Registro mais ambicioso da carreira de Shepherd, Promises preserva a essência do produtor britânico, principalmente quando lembramos dos temas atmosféricos de Reflections – Mojave Desert (2017), porém, estabelece na sonoridade cósmica de Pharoah Sanders, principal parceiro de composição, um importante elemento de ruptura e busca por novas possibilidades. Conhecido pelo trabalho como colaborador de John e Alice Coltrane, Sun Ra e Don Cherry, o músico de 80 anos passou as últimas cinco décadas imerso na produção de obras essencialmente transcendentais e contemplativas. São preciosidades como Ascension (1966) e Journey in Satchidananda (1970) em que não apenas interfere criativamente, como incorpora uma série de componentes que seriam melhor explorados no jazz espiritual que embala os autorais Karma (1969) e Thembi (1971). Leia o texto completo.

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Fred Again..
Actual Life (April 14 – December 17 2020) (2021, Again.. Records)

Nos últimos meses, não foram poucos os artistas que buscaram encapsular as angústias vividas durante o período de isolamento social em seus trabalhos. Do enclausuramento temático proposto por Charli XCX, em How I’m Feeling Now (2020), passando pela atmosfera densa de Great Spans of Muddy Time (2021), de William Doyle, sobram registros que propõe discussões importantes sobre o impacto da Covid-19 nas relações pessoais, dores, romances e experiências vividas por indivíduos espalhados pelos quatro cantos do planeta. Entretanto, mesmo nesse cenário tão prolífico, poucos parecem ter explorado essa mesma temática com tamanha naturalidade quanto o produtor britânico Fred Again.. nas canções de Actual Life (April 14 – December 17 2020). Conhecido pelas criações em parceria com nomes importantes da cena inglesa, como Stormzy e Ed Sheeran, Fred John Philip Gibson, verdadeiro nome do produtor que lançou há poucos meses o colaborativo Gang (2020), trabalho com Headie One que ainda contou com FKA Twigs, Sampha e Jamie XX, faz do presente álbum uma espécie de diário do caos vivido desde o último ano. São canções produzidas a partir de mensagens de áudio enviadas pelo celular, cenas do cotidiano e experiências pessoais registradas pelo artista desde que a Inglaterra se fechou para conter o avanço da pandemia. Um exercício puramente pessoal, direcionamento que vai da selfie que ilustra a imagem da capa ao tratamento dado às batidas, melodias e fragmentos de vozes que recheiam o disco. Leia o texto completo.

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Godspeed You! Black Emperor
G d’s Pee at State’s End! (2021, Constellation)

Mesmo na completa ausência de palavras, a música produzida pelo Godspeed You! Black Emperor sempre foi encarada como um importante componente de enfrentamento político. Desde a fundação do coletivo canadense, no início dos anos 1990, os músicos Efrim Menuck, Mike Moya e Mauro Pezzente mantiveram o forte discurso anti-imperialista, defesa a grupos marginalizados e imigrantes no material de lançamento de cada trabalho, direcionamento reforçado no uso estratégico de captações de campo, cânticos e inserções pontuais que surgem e desaparecem em parte expressiva das canções apresentadas pelo coletivo de Montreal. Um turbulento e sempre necessário exercício criativo que ganha novo resultado com a chegada de G d’s Pee at State’s End! (2021, Constellation). Sétimo e mais recente trabalho de estúdio do grupo norte-americano, o sucessor de Luciferian Towers (2017), de onde vieram músicas como Anthem for No State e Fam/Famine, traz de volta parte da atmosfera densa que marca os primeiros registros autorais da banda, principalmente o cultuado F♯ A♯ ∞ (1997). São incontáveis camadas de guitarras e texturas que se revelam ao público em uma medida própria de tempo, estrutura que se completa pelo uso de interferências ruidosas, vozes extraídas de transmissões de rádio e momentos de maior contemplação. É como passear em um ambiente pós-apocalíptico, porém, repleto de escombros e formas que estranhamente fazem lembrar de uma antiga civilização, conceito anteriormente testado em Allelujah! Don’t Bend! Ascend! (2012). Leia o texto completo.

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Iceage
Seek Shelter (2021, Mexican Summer)

Pare por alguns minutos e ouça os dois primeiros trabalhos do Iceage, New Brigade (2011) e You’re Nothing (2013). Você consegue acreditar que o mesmo grupo responsável por composições tão raivosas como Coalition e New Brigade seria capaz de uma mudança tão grande na própria sonoridade? Sem necessariamente perder o peso e a potência das próprias criações, Elias Bender Rønnenfelt e seus parceiros de banda, os músicos Johan Surrballe Wieth (guitarra), Jakob Tvilling Pless (baixo), Dan Kjær Nielsen (bateria) e Casper Morilla (guitarra) passaram os últimos anos testando os próprios limites dentro de estúdio. Um processo criativo que teve início em Plowing Into the Field of Love (2014), mas que alcança melhor resultado nas canções de Seek Shelter (2021, Mexican Summer). Sequência ao material entregue no também maduro Beyondless (2018), o trabalho de nove faixas preserva a essência dos últimos registros da banda original de Copenhague, na Dinamarca, porém, se permite provar de novas possibilidades e direções criativas totalmente inesperadas. E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do disco, na introdutória Shelter Song. Entre guitarras que evocam obras icônicas como Beggars Banquet (1968) e Let It Bleed (1969), dos Rolling Stones, e vozes em coro que parecem saídas de algum disco do Primal Scream, o quinteto continua a apontar para o passado, conceito também explícito no disco anterior, contudo, de forma sempre particular, efeito direto da poesia intimista Rønnenfelt e uso calculado de cada mínimo fragmento instrumental. Leia o texto completo.

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Índio da Cuíca
Malandro 5 Estrelas (2021, QTV)

A cuíca é boa / Não posso parar de tocar“. Os versos lançados por Índio da Cuíca logo nos primeiros minutos de Cuíca Malandra / Cuíca Encantada, terceira faixa de Malandro 5 Estrelas (2021, QTV), sintetizam a devoção do músico carioca ao instrumento que o acompanha há mais de cinco décadas. Conhecido pelo trabalho como colaborador de nomes como Alcione, Roberto Carlos e Jair Rodrigues, o artista que esteve envolvido em grupos como Corda K Samba e Brasil Ritmo, estreia em grande estilo com uma obra de repertório amplo, porém, centrada em essência no atrito melódico que sutilmente envolve as canções. São fragmentos que contam histórias, detalham personagens e confessam sentimentos sempre atrelados ao universo particular do multi-instrumentista. Com direção musical e arranjos de Gabriel de Aquino e co-direção do cuiqueiro e pesquisador Paulinho Bicolor, o trabalho de dez faixas diz a que veio logo nos primeiros segundos, na introdutória A Cuíca Chora. São pouco mais de dois minutos em que o músico apresenta o time de instrumentistas que o cercam, porém, sempre posicionado em um lugar de destaque, proposta que embala a experiência do ouvinte até a música de encerramento do álbum, Baile do Bambu. E isso fica ainda mais evidente na canção seguinte, Stribinaite Camufraite Oraite, um calango psicodélico e louco, efeito direto do ronco ritmado, por vezes emulando um violino, conceito que acaba se refletindo em diversos momentos ao longo do registro, como na já citada Cuíca Malandra / Cuíca Encantada. Leia o texto completo.

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In Venus
Sintoma (2021, Efusiva)

Quem for em busca da mesma atmosfera soturna explícita em Ruína (2017), estreia do grupo paulistano In Venus, talvez acabe decepcionado com o material entregue em Sintoma. Como indicado logo na imagem de capa do trabalho, uma colagem que conta com assinatura da artista visual Erikat, são estruturas disformes, quebras e sobreposições estéticas que orientam o segundo álbum de estúdio da banda composta por Cint Murphy (voz e teclado), Duda Jiu (bateria), Rodrigo Lima (guitarra) e Patricia Saltara (baixo). Canções que preservam parte da identidade explícita durante a produção do disco anterior, porém, partindo de uma abordagem completamente irregular, torta, estrutura que tinge com incerteza a experiência do ouvinte até o último segundo do registro. Concebido em um cenário de caos político e avanço do conservadorismo, o trabalho que teve suas gravações iniciadas em fevereiro do último, meses antes ao avanço da pandemia de Covid-19 no Brasil, sustenta nas letras uma representação poética quase documental. Composições marcadas pelo uso de versos descritivos, sempre regidos pela crueza do discurso e ferocidade incorporada aos arranjos. “A morte viva / O inferno e o nada / No eterno e constante retorno … Todos os dias mais perto da destruição“, canta Murphy em Hen To Pan, música de abertura do registro. Instantes em que o quarteto aponta a direção seguida até a derradeira Ancestrais, porém, estabelecendo uma série de conexões questionadoras e provocativas com diferentes acontecimentos mundanos. Leia o texto completo.

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Jadsa
Olho de Vidro (2021, Balaclava Records)

Camadas de guitarras que se entrelaçam em uma medida própria de tempo, a percussão diminuta e vozes tratadas como mantras, sempre cíclicas e transcendentais. Ouvir as composições de Olho de Vidro (2021, Balaclava Records), estreia da cantora e compositora Jadsa Castro, é como entrar no mar. São canções que se projetam em meio a ondulações tímidas, quase imperceptíveis, mas que se convertem em verdadeiros turbilhões instrumentais e poéticos, convidando o ouvinte a se perder em um oceano de memórias e sentimentos conflitantes. Um misto de dor e libertação, entrega e doce vulnerabilidade, como se a artista baiana transportasse para dentro de estúdio parte das histórias, relacionamentos amorosos e tudo aquilo que tem vivido nos últimos anos. Feito para ser absorvido aos poucos, sem pressa, o sucessor de Taxidermia (2020), diz a que veio logo nos primeiros minutos, na introdutória Mergulho. São fragmentos de vozes – “olho”, “oco”, “rosto” e “fundo do mar” –, que parecem soprados de forma a revelar a letra da canção – “Eu vou pintar o mar no fundo do seu olho / De lá refletirão mil tons rebatidos no oco / Depois da água, a alegria suaviza seu rosto“. Retalhos sensoriais e líricos que utilizam de elementos da natureza, personagens reais e sentimentos como estímulo para a formação de uma massa essencialmente mutável, viva, conceito que muito se assemelha ao material entregue no também delicado Mansa Fúria (2018), da conterrânea Josyara. Leia o texto completo.

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Japanese Breakfast
Jubilee (2021, Dead Oceans)

Não se deixe enganar pela colorida imagem de capa de Jubilee (2021, Dead Oceans). Por trás da fina estética e tons amarelados que emanam da fotografia de Peter Ash Lee, sobrevive uma obra ainda acinzentada. São faixas que, mesmo distantes da temática do luto incorporada aos antecessores Psychopomp (2016) e Soft Sounds from Another Planet (2017), dois primeiros trabalhos de estúdio de Japanese Breakfast, evidenciam as angústias e a forte relação de Michelle Zauner com a morte da própria mãe, vítima de um câncer no pâncreas, em 2014. Canções ainda consumidas pela dor e permanente sensação de sufocamento da multi-instrumentista de origem sul-coreana, porém, ampliadas de forma a incorporar diferentes temáticas e conflitos sentimentais vividos pela artista. Entretanto, a grande beleza de Jubilee, assim como o material apresentado em Soft Sounds from Another Planet, está na forma como Zauner brinca com os contrastes. São canções que preservam o lirismo melancólico da artista, porém, estabelecem no completo refinamento dos arranjos e melodias ensolaradas um importante elemento de contraposição. Exemplo disso acontece logo nos primeiros minutos do disco, em Paprika. Enquanto os versos discutem o isolamento vivido pela cantora – “Mas sozinha pareço estar morrendo” –, musicalmente a instrumentista investe em temas orquestrais. São cordas, metais e a bateria marcial que ora aponta para a parada onírica da animação de Satoshi Kon que da título à faixa, ora evoca a grandiosidade de coletivos como Broken Social Scene. Leia o texto completo.

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Jazmine Sullivan
Heaux Tales (2021, RCA)

Na contramão de outros nomes importantes do R&B/soul estadunidense, interessados no contínuo lançamento de obras, Jazmine Sullivan sempre seguiu uma medida própria tempo. Perto de completar duas décadas de carreira, a artista original de Filadélfia, Pensilvânia, acumula um repertório ainda enxuto. São três álbuns de estúdio, Fearless (2008), Love Me Back (2010) e Reality Show (2015), sempre apresentados de forma espaçada, em uma medida própria de tempo. Entretanto, o mesmo não pode ser dito sobre a extensa seleção de músicas compostas para outros artistas, como Jennifer Hudson e Fantasia, ou mesmo colaborações com Frank Ocean, Kendrick Lamar e um seleto grupo de vozes negras da cena norte-americana.Satisfatório perceber nas canções de Heaux Tales (2021, RCA), primeiro registro de inéditas da cantora em seis anos, uma delicada transposição desse mesmo aspecto colaborativo que paralelamente abasteceu a carreira de Sullivan. De essência conceitual, o trabalho que discute empoderamento feminino e funciona como uma celebração às mulheres negras, se abre para a chegada de diferentes colaboradores, vozes, produtores e interferências criativas que ampliam os limites da obra, como uma busca declarada da artista por novas possibilidades dentro de estúdio. Leia o texto completo.

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Jean Tassy
Amanhã (2021, Independente)

Mesmo regido pelo título de “amanhã”, a estreia de Jean Tassy é um trabalho sobre o hoje. Da construção das batidas, cuidadosamente encaixadas pelo produtor Iuri Rio Branco, passando pela escolha dos temas e colaboradores que invadem o disco, cada elemento do álbum parece incorporar o que há de mais fresco no novo R&B, riqueza que se reflete do primeiro ao último segundo da obra. São canções que atravessam as pistas, utilizam de narrativas noturnas, romances e momentos de doce melancolia como estímulo para a formação dos versos. Instantes em que o artista original de Brasília traz de volta tudo aquilo que tem sido incorporado em uma série de composições apresentadas nos últimos anos, porém, partindo de uma abordagem deliciosamente refinada. Não por acaso, Cadê Nosso Sol? foi a música escolhida para inaugurar o disco. Do uso versátil das vozes e versos que parecem acompanhar a fluidez das batidas, passando pelo costura atmosférica dos sintetizadores, cada elemento da canção funciona como uma síntese conceitual de tudo aquilo que o rapper e o parceiro de produção buscam desenvolver até a chegada da derradeira Test Drive. São inserções pontuais, por vezes minimalistas, estrutura que naturalmente potencializa os sentimentos e histórias detalhadas por Tassy. Composições que parecem apontar para a obra de estrangeiros, como Khalid e Daniel Caesar, mas que a todo momento regressam ao território brasileiro, efeito direto da colorida sobreposição dos ritmos que garante maior riqueza e vívida identidade ao trabalho. Leia o texto completo.

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Jonathan Ferr
Cura (2021, SLAP)

Música que provoca, acolhe, tensiona e cura. Dois anos após o lançamento de Trilogia do Amor (2019), de onde vieram acertos como Borboletas Sonhos, o pianista carioca Jonathan Ferr está de volta com sua maior obra: Cura (2021, Slap). Ponto de equilíbrio entre o que há de mais acessível no jazz e na produção contemporânea, o registro de nove faixas faz da cada composição um precioso objeto de estudo. São delicadas paisagens instrumentais que preservam a essência dos antigos trabalhos do artista, porém, estabelecem no curioso atravessamento de vozes, ruídos e novos debates sociais um importante componente de transformação. Instantes em que compositor transita por entre gêneros e diferentes abordagens criativas de forma a construir e expandir a própria identidade. Não por acaso, Ferr, que já colaborou com nomes como Tuyo e Poss, inaugura o disco com a releitura de Sino da Igrejinha. Partindo de uma base diminuta, íntima de outras interpretações da faixa, a canção de domínio público rapidamente se transforma em um turbilhão instrumental quando arranjos de cordas sobrevoam as notas ritmadas que escapam do piano do artista. É como se o músico apresentasse parte dos temas que serão explorados ao longo da obra, estrutura que ganha ainda mais destaque na sonoridade transcendental da composição seguinte, Nascimento. Confessa homenagem a Milton Nascimento, o registro de quase seis minutos reflete a capacidade do compositor em lidar com os instantes, alternando entre momentos de evidente leveza e atos de maior grandiosidade. Leia o texto completo.

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Leall
Esculpido a Machado (2021, Covil da Bruxa)

Esculpido a Machado (2021, Covil da Bruxa) é um trabalho que diz a que veio antes mesmo que a primeira rima seja disparada. Utilizando da impactante imagem de capa produzida pelo fotógrafo Marcelo Martins, o carioca Arthur Leal apresenta parte dos elementos que serão explorados de maneira aprofundada ao longo do registro. São canções que discutem a busca por oportunidade em um cenário negligenciado pelo Estado, a corrupção de menores, o peso da criminalidade e a necessidade de romper com as estatísticas. “A história que você vai ouvir agora, é uma história que acontece com pelo menos dois em cada dez jovens do meu bairro, que na barriga da miséria nasceram brasileiros“, anuncia LEALL, como aqui se apresenta, logo nos primeiros minutos da obra. Uma vez imerso nesse cenário, o artista divide o trabalho em dois blocos específicos de composições. O primeiro deles, bem representado pela introdutória Pedro Bala, passeia pelas periferias brasileiras em meio a versos descritivos em que reflete a sedução pelo tráfico e os pequenos excessos de quem mergulha nessa realidade. “A boca de fumo é plano dе vida / A miséria faz vilão aparecer no mapa / Dá meu brinquedo de escorrer sangue na escada“, rima. Esse mesmo direcionamento acaba se refletindo na canção seguinte, Duas Pistolas, música que cresce no uso destacado das batidas e temas eletrônicos, como uma interpretação ainda mais insana do som produzido SD9 no ainda recente 40º.40 (2021), registro que conta com a participação de LEALL na música Poze de RodoLeia o texto completo.

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Leon Vynehall
Rare, Forever (2021, Ninja Tune)

Quem há tempos acompanha as criações de Leon Vynehall, produtor britânico que tem chamado a atenção da imprensa desde o início da década passada, sabe que o artista costuma se dividir entre registros de essência atmosférica e obras que parecem apontar para as pistas de dança. Exemplo disso fica bastante evidente no contraste entre os temas tropicais abordados em Rojus (2016) e o minimalismo de Nothing Is Still (2018), esse último, trabalho em que se aprofunda conceitualmente na história dos próprios avós que deixaram o Reino Unido de navio para viver em Nova York. Interessante notar nas canções de Rare, Forever (2021, Ninja Tune), recente lançamento do compositor, um precioso exercício criativo que combina o que há de melhor nesses dois opostos. Marcado pela sobreposição das texturas eletrônicas, ruídos e batidas assíncronas, o trabalho de dez faixas serve de passagem para um território desvendado em essência por Vynehall. Discípulo confesso de veteranos como Aphex Twin e DJ Shadow, o produtor britânico entrega ao público um álbum que pode ser absorvido superficialmente, porém, oculta um universo de pequenos detalhes, quebras e ambientações tortas que exigem ser desvendadas pelo ouvinte. São incontáveis camadas instrumentais e vozes picotadas que se escondem por entre as brechas do registro, conceito bastante evidente no também minucioso Music for the Uninvited (2014), obra que apresentou o artista a uma parcela ainda maior do público, mas que ganha ainda mais destaque com o presente disco. Leia o texto completo.

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Lost Girls
Menneskekollektivet (2021, Smalltown Supersound)

Transcendental, The Practice of Love (2019), quinto álbum de Jenny Hval em carreira solo, serviu de passagem para um novo território criativo na carreira da cantora e compositora norueguesa. Inspirada pelo texto existencialista de A Hora da Estrela (1977), de Clarice Lispector (1920 – 1977), e os delírios fantasiosos de Alice no País das Maravilhas (1865), do escritor britânico Lewis Carroll (1832 – 1898), a artista foi de encontro às pistas, incorporado elementos que passeiam pela obra de Björk, Kylie Minogue e Madonna. Um colorido catálogo de ideias e referências conceituais que ganham novo resultado nas canções de Menneskekollektivet, primeiro registro de inéditas no paralelo Lost Girls, projeto dividido com o multi-instrumentista Håvard Volden. Parceiros de longa data, Hval e Volden seguem de onde pararam há três anos, durante a produção do colaborativo Feeling (2018). São cinco composições extensas em que a dupla norueguesa se concentra na montagem de um registro que avança em uma medida própria de tempos. São incontáveis camadas de sintetizadores, guitarras atmosféricas, batidas eletrônicas e vozes que preservam parte da essência criativa detalhada durante a entrega de The Practice of Love, porém, se permitem trilhar por novos campos criativos, conceito reforçado pelos poemas contemplativos da artista. “Eu penso sobre isso enquanto converso com as testemunhas de Jeová – elas estão na porta / O que é ‘humano? Seria um humano, um ‘eu’?“, questiona de forma provocativa logo nos primeiros minutos da obra, apontando a direção que embala a experiência do ouvinte até a derradeira Real Life. Leia o texto completo.

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Lucas Vasconcellos
Teoria da Terra Plena (2021, Independente)

No reducionismo dos arranjos, um mundo de histórias e sentimentos a serem compartilhados por Lucas Vasconcellos. Longe da agitação que tomou conta da vida do músico fluminense na última década, como a extensa turnê com a Legião Urbana e encontros com diferentes representantes da cena brasileira, Teoria da Terra Plena (2021, Independente), novo álbum do cantor, compositor e multi-instrumentista, nasce como um precioso refúgio. São canções marcadas pela economia dos instrumentos e parcial recolhimento do artista, efeito direto da escolha de Vasconcellos em registrar cada uma das faixas que abastecem o disco em um estúdio caseiro. Fragmentos que ganham forma em uma medida própria de tempo, sem pressa, leveza que se reflete até o último segundo da obra. Feito para ser absorvido aos poucos, o sucessor de. Adotar Cachorros (2015) segue a trilha atmosférica do registro que o antecede, porém, utiliza do mesmo refinamento melódico explícito em Falo de Coração (2013) e nas releituras acústicas de Silenciosamente (2016). E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do trabalho, em O Contorno das Nuvens. Composta em parceria com Phillip Long, a canção encanta pelo tratamento dado aos versos e temas que partem de um relacionamento para entender a grandeza do universo, porém, estabelece na leveza dos arranjos um elemento de imediato diálogo com o ouvinte. São camadas de guitarras que apontam para a obra de estrangeiros como The Shins, mas que em nenhum momento perdem o brilho particular de Vasconcellos. Leia o texto completo.

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Madlib
Sound Ancestors (2021, Madlib Invazion)

Em 2005, poucos meses após o lançamento de Madvillainy (2004), cultuado encontro com o rapper MF DOOM, Otis Jackson Jr., o Madlib, entregou parte do repertório produzido no trabalho para que as canções ganhassem novo tratamento nas mãos do britânico Kieran Hebden, o Four Tet. Nome em ascensão na cena inglesa, o artista que havia acabado de lançar o ótimo Everything Ecstatic (2005), não apenas deu novo sentido ao material, como imprimiu traços da própria identidade e passou a incorporar uma série de outros elementos, como a linguagem fragmentada do produtor californiano, dentro dos registros que seriam apresentados por ele próprio nos próximos anos. Agora, quase duas décadas após o início dessa parceria, Madlib e Four Tet estão mais uma vez juntos em  Sound Ancestors. Diferente do material entregue nos remixes de Madvillany, em que mergulhou no uso dos sintetizadores e batidas remodeladas, Hebden assume uma posição menos intrusiva, sendo responsável pela edição, arranjos e masterização da obra. O resultado desse tratamento está na entrega de um repertório quase homogêneo, efeito direto das pequenas conexões estabelecidas entre diferentes faixas, porém, ainda íntimo da profusão de ideias que tradicionalmente definem a obra do produtor californiano. Leia o texto completo.

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Mbé
Rocinha (2021, QTV)

Pesquisador, produtor cultural e engenheiro de som que trabalhou com nomes como Ana Frango Elétrico e Thiago Nassif, o músico Luan Correia passou mais de dois anos imerso na captação de ruídos, fragmentos de vozes e sobreposições atmosféricas que vão de terreiros a apresentações ao vivo. O resultado desse minucioso processo de seleção está nas composições de Rocinha (2021, QTV), primeiro álbum de estúdio do artista que nasceu e cresceu na favela que dá nome ao disco e uma obra marcada pelas possibilidades. São ambientações ritualísticas e trechos de falas de historiadores e ativistas negros, como Maria Beatriz Nascimento (1942 – 1995), estrutura que ganha novo significado nas mãos do produtor que se apresenta como Mbé, palavra em yorubá que significa “ser e existir”. De essência política, como tudo aquilo que Correia tem produzido em seus outros trabalhos, como o coletivo de rap Justa Causa e a dupla Ó Só, Rocinha diz que veio logo nos primeiros minutos, na introdutória Aos Meus. São pouco menos de 50 segundos em que o produtor carioca parte da repetição das vozes e batidas que emulam o som de tiros como elemento de provocativo diálogo com o ouvinte. “O que vocês esperavam que acontecesse quando tiraram a mordaça que tapava essas bocas negras?“, questiona a voz empoeirada que cresce por entre as brechas da canção. São fragmentos rápidos, sempre pontuais, porém, certeiros nas mãos do artista, ampliando os domínios da obra. “Os samples funcionam como amostras de onde viemos e do que somos, as batidas deixam pegadas nas trilhas e os ruídos ressoam aquilo que não nos contam“, resume no texto de apresentação do álbum. Leia o texto completo.

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Mdou Moctar
Afrique Victime (2021, Matador)

O canto de um galo ecoando ao longe, o barulho de insetos e o som de passos em um ambiente desértico. Antes mesmo que as primeiras notas da guitarra de Mahamadou Souleymane sejam tocadas, o músico original de Agadez, em Níger, parece ambientar o ouvinte no cenário empoeirado que funciona como pano de fundo para o novo álbum de Mdou Moctar, Afrique Victime (2021, Matador). São canções de essência psicodélica, porém, essencialmente sóbrias, produto direto do lirismo contestador que não apenas resgata, como potencializa tudo aquilo que o artista e seus parceiros de banda, o guitarrista Ahmoudou Madassane, o baterista Souleymane Ibrahim e o baixista Mikey Coltun têm produzido desde a formação do grupo, na segunda metade dos anos 2000. “A África é vítima de tantos crimes / Se ficarmos em silêncio será o nosso fim / Por que isso está acontecendo? Qual é a razão por trás disso?“, questiona Souleymane na faixa-título do trabalho. São pouco mais de sete minutos em que o músico tuaregue não apenas estabelece parte dos elementos que servem de sustento ao registro, utilizando de uma série de fatos recentes para cantar sobre as feridas abertas do continente africano, com carrega na fluidez das guitarras parte da estrutura base que ganha diferentes variações e prova de novas possibilidades ao longo do disco. São incontáveis camadas de guitarras que ora apontam para as criações de veteranos como Tony Iommi e Jimmy Page, ora parecem dialogar com as composições de outros nomes recentes da produção psicodélica. Leia o texto completo.

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Nick Cave / Warren Ellis
Carnage (2021, Goliath)

Poucos artistas têm vivido um período tão fértil e bem-sucedido quanto Nick Cave. Passado o breve tropeço no mediano Nocturama (2003), o cantor e compositor norte-americano vem se revezando em uma sequência de obras marcadas pela força das canções, versos detalhistas e profunda entrega sentimental. Um evidente exercício de domínio criativo vai da dobradinha composta pelo paralelo Grinderman à trilogia apresentada em colaboração com os parceiros de banda no Bad Seeds, caso de Push the Sky Away (2013), Skeleton Tree (2016) e, mais recentemente, Ghosteen (2019), trabalho que revelou músicas importantes como Bright HorsesNight Raid e Hollywood. Esse mesmo refinamento pode ser percebido nas canções de Carnage (2021, Goliath). Sequência ao material entregue pelo cantor no ainda recente Idiot Prayer (2020), registro em que se apresenta de forma solitária no Alexandra Palace, em Londres, o trabalho concebido em parceria com Warren Ellis, principal parceiro de composição de Cave há mais de duas décadas, concentra o que há de melhor na obra de cada colaborador. São letras existencialistas que se espalham em meio a camadas de sintetizadores e orquestrações sublimes, como uma extensão natural de tudo aquilo que os dois artistas têm incorporado desde a mudança de sonoridade em Skeleton TreeLeia o texto completo.

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NoPorn
Sim (2021, Independente)

“Vou te chamar pra uma festa. Você vem?”. O convite lançado por Liana Padilha logo nos primeiros minutos de Festa no Meu Quarto, música de abertura do atmosférico Sim (2021, Independente), funciona como um delicioso exercício de preparação para material entregue no terceiro e mais recente trabalho de estúdio do NoPorn. São jogos de palavras, narrativas noturnas e versos sempre descritivos que se espalham em meio a camadas de sintetizadores e batidas cuidadosamente encaixadas, efeito direto de produção atenta de Lucas Freire, ocupando o espaço antes assumido por Luca Lauri, ainda parceiro de Padilha em parte expressiva das composições. Um lento desvendar de ideias e experiências sensoriais, como uma parcial fuga da agitação explícita em algumas das principais criações da artista, como Baile de Peruas. E essa mesma abordagem criativa, sempre econômica, fica bastante evidente durante toda a porção inicial do registro. São músicas como Enfeite de Cabelo e Leis da Física em que a voz declamada de Padilha funciona como um elemento de condução para o ouvinte, convidado a se perder em meio a versos provocativos (“Disse assim / Mais tarde / Quero ver você nua“) e momentos de maior entrega sentimental (“Eu vou colar em você / Tudo pode acontecer / Eu e você / No mesmo lugar“). Canções que passeiam em meio a reverberações nostálgicas, batidas e ambientações sintéticas que não necessariamente apontam para as pistas, mas convidam o ouvinte a dançar, como se pensadas para os momentos de maior solidão e isolamento forçado por conta da pandemia de Covid-19. Leia o texto completo.

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Olivia Rodrigo
Sour (2021, Geffen)

Um dos grandes méritos de Olivia Rodrigo em Sour (2021, Geffen), primeiro álbum da cantora e compositora norte-americana, não está necessariamente na capacidade da artista em transportar para dentro de estúdio as próprias inquietações e conflitos intimistas de forma transparente, mas em estabelecer um precioso diálogo com o que há de mais doloroso nas experiências de qualquer indivíduo. “Eu sinto que ninguém me quer / E eu odeio a maneira como sou vista / Eu só tenho dois amigos verdadeiros / E ultimamente, estou uma pilha de nervos“, confessa na introdutória Brutal, música que parece encapsular todo um sentimento de adolescência e deslocamento que passeia por diferentes gerações, proposta que embala a experiência do ouvinte durante toda a execução da obra. Nesse sentido, o trabalho catapultado pelo sucesso de Drivers License pode não apresentar nada de exatamente novo quando próximo de outros exemplares do gênero, como o cultuado Jagged Little Pill (1995), de Alanis Morissette, ou Speak Now (2010), de Taylor Swift, porém, lida de forma inteligentíssima com a construção dos versos. São gatilhos emocionais que revivem sensações, cenas e sentimentos que povoam o imaginário de qualquer indivíduo que tenha passado pela adolescência ou vivido um simples caso de amor. Da solidão impressa na já citada composição que alavancou a artista (“Acho que você não quis dizer o que escreveu naquela música sobre mim / Porque você disse para sempre, agora eu passo sozinho pela sua rua“), passando pelo egoísmo que consome Happier (“Então encontre alguém ótimo, mas não encontre ninguém melhor / Espero que você esteja feliz, mas não seja mais feliz“), difícil não se identificar com os temas e histórias abordadas por Rodrigo. Leia o texto completo.

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파란노을 (Parannoul)
To See the Next Part of the Dream (2021, Independente)

Quando lançado, em fevereiro deste ano, no BandcampTo See the Next Part of the Dream (2021, Independente), segundo e mais recente álbum de estúdio do misterioso guitarrista Parannoul, rapidamente caiu nas graças do público e da imprensa especializada, figurando em uma posição de destaque em alguns dos principais fóruns plataformas de música espalhadas pela internet. “Cada música é seu próprio exercício de catarse, uma base instrumental que dá ao Parannoul a liberdade de afogar sua voz em meio ao barulho“, escreveu o jornalista Grant Sharples, do Consequence of Sound, no texto em que analisa com cuidado todas as dimensões do elogiado registro. Mas o que torna um trabalho inteiramente cantado em coreano, imerso em ruídos e captações caseiras tão atrativo? A resposta talvez esteja na atmosfera e temas explorados pelo artista anônimo. São memórias da infância, citações a animes, como Neon Genesis Evangelion, e conflitos típicos de um jovem adulto. “Apenas reclamações sobre esses sentimentos são deixadas neste álbum, e não existem quaisquer formas de superá-los. Eu não posso te dar uma doce palavra de consolo. Eu não posso dizer ‘Vai ficar tudo bem algum dia’. Só espero que existam mais perdedores ativos como eu no mundo“, comentou o músico no texto de apresentação do trabalho. Canções que parecem encapsular a sensação de deslocamento vivida por qualquer indivíduo, proposta que transcende a barreira linguística e se materializa de maneira bastante evidente nas vozes tortas, ruídos e cada mínimo fragmento da obra. Leia o texto completo.

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Pauline Anna Strom
Angel Tears in Sunlig (2021, RVNG Intl.)

Nascida cega, Pauline Anna Strom (1946 – 2020) encontrou na música uma forma de interpretar o mundo a própria volta. São canções marcadas pelo desenho torto dos sintetizadores, estruturas inexatas e ambientações que se revelam ao público em uma medida própria de tempo, sem pressa. Exemplo disso está em toda a sequência de obras produzidas pela musicista norte-americana entre 1982 e 1988, período em que lançou três álbuns de estúdio – Trans-Millenia Consort (1982), Plot Zero (1983) e Spectre (1984) –, e outras quatro fitas cassete – The Moorish Project (1988), Japanese Impressions (1988), Aquatic Realms (1988) e Mach 3.04 (1988) –, em que se permite provar de diferentes abordagens criativas que influenciaram nomes importantes como Kaitlyn Aurelia Smith e Oneohtrix Point Never. Distante da música por quase três décadas, a artista que abandonou a carreira por questões financeiras e mergulhou em um processo de cura espiritual por meio da meditação, fez um retorno tímido há pouco mais de quatro anos, quando o selo RVNG Intl. lançou a coletânea Trans-Millenia Music (2017). Concebido a partir de versões remasterizadas de algumas das principais composições da musicista, o trabalho seria apenas um preparativo para a volta definitiva de Strom com um novo registro de inéditas, processo que se completa com a chegada de Angel Tears in Sunlight (2021, RVNG Intl.). Leia o texto completo.

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Píncaro
Um Delírio Madrepérola (2021, Independente)

Um Delírio Madrepérola é um disco sobre memória. Classificações momentâneas que surgem em meio a formas abstratas, como um olhar curioso do cantor e compositor Roger Valença, o Píncaro, em relação ao próprio passado. Não por acaso, o ex-integrante da banda Onagra Claudique, com quem lançou o delicado Lira Auriverde (2014), fez de Lençóis de Algodão a primeira composição do álbum a ser apresentada ao público. “Eu cresci com medo / Raiva entre os dedos / Lençóis de algodão / Dentes de leão / Segredos“, canta em tom nostálgico, conceito que embala a experiência do ouvinte até a música de encerramento do trabalho, Carne Mármore. São fragmentos da infância, relacionamentos conturbados e sentimentos que se projetam com uma naturalidade única, conceito bastante evidente em algumas das principais composições de Lira Auriverde, mas que parecem melhor formuladas no presente disco. E isso se reflete com naturalidade na própria Madrepérola. Entre versos econômicos, sempre calculados, Valença constrói cenários, cenas e acontecimentos de forma sensível, transportando o ouvinte para dentro da obra. “As joias da família tem um brilho / Madrepérola / Glória e orgulho / Montes de entulho / Calcário espalhado no quintal“, canta em meio a arranjos que avançam lentamente, como um complemento aos versos. Leia o texto completo.

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Porter Robinson
Nurture (2021, Mom + Pop)

Em 2015, consumido pela depressão e outros problemas relacionados à própria saúde mental, Porter Robinson, então com 23 anos, uma carreira bem-sucedida e apresentações espalhadas por diversos festivais, decidiu se distanciar os palcos e estúdio em busca de tratamento. Salve criações aleatórias, como Shelter, parceria com o amigo e também produtor Madeon, pouco foi apresentado pelo artista da Carolina do Norte após o lançamento de Worlds (2014). Vem justamente desse período de forte instabilidade emocional, recolhimento e busca por novas abordagens criativas que o músico norte-americano encontrou as bases para o delicado Nurture, trabalho em que desenvolve lírica e musicalmente parte das experiências sentimentais vividas nos últimos anos. “Quando a glória tenta te seduzir / Pode parecer o que você necessite / Mas se a glória te faz feliz / Por que você está tão quebrado?“, questiona em Get Your Wish, uma das primeiras composições produzidas pelo artista após o longo período de hiato e uma síntese conceitual de tudo aquilo que Robinson busca desenvolver ao longo do disco. “Quando comecei a escrever esse álbum, estava lutando com algumas questões pesadas: por que estou me matando por isso? O que eu espero que aconteça que ainda não aconteceu? Por que eu preciso me provar novamente? A resposta que cheguei você pode ouvir nessa música“, comentou em entrevista. Declaradamente inspirada pelas criações de Bon Iver, em 22, a Million (2016), a canção estabelece na manipulação das vozes e uso delicado dos sintetizadores a base para tudo aquilo que o produtor apresenta ao longo do registro. Instantes de maior instabilidade, porém, pontuados por momentos de maior comoção e entrega. Leia o texto completo.

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Rico Dalasam
Dolores Dala Guardião do Alívio (2021, Independente)

De braços abertos, como quem recepciona de forma calorosa, Rico Dalasam ilumina a imagem de capa de Dolores Dala Guardião do Alívio (2021, Independente). Produto da dor, relacionamentos instáveis e conflitos vividos pelo rapper paulistano, o trabalho nasce como uma extensão do homônimo registro lançado há poucos meses, porém, estabelece no acolhimento e na perspectiva da afetividade preta a base para cada uma das composições que recheiam o disco. “Não estou debatendo o corpo político ou a vida do negro do modo social, mas discutindo um lugar lá dentro da gente que é pouco elaborado no imaginário coletivo da sociedade“, resume no texto de apresentação da obra. São canções que partem das vivências do próprio artista e utilizam do forte discurso universal como um precioso componente de diálogo com o ouvinte. Dividido entre a dor e a libertação, conceito que tem sido explorado desde a estreia com Aceite-C, o registro de essência agridoce evidencia o completo domínio do artista em relação ao próprio trabalho. Instantes de amarga melancolia que antecedem momentos de doce celebração, proposta que se reflete tão logo o álbum tem início, na introdutória vinheta de abertura, mas que embala a experiência do ouvinte até a derradeira Estrangeiro (“Fui, porque acabou a fé / Não porque acabou o amor“). É como se cada composição servisse de passagem para a música seguinte, rompendo com a aleatoriedade que parecia orientar os antigos lançamentos do rapper, como Modo Diverso EP (2015) e, principalmente, o antecessor Orgunga (2016). Leia o texto completo.

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Serpentwithfeet
Deacon (2021, Secretly Canadian)

Segundo e mais recente trabalho de estúdio de Josiah Wise, o Serpentwithfeet, Deacon é uma celebração ao amor. Partindo de discussões sobre afetividade preta, masculinidade e acolhimento, o cantor e compositor norte-americano potencializa tudo aquilo que havia testado durante o lançamento de Soil (2018), obra que revelou músicas como Cherubim e Seedless. São canções que partem de acontecimentos recentes na vida do artista, porém, estabelecem no forte caráter intimista e universalidade dos versos um importante componente de diálogo com o ouvinte, direcionamento que embala a experiência do público até a música de encerramento do trabalho, a colaborativa Fellowship, bem-sucedido encontro com Sampha e Lil Silva. Ainda que a imagem de capa do disco funcione como uma representação visual de tudo aquilo que Wise busca explorar ao longo da obra, sobrevive na atmosférica Hyacinth, música de abertura do disco, uma passagem direta para os temas incorporados pelo compositor que já colaborou com nomes como Björk e Kelela. “Não me diga que o universo não está ouvindo / Eu fui para a cama solteiro, agora estou beijando“, confessa em meio versos marcados pela força dos sentimentos. São instantes de doce vulnerabilidade e celebração, como uma fuga do lirismo melancólico que embala as criações do cantor de desde os primeiros registros autorais, caso de Blisters (2016), obra em que parecia consumido pela depressão explícita em composições como Flickering e Penance. Leia o texto completo.

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Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo (2021, Risco)

Nascida da criativa colagem de ideias e referências que apontam para diferentes campos da música, a estreia de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é uma obra deliciosamente estranha. São fragmentos de vozes, batidas inexatas, ruídos e captações sujas que se espalham em meio a versos marcados por significados ocultos e indagações feitas para bagunçar a cabeça do ouvinte. “E as brigas dos casais que se unem só pra discutir / Me deixam refletindo se nós somos grandes interruptores de luz / Se sou mais Ravi Shankar ou Jesus“, questiona na introdutória Pop Cabecinha, composição que aponta o caminho torto seguido pelos parceiros Sophia Chablau (voz, guitarra), Téo Serson (baixo), Theo Ceccato (bateria) e Vicente Tassara (guitarra, teclados) até o encerramento do disco. E é essa mesma imprevisibilidade que torna a experiência de ouvir o trabalho tão satisfatória. Do momento em que tem início, na já citada Pop Cabecinha, até alcançar a derradeira Delícia/Luxúria, canção escolhida para anunciar a chegada do disco, cada composição do álbum funciona como um objeto isolado e curioso. São fragmentos que ora apontam para o pop rock descompromissado de veteranos como Rita Lee e Gang 90 e as Absurdettes, ora fazem lembrar das criações de contemporâneos como O Terno e Ana Frango Elétrico, essa última, convidada a assinar a produção do registro. Instantes de parcial delírio e faixas marcadas pelo completo reducionismo dos arranjos, como uma interpretação ampliada de tudo aquilo que o grupo havia testado durante o lançamento de Idas e Vindas do AmorLeia o texto completo.

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Spirit of the Beehive
Entertainment, Death (2021, Saddle Creek)

Perturbadora, a ilustração produzida pela baixista Rivka Ravede para a capa de Entertainment, Death, quarto álbum de estúdio do Spirit of the Beehive, funciona como uma estranha representação visual e passagem para o delirante território criativo explorado pelo grupo de Filadélfia, Pensilvânia. Sequência ao material entregue em Hypnic Jerks (2018), o trabalho produzido durante o período de isolamento social, evidencia o esforço do trio completo pelo guitarrista Zack Schwartz e o multi-instrumentista Corey Wichlin em testar os próprios limites dentro de estúdio. Composições que preservam a identidade psicodélica que tem sido explorada desde os primeiros registros da banda, porém, partindo de uma abordagem deliciosamente torta e imprevisível. E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos da obra, na introdutória Entertainment. São pouco menos de três minutos em que o trio norte-americano passeia em meio a microfonias, camadas de ruídos e melodias que ora apontam para o rock submerso do Deerhunter, ora fazem lembrar do pop psicodélico de bandas como MGMT e Neon Indian. Um criativo cruzamento de ideias que muda de direção a todo instante, jogando com a interpretação do público, porém, de forma sempre convidativa. São camadas e mais camadas, vozes tratadas como instrumentos e pequenas sobreposições estéticas que não apenas confessam algumas das principais referências do grupo, como distanciam conceitualmente o Spirit of the Beehive de qualquer outro projeto em atuação. Leia o texto completo.

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St. Vincent
Daddy’s Home (2021, Loma Vista)

Se existe uma coisa que a gente não precisa mais são trabalhos que buscam emular a estética e a sonoridade da década de 1970. Com técnicas de gravação essencialmente caseiras e orçamentos cada vez mais curtos, raríssimos são os casos de artistas que não apenas conseguiram replicar, como imprimir uma identidade autoral dentro desse tipo de obra. É possível contar nos dedos nomes como Daft Punk, em Random Access Memories (2013), e Weyes Blood, com Titanic Rising (2019), que se dedicaram a estudar o período, utilizando de instrumentos e métodos de captação tradicionais. O restante sobrevive de uma interpretação esquálida e quase caricatural da época, como composições aromatizadas artificialmente, incapazes de reproduzir a mesma atmosfera de registros do gênero.  Não é o caso de Annie Erin Clark. Quem há tempos acompanha as criações da cantora, compositora e produtora norte-americana, sabe que a musicista jamais apostaria em um estilo ou temática específica se não fosse para mergulhar de cabeça dentro dela. Em Daddy’s Home (2021, Loma Vista), sexto e mais recente álbum como St. Vincent, a artista não apenas aponta para a sonoridade concebida há mais de quatro décadas, como convida o ouvinte a viajar junto com ela. “Wurlitzers quentes e sagacidade, guitarras brilhantes e coragem, com desleixo e estilo por dias“, resume no texto de apresentação da obra que teve sua produção espalhada por diferentes estúdios, incluindo o lendário Electric Lady, em Nova Iorque, a presença de diferentes engenheiros de som e músicos de apoio que a auxiliaram no processo de criação do material, como o experiente Greg Leisz. Leia o texto completo.

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The Armed
Ultrapop (2021, Sargent House)

Não se deixe enganar pela colorida imagem de capa e título sugestivo: Ultrapop concentra o que há de mais caótico na música. Recente lançamento do misterioso e sempre mutável coletivo The Armed, grupo que tem como um de seus principais idealizadores Kurt Ballou, produtor e guitarrista do Converge, a banda formada na região de Detroit, Michigan, segue de onde parou há três anos, durante o desenvolvimento de Only Love (2018). São guitarras colossais, batidas e blocos de ruídos que se espalham em meio a métricas pouco usuais e vozes sobrepostas. Um delirante cruzamento de informações e captações sujas que costuram décadas de referências e elementos extraídos de cada colaborador, porém, partindo de uma abordagem deliciosamente anárquica. E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do disco. Passada a introdutória música de abertura, com seus sintetizadores cósmicos e melodias eletrônicas que parecem apontar para a obra do A Sunny Day In Glasgow, o ouvinte é instantaneamente soterrado por uma avalanche de ruídos e vozes berradas. Do ritmo frenético dado à bateria, passando pelo desenho irregular das guitarras e vozes que se entrelaçam de maneira desconcertante, All Futures revela parte dos elementos que serão aprimorados até o último segundo do álbum. Instantes em que a banda potencializa tudo aquilo que foi apresentado no registro anterior, conceito que vai da construção dos arranjos à montagem dos versos. “Humor honesto / Graças imorais / Chupar você / Te puxar mais fundo“, cresce a letra da canção. Leia o texto completo.

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The Weather Station
Ignorance (2021, Fat Possum)

Ignorance é um registro diferente de tudo aquilo que Tamara Lindeman tem produzido desde o início da carreira. Distante da atmosfera empoeirada que marca os primeiros trabalhos de estúdio como The Weather Station, caso de All of It Was Mine (2011) e Loyalty (2015), a cantora e compositora canadense se concentra na entrega de um material essencialmente grandioso, ainda que sóbrio. São incontáveis camadas instrumentais, arranjos de cordas, sopros e ambientações minimalistas que correm em paralelo aos versos detalhados pela artista. Um universo de pequenos detalhes que, longe de garantir possíveis respostas, serve de sustento à poesia enigmática que pouco a pouco toma conta do disco. E é exatamente isso que a cantora busca desenvolver logo nos primeiros minutos da obra, em Robber. Livre dos temas acústicos que embalam o homônimo disco que o antecede, o registro chama a atenção pelo uso calculado da bateria, guitarras e arranjos minuciosos, como se Lindeman apresentasse as regras do trabalho. São frações instrumentais que se conectam diretamente aos versos, sempre centrados em questões que vão do domínio branco em relação às terras indígenas do Canadá e o peso do capitalismo. “Eu nunca acreditei no ladrão / Quando eu era jovem, aprendi a fazer amor com o ladrão / Para dançar com o outro / Para arrancar de sua mão o toque de um amante“, canta em um misto de angústia e libertação. Leia o texto completo.

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Tui
Castto IV (2021, Independente)

Nos últimos anos, a cidade de Curitiba, capital do Paraná, se transformou em um dos principais agrupamentos da cultura beatmaker no país. Casa de veteranos como Nave (Emicida) e Laudz (Tropkillaz), o município hoje abriga uma variedade de novos artistas como HupaloChediak e Rafa Inki. São produtores que transitam por diferentes campos da música eletrônica, proposta que vai do trap ao R&B, da lo-fi beat ao funk de forma sempre inventiva. É justamente imerso nesse cenário tão prolífico que Arthur Sugamosto, o Tui, encontrou as bases para a produção do primeiro álbum de estúdio da carreira, Castto IV (2021, Independente). Parcialmente distante do material entregue pelo produtor em algumas de suas principais criações, como Você Quer Um Cinco Sete, inclinadas ao chill baile, o presente álbum estabelece na força das batidas e curioso olhar para o passado o estímulo para parte expressiva do repertório. São canções que parecem alcançar um ponto de equilíbrio entre o city pop e a sonoridade revisionista incorporada em obras como Discovery (2001), do Daft Punk, conceito que embala a experiência do ouvinte tão logo o trabalho tem início, em Sky High, e segue até a música de encerramento, Lucky GirlLeia o texto completo.

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Tuyo
Chegamos Sozinhos Em Casa (2021, Independente)

Poucos artistas souberam como aproveitar tão bem a atenção que lhes foi dada quanto os membros da Tuyo. Passado o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, Pra Curar (2018), a banda composta pelas irmãs Lio e Lay Soares e Jean Machado decidiu mergulhar em uma série de colaborações com diferentes representantes da cena brasileira. São nomes como BaleiaBruna Mendez1LUM3Luiza BrinaTerno Rei e tantos outros artistas que encontraram nas vozes do trio curitibano um importante componente criativo. Entre as brechas dessas colaborações, um minucioso processo de composição e imersão com o conterrâneo Gianlucca Azevedo (Fresno, Jean Tassy), parceiro de longa data do grupo e co-produtor do fino repertório que embala as canções de Chegamos Sozinhos Em Casa (2021). Evidente ponto de amadurecimento na carreira do trio, o registro de nove faixas nasce como um acumulo natural de tudo aquilo que a banda paranaense tem incorporado nos últimos anos. São fragmentos que preservam a mesma melancolia e base reducionista que acompanha a Tuyo desde o introdutório Pra Doer EP (2017), porém, partindo de um refinamento lírico e instrumental que se estende até a derradeira Toda Vez Que Eu Chego Em Casa, brilhante encontro com o pianista carioca Jonathan Ferr. Um misto de passado e presente, dor e libertação, produto direto das angústias e conflitos sentimentais vividos por cada integrante, mas que em nenhum momento deixa de dialogar com o ouvinte, indicativo do completo domínio do grupo em relação ao próprio trabalho. Leia o texto completo.

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William Doyle
Great Spans of Muddy Time (2021, Tough Love Records)

Great Spans of Muddy Time (2021, Tough Love Records) é um produto da catástrofe. Durante o processo de gravação do trabalho, o cantor e compositor William Doyle viu grande parte do registro se perder em um acidente que deu fim ao disco rígido do computador onde armazenava as composições. Com o material parcialmente salvo apenas em uma fita cassete, o músico inglês se viu forçado a remontar as peças da novo álbum de forma torta, rompendo com o habitual preciosismo explícito no processo de gravação de Total Strife Forever (2014) e Culture of Volume (2015), quando ainda se apresentava como East India Youth, e Your Wilderness Revisited (2019), registro que levou quase quatro anos até ser finalizado. O resultado desse inusitado processo de composição está na entrega de uma obra essencialmente contida, mas não menos detalhista. Longe das habituais camadas de sintetizadores e temas eletrônicos que marcam a sequência de obras entregues pelo compositor ao longo da última década, Doyle se concentra na entrega de um material reducionista. São guitarras enevoadas, melodias tecidas com evidente sutileza e vozes que se projetam como um instrumento complementar, ocupando as pequenas brechas do registro. Instantes em que o artista parece encolher quando próximo de som psicodélico de canções como Millersdale e todo o fino repertório lançado como East India Youth, porém, cresce na forma como os sentimentos e versos ganham ainda mais destaque. Leia o texto completo.

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Zopelar
Universo (2021, Apron Records)

Multi-instrumentista, produtor e importante agitador cultural da cidade de São Paulo, Pedro Zopelar tem uma capacidade única de transportar o ouvinte por meio da música. Basta um simples movimento dos sintetizadores ou uso estilizado das batidas para o público seja prontamente conduzido em direção ao passado. Canções que evocam as melodias funkeadas de veteranos da música brasileira, como Marcos Valle e Banda Black Rio, porém, partindo de uma linguagem deliciosamente atualizada, tratamento explícito durante o lançamento do ainda recente Joy of Missing Out (2020), lançado há poucos meses, mas que ganha ainda mais destaque nos temas eletrônicos e ambientações cósmicas que marcam o novo registro de inéditas do músico, Universo (2021, Apron Records). Feito para ser absorvido aos poucos, sem pressa, o registro apresenta parte dos elementos que serão explorados pelo artista logo nos primeiros minutos, na introdutória Process of Change. Entre camadas de sintetizadores que emulam arranjos de cordas e solos empoeirados de guitarras, Zopelar vai de encontro à produção dos anos 1980, lembrando os momentos de maior leveza de artistas como Yellow Magic Orchestra e Kikuchi Momoko. São melodias sintéticas que surgem e desaparecem durante toda a execução da faixa, conceito que preserva parte da essência detalhista incorporada durante o lançamento do álbum anterior, porém, partindo de um novo direcionamento. Instantes em que o produtor rompe com qualquer traço de previsibilidade, mesmo mantendo a leveza da obra. Leia o texto completo.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.