Pequenos Clássicos Modernos

/ Por: Cleber Facchi 14/02/2013

Antony and The Johnsons
Indie/Singer-Songwriter/Chamber Pop
http://www.antonyandthejohnsons.com/

Por: Cleber Facchi

Antony and The Johnsons

Antony Hegarty é responsável por um dos projetos mais corajosos e consequentemente inventivos de toda a produção musical dos anos 2000. No ápice do Indie Rock e da retomada do Pós-Punk que transformou artistas outrora desconhecidos em gigantes – caso de The Strokes e Interpol -, o cantor e compositor britânico deu formas ao doloroso Antony and the Johnsons, um lamento sufocante em relação aos efeitos da aceleração que predominava na música da época. Desprovido da mesma energia e acomodado em um oceano obscuro de harmonias acústicas, o músico fez do primeiro álbum na virada da década um retrato honesto de todas as melancolias que invadiam sua mente naquele instante, entretanto, foi só com a chegada de I Am a Bird Now em 2005 que a grandeza e a relevância do artista foi de fato comprovada.

Nada econômico musicalmente, o registro é ao lado de Funeral (2004) do Arcade Fire e The Milk-Eyed Mender (2004) de Joanna Newsom um resgate maduro e sombrio de toda a produção musical das décadas de 1960/70, principalmente dos trabalhos relacionados ao Chamber Pop. Mais do que isso, cada uma das dez amarguradas composições instaladas no decorrer da obra passeiam por instantes centrais da história da música. Da explosão da Vaudeville no começo do século XX ao crescimento dos clubes de jazz na década de 1930, da estranheza medieval de Kate Bush ao pop eletrônico de Boy George que invadiu os anos 80, cada canção reflete de maneira significativa não apenas a imagem Hegarty, mas da música como um todo.

Por se tratar de uma obra marcada por referências, I Am a Bird Now expõe logo na capa do registro a imagem de Candy Darling, atriz transsexual e uma das musas do artista plástico Andy Warhol. Do mesmo período (e até do mesmo grupo) brotam as referências ao trabalho de Lou Reed, provavelmente o artista que mais influenciou a obra de Hegarty e o responsável por auxiliar o músico na construção da amarga Fistful of Love. Além de Reed, Devendra Banhart, Joan Wasser (Joan As Police Woman), Rufus Wainwright e uma variedade de outros instrumentistas auxiliam o britânico a transformar o registro em uma obra de realces musicais grandiosos, ainda que de projeções sempre econômicas e uma ambientação dolorosamente sombria.


[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=Luirzce0UF8?rol=0]
[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=vskbBZ1h6ls?rol=0]

Mesmo cercado por distintos colaboradores, é necessário perceber o posicionamento de Antony Hegarty como figura central de toda a obra. Existe a influência e principalmente a presença de cada um dos artistas que auxiliam o músico na construção do registro, contudo, cada mínima fração do álbum materializa a dor que corta particularmente a alma de Hegarty. Do instante em que inicia com Hope There’s Someone até a construção da faixa de encerramento, Bird Girl, o álbum se perde em uma multiplicidade de versos que brincam com as metáforas, exploram personagens, assumem confissões totalmente relacionadas com a vida do compositor, mas ainda assim se mantém próximas do abandono e dos instantes de solidão de qualquer ouvinte.

Para além dos versos cuidadosos e das harmonias de vozes límpidas, responsáveis pelo ocultamento de todas as sobras do trabalho, I Am a Bird Now é um disco que encanta pelo uso exato dos instrumentos. Com produção assinada pelo próprio Hegarty, o disco se sustenta em uma medida que vai do jazz ao folk sem romper com o cenário em preto e branco que se derrama dramático pela capa do trabalho. Uma orquestração sublime e que nunca tende ao exagero, proposta que torna composições “simplistas” aos moldes de For Today I Am A Boy em instantes épicos, enquanto músicas naturalmente grandiosas, como Fistfull Of Love, crescem além dos próprios limites.

De encanto incontestável, o disco influenciaria de forma significativa não apenas a sonoridade dos registros seguintes de Antony and the Johnsons, como a própria estética dos trabalhos, resultado evidente na fotografia em preto e branco que ilustra The Crying Light (2009) ou mesmo o recente Cut the World (2012). Ainda que capaz de transitar por outros gêneros – vide a passagem pelo clássico recente das pistas, Blind do Hercules and Love Affair -, ou mesmo por incorporar novas transformações em sua própria obra, a grandeza e o ineditismo de Antony Hegarty permaneceria de forma invejável e influente no cuidado de I Am a Bird Now.

 

I Am a Bird Now

I Am a Bird Now (2004, Secretly Canadian)


Nota: 9.0
Para quem gosta de: Perfume Genius, Björk e Joanna Newsom
Ouça: Hope There’s Someone e Fistfull Of Love

[soundcloud url=”http://api.soundcloud.com/tracks/70656595″ params=”” width=” 100%” height=”166″ iframe=”true” /]

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.