Pequenos Clássicos Modernos

/ Por: Cleber Facchi 01/09/2011

The Antlers
Indie/Slowcore/Dream Pop
http://www.myspace.com/theantlers

Por: Cleber Facchi


Quais são os limites ou até onde pode chegar um indivíduo que sofre de amor? Embora a indústria da música já tenha comprovado que são inúmeras as respostas para tais perguntas – basta observarmos o ainda crescente e incontável catálogo de composições voltadas aos corações partidos – quase que diariamente somos presenteados (ou amaldiçoados) com mais algum novo tratado que tematiza sobre as decepções amorosas. Mesmo vastas as composições e álbuns inteiros voltados ao tema, nenhum registro na última década conseguiu ser tão doloroso e genial quanto Hospice (2009, French Kiss), obra-prima do The Antlers e um trabalho onde o amor (ou a falta dele) se mistura constantemente com a morte, resultando em um quase épico tratado sobre a loucura e a depressão.

Embora evite se pronunciar sobre o assunto, Peter Silberman, vocalista e líder do grupo nova-iorquino já assumiu em entrevistas que muito do que movimente seu memorável registro – o primeiro composto inteiramente ao lado dos parceiros Michael Lerner e Darby Cicci – se baseia em trechos autobiográficos, concentrado a história do álbum em um personagem que perde a amada em um leito de um hospício, vítima de uma doença mental degenerativa. Partindo desse pressuposto,  Silberman nos convida a adentrar esse mesmo universo, confundindo a lógica do ouvinte no decorrer do registro e se afundando em um mar de versos, sons e ruídos cacofônicos projetados de forma essencialmente melancólica.

Seria uma falácia sem precedentes delimitar o disco como um trabalho fácil ou no mínimo acessível ao público. Mesmo os já iniciados nos caminhos do Shoegaze ou do rock experimental talvez encontrem dificuldades em se aventurar pelas frequências esquizofrênicas que vão se apoderando de todo o disco. A sensação repassada em Hospice é inicialmente de completa irritação, afinal, torna-se quase impossível absorver o álbum sem nos incomodarmos com as doses imensuráveis de microfonias, momentos de silêncio agonizantes e gritarias incontáveis que fazem com que o disco não siga regras ou mínima similaridade com qualquer outro registro.

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O disco, entretanto é o mais puro retrato de um indivíduo atormentado, que ao se deparar com a perca da pessoa amada deixa-se absorver por todo o sufocante ambiente que o cerca, fazendo com que sua sanidade aos poucos comece a se dissipar. Embora focado no ambiente hospitalar que pinta o fundo da temática, o registro se movimenta como um grande tratado metafórico sobre percas e separações, como se aos poucos o suposto personagem central – o próprio Silberman ou talvez o próprio ouvinte – perdesse a completa noção da realidade, se afundando em sequências de choro compulsivo, gritarias incontroláveis e risos histéricos, algo excepcionalmente representado pela instrumentação completamente instável que acompanha o álbum.

Sufocante em seu princípio e aterrorizante em seus segundos finais, Hospice – inicialmente lançado de forma caseira pela banda e depois relançado pelo selo French Kiss – vai aos poucos desenvolvendo uma espécie de ambiente hermético e claustrofóbico, perfeito para que as dez peculiares composições que o acompanham possam se manifestar. Faixas como Sylvia – que de alguma forma remete ao trabalho da escritora e poetisa Sylvia Plath -, que transmitem o completo estado de desespero que percorre o disco, ou Two, que por trás de um arranjo tecnicamente acessível e menos conturbado esconde uma letra genial, mesclando doses de loucura, trechos oníricos e a divisão da mente do personagem em duas distintas frentes.

Mesmo elogiado por grande parte das publicações musicais de 2009, o álbum acabou de certo modo oculto tamanha a quantidade de surpreendentes lançamentos e outras geniais obras que acabaram lançadas naquele ano. Hospice, contudo,permanece como uma obra de incontestável valor, difícil de ser compreendida em suas primeiras audições, porém capaz de deixar profundas marcas no ouvinte após uma completa absorção de sua essência. Um trabalho que parece construído para sufocar (ou enlouquecer) o ouvinte, ao mesmo tempo em que suas estranhas emanações sorumbáticas transmitem certa dose de alívio, como se ouví-lo fosse de fato uma grande e singular experiência.


Hospice (2009, French Kiss)

Nota: 9.5
Para quem gosta de: Wild Beasts, Bon Iver e Girls
Ouça: O disco todo

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.